Roberto Pereira D’Araujo – Instituto Ilumina

Geralmente não escrevo artigos na primeira pessoa, mas, voltando de uma viagem pela Alemanha, além das notícias ruins que recebo online vindas do Brasil, me deparo com esse artigo do Dr. Carlos Cavalcanti, vice-presidente da FIESP publicado no Canal Energia no dia 17/05.

O artigo está abaixo, mas chama a atenção o seguinte parágrafo:

“As grandes questões que precisam ser feitas são: o setor elétrico precisa que a Eletrobras mantenha sua participação no mercado de geração e transmissão? Por que a Eletrobras precisa investir R$ 14 bilhões ao ano? As empresas privadas já não demonstraram sua capacidade de expandir a oferta de energia no setor? Afinal, quem precisa da Eletrobras desse tamanho?”

Há duas hipóteses para justificar a postura do Dr. Carlos:

  1. Desinformar a sociedade brasileira sobre a realidade e criar um cenário de pujança do setor privado que nunca existiu.
  2. Uma indesculpável falta de informação sobre a realidade.

Portanto, se a pergunta é:

As empresas privadas não demonstraram sua capacidade de expandir a oferta de energia no setor?

Resposta: Não! Dados recentes demonstram isso. A FIESP não sabe do programa de parcerias que se tornaram necessárias onde a Eletrobrás é minoritária? Pouca coisa? Não! Foram 178 Sociedades de Propósito Específico. Eis alguns exemplos para as duas principais controladas da estatal (CHESF e FURNAS) onde, entre parênteses, está a participação da empresa.

CHESF:

Usinas: Belo Monte (15%), Jirau (20%), Dardanelos (24,5%), Sinop (24,5%)

Linhas de Transmissão: LT Colinas – S. Mesa (12%), LT Teresina – Fortaleza (49%), LT P. Velho – Araraquara (24,5%), LT Luiz Gonzaga – Campina Gr. (49%)

Projetos Eólicos: Chapada Piauí (49%): Vamcruz (49%), Serra das Vacas (49%), Santo Sé (49%), Pindaí (49%)

FURNAS:

Usinas: Peixe Angical (40%), Baguari (15%), Retiro Baixo (49%), Serra do Facão (49%), Foz Chapecó (40%), S. Antônio (39%), Teles Pires (24,5%)

Linhas de Transmissão: LT Itutinga – J. Fora (25%), LT Irapé – Araçuari  (24,4%), LT M. Claros – Irapé (24%), LT P. Velho – Araraquara (24,5%)

Projetos Eólicos: Miassaba (24,5%), Rei dos Ventos I (24,5%) Rei dos Ventos II (24,5)

Essa lista não é completa e alguns projetos incluem as outras duas controladas (Eletronorte e Eletrosul) para compor a participação de 49%. Reparem que o autor reclama de uma participação de apenas 23% da Eletrobras. Isso não é verdade nas SPEs, onde a parcela da estatal está no entorno de 42%. Esses projetos exigiam um aporte de aproximadamente R$ 5 bilhões/ano apenas na parte da estatal e somam mais de 12 GW de capacidade.

Pergunto: Por que o setor privado precisou da parceria da Eletrobrás? Por que não alavancou esses investimentos sozinho com independência? E o que dizer da necessidade quase perene do BNDES? A FIESP por acaso acha que o setor privado é “vitima” de parcerias amigas??

Ainda há um agravante! No período 2008 – 2014, a garantia do sistema ficou seriamente ameaçada, pois a demanda ultrapassou um limite (garantia física) que todos sabem estar superavaliado. Não fosse a Eletrobrás e uma ajuda de São Pedro em 2009 e 2011, nós teríamos passado por sérios problemas. Esse assunto não é tocado pela FIESP, pois, na realidade esconde a falta de interesse do mercado livre, defendido pelo autor, em participar da expansão da oferta.

No fundo, um artigo com essas visões é um sintoma do nosso subdesenvolvimento, pois é inacreditável que uma figura importante tenha a coragem de denegrir a necessidade da Eletrobrás depois de tantos socorros que ela prestou ao setor privado.

Precisa lembrar das distribuidoras despejadas na conta da estatal porque o setor privado não quis comprar?

Precisa lembrar da conveniente MP 579 que reduziu tarifas artificialmente às custas da Eletrobras para manter os ganhos privados que levaram a tarifa brasileira a ser uma das mais caras do planeta?

Ou a FIESP não sabe que até a crise de 2014, o setor elétrico era o segundo maior pagador de dividendos, perdendo apenas para os bancos?

O que tem isso a ver com a viagem? Qualquer brasileiro um pouco mais atento que viaja para países mais avançados percebe que está em curso uma verdadeira fraude para fazer a sociedade brasileira acreditar que o mundo desenvolvido resolveu seus problemas através do setor privado. Não há esse panorama. Quando há, os termos da privatização preservam o interesse público e não o interesse de federações privadas.

Afinal, quem precisa da Eletrobrás? Com esse setor privado, o Brasil precisa.