artigo: Paulo Moreira Leite*

 Não é complicado compreender o empenho do empresariado para aprovar a reforma da Previdência com a qual Paulo Guedes e Jair Bolsonaro pretendem fazer bonito junto aos patrões do capitalismo mundial que se reúnem em Davos nesta semana.

Ninguém está preocupado com as  contas do sistema público de aposentadoria,  muito menos com o empobrecimento da população e o agravamento da miséria. Cálculos demográficos sobre o envelhecimento, que ignoram um programa deliberado de cortes dos gastos públicos, baixo crescimento e informalização forçada da mão de obra, são pura diversão para iludir a platéia.

A razão se encontra no egoísmo individual, que, conforme explicação de Adam Smith (1723-1790) está no centro do sistema capitalista desde sempre.

A reforma Guedes-Bolsonaro cria uma oportunidade poucas vezes vista na história do Brasil — e de poucos países — para as empresas brasileiras embolsarem muito dinheiro com facilidade, numa simples decisão política.

Estamos falando de uma mudança que, se for aprovada pelo Congresso, irá promover uma transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos, dos empregados para os empresários, num volume calculado em R$ 178 bilhões por ano — acima da receita líquida  de 99,9%  das empresas brasileiras.

Pelo regime hoje em vigor no INSS, as empresas são obrigadas a pagar, todos os meses, 20% da folha para a aposentadoria de cada empregado  registrado, enquanto os próprios assalariados contribuem com 10%.

Com o fim do sistema de repartição e a criação de um regime de capitalização individual, semelhante a uma caderneta de poupança, as empresas simplesmente deixarão de  pagar sua parte e a aposentadoria irá se tornar uma responsabilidade exclusiva  das trabalhadoras  e trabalhadores.

Elas e eles irão depositar os mesmos 10% de seus salários numa caderneta de poupança durante 30 anos, num investimento que, segundo experiência de outros países,  na melhor das hipóteses costuma render uma pensão menor do que um salário mínimo. (Hoje, o INSS consegue pagar um teto de R$ 5800 para quem contribui com os valores máximos. Os grandes desequilíbrios, não adianta esconder, se encontram na aposentadoria dos militares e do judiciário, pela ordem).

Considerando um salário médio de R$ 2090,00 recebido pelos 32,9 milhões de brasileiros que estão empregados na economia formal, no país de hoje o sistema promove, a cada 30 dias, uma transferência de R$ 13, 6 bilhões do cofre patronal para o INSS. Por ano, são R$ 176,8 bilhões.

Em 35 anos, que é o tempo obrigatório de contribuição pelas regras de hoje,  a soma atinge a R$ 6,1 trilhões.

Esta soma total equivale ao triplo  do PIB brasileiro, que reune o conjunto de riquezas do país, calculado em U$ 2 trilhões pelo Banco Mundial. Ou três vezes o PIB da Bélgica, duas vezes o da Austrália. O PIB do Chile, que introduziu a reforma no Continente durante a ditadura Pinochet, equivale a equivale a U$ 277 bilhões. O de Portugal, US 217 bilhões.

Esse é a fortuna que será extraída do sistema público de aposentadoria, para engordar o balanço do setor privado,  caso reforma seja aprovada. Não custa lembrar que o sistema de repartição em vigor no Brasil não é uma invenção local. Nasceu em 1880, na Alemanha de Bismark, num momento em que o crescimento da luta dos trabalhadores obrigava os governantes a reconhecer direitos e conquistas das camadas subalternas. Do ponto de vista da maioria da sociedade, até agora não se conhece um sistema melhor.

Em 2019, no Brasil, imagine o impacto de um desfalque de R$ 178 bilhões anuais sobre o bem-estar dos brasileiros, hoje e no futuro

Calcule os efeitos nocivos sobre a educação dos filhos, as oportunidades de emprego — e até na alimentação. O nome disso é extermínio, assassinato em morte lenta.

Alguma dúvida?

Artigo publicado originalmente em Jornalistas pela Democracia e reproduzido por Brasil  247

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