Vivemos em tempos de crise e de descrédito das instituições. Uma das mais afetadas é a classe política. Entretanto, isso não deve ser usado como pretexto para enfraquecer e acabar com os serviços públicos, os únicos ainda capazes de atender as necessidades básicas da população de forma universal. A privatização das empresas públicas não deu certo em nenhuma lugar do mundo, tanto é que a reestatização do saneamento tem sido uma tendência global. No Brasil, tudo indica que não se aprendeu nada com a realidade mundial.
A gestão dos serviços de saneamento ultrapassa o caráter financeiro e econômico. Ela deve ser entendida como direito intrínseco ao ser humano. Nos últimos anos, diversas cidades do mundo têm despertado para essas questões, sobretudo após traumáticas experiências de privatizações. Nos últimos 15 anos houve pelo menos 267 casos de remunicipalização em vários países, tanto do norte como do sul. Em consequência, em Paris e Berlim, por exemplo, houve ampliação dos investimentos e redução da tarifa, já que as taxas de lucro foram eliminadas.
O Brasil parece que não quer aprender com os erros já sabidos. Pelo contrário, com a edição da MP nº. 844, o governo Temer mostra que quer insistir no erro e entregar o serviço público na mão do mercado financeiro. Com isso, simplesmente revogou conquistas históricas do povo e do setor de saneamento, assegurados pela Lei Federal nº. 11.445/2007, que pacificou o entendimento e o equilíbrio necessário de todos os setores do saneamento, representando um avanço extraordinário para o setor, que carecia de uma regulamentação.
A estratégia é simples, e sempre a mesma, tanto da administração federal como a daqui. Governos que se sucedem tanto do MDB quanto do PSDB e seus aliados, que claramente defendem as privatizações, e de forma bastante democrática a população gaúcha terá que decidir logo ali a sua preferência sobre o tema. A mesma desculpa sempre, alegar que não tem dinheiro e sucatear os serviços, usar a tática da terra arrasada, para em seguida apresentar a solução mágica: vender o patrimônio público e privatizar os serviços. Mas, claro, isso é uma solução antiga e falsa de
governos que não têm projeto e nem vontade política para fornecer o serviço de saneamento tão essencial para a fruição plena da vida, conforme reconhecido pela ONU, em resolução editada em 2010.
Garantir que o saneamento chegue a todos é tarefa para o setor público. Saneamento é mercado cativo, todo mundo precisa desse serviço. Ele não permite a livre concorrência. Diferente da telefonia, por exemplo, ninguém pode ter mais de uma torneira em sua casa para escolher de qual empresa vai receber água ou por qual válvula vai escoar seus esgotos. É exatamente a natureza desse serviço que o torna público. Não se pode extrair lucro de um serviço que ainda não atende a todos. Principalmente porque quem ainda não tem água e esgoto é justamente a população que tem menos capacidade para pagar por esse serviço. E nem as PPP’s cabem nesse tipo de prestação de serviço, pois nenhuma empresa privada virá para prestar o serviço sem que obtenha lucros, logo se o lucro não for atingido pelos serviços prestados ou se o povo mais pobre não tiver como pagar, o Estado deverá cobrir o rombo para a empresa privada, tirando os poucos recursos de setores como educação, segurança, saúde e outros mais, pois nos contratos desse porte tem sempre a cláusula de Equilíbrio Econômico Financeiro, bem com a taxa de retorno.
Todo o recurso das tarifas precisa voltar para o setor, alimentando novos investimentos, num ciclo harmonioso.
* Dirigente do Sindiágua/RS e FNU. Membro do Conselho Curador do FGTS e CONCIDADES