Em manobra do governo federal com o senado, o Projeto de Lei nº 3.261/19 do senador Tasso Jereissati/PSDB substituiu a então Medida Provisória 868/19 e acabou sendo aprovado recentemente em regime de urgência. Agora, o projeto será submetido a votação na Câmara dos Deputados abrindo caminho para tornar a água propriedade privada dos grandes grupos econômicos.
Se esta lei for aprovada, significará o desmonte da política de saneamento público no Brasil e poderá acarretar na extinção de mais de 20 empresas estatais de água e saneamento, empresas que foram criadas há mais de 50 anos com o objetivo de garantir a água como um direito humano fundamental.
A razão disso é que, com a aprovação da lei, serão extintos o subsídio cruzado e a possibilidade de contratos de programa entre munícipios e companhias estaduais. A consequência será o aumento brutal nas tarifas de água que população paga. Será obrigatório oferecer antes o serviço para as empresas privadas, ficando para as empresas públicas o que o capital não tiver interesse. Certamente, as empresas privadas manifestarão interesse nos melhores locais, isto é, nas grandes e médias cidades, onde a arrecadação é de maior lucratividade.
Hoje as companhias estaduais de saneamento atendem mais de 90% das residências brasileiras com o serviço de distribuição de água e 50% das residências com a coleta de esgoto, em parceria com órgãos e autarquias municipais. Por ano, o setor de saneamento movimenta cerca de 110 bilhões de reais, além de possuir mais de 220 mil trabalhadores e uma infraestrutura montada que corresponde a 630 mil ligações residenciais, 330 mil km de redes de esgoto. Entregar todo este patrimônio ao controle das empresas privadas é o verdadeiro sentido da lei aprovada, recentemente, no Senado.
O Projeto de Lei atende estritamente os interesses econômicos e políticos das empresas privadas. Ele orienta a criação de uma política tarifária para o saneamento baseando-se no modelo atual do setor elétrico. Vale lembrar que as tarifas de energia elétrica no Brasil tornaram-se, com isso, as mais altas mundialmente. Essa iniciativa vai na contramão do que vêm ocorrendo em diversas cidades do mundo, como Berlim, Paris, Cochabamba entre outras que, frente ao caos instalado pelas empresas privadas, as cidades estão reestatizando suas empresas de água com a participação popular.
O que está em curso é uma estratégia mundial de privatização da água no nosso país, orquestrada por grandes corporações como Banco Mundial, BID, engarrafadoras de água, como Ambev, Coca-Cola, e empresas privadas de saneamento que possuem participação do capital estrangeiro. Empresas como AEGEA, BRK Ambiental, Águas do Brasil, Veolia, Suez tem interesses em controlar este setor.
O Brasil contém as maiores reservas potáveis de água do planeta (13% do total), com a presença de inúmeros sistemas de aquíferos, bacias hidrográficas importantes, como as bacias do Uruguai e Amazonas, e os maiores aquíferos do mundo: Urucuia, Alter do Chão e Guarani. O capital tem como estratégia transformar as reservas públicas de água do nosso país em espaços de apropriação privada e de lucratividade nas mais diversas formas, envolvendo desde o setor de saneamento ao controle dos rios, bacias hidrográficas e aquíferos, assim como foi feito no Chile nos anos 70.
Tudo isso trará consequências negativas na vida do povo brasileiro, como por exemplo, diminuição na oferta e na qualidade dos serviços, explosão nas tarifas de água e esgoto, restrição no acesso à água nas pequenas e medias cidades e aumento da contaminação dos rios, além de conflitos pelo acesso à água, como já vem acontecendo em Correntina, na Bahia, e nas bacias hidrográficas do Rio Doce e Paraopeba, em Minas Gerais, após os crimes cometidos pela mineradora Vale.
Esse cenário de privatização e entrega da água para o controle dos bancos e das empresas multinacionais vem se agravando no Brasil desde o golpe de 2016 e agora passa a ser implantado com mais intencionalidade no governo de Bolsonaro, sob o aval do Supremo Tribunal Federal que aprovou recentemente que empresas subsidiárias de estatais poderão ser vendidas sem o aval do Congresso Nacional. O processo de entrega das riquezas naturais para o capital internacional se agrava e as condições de vida da população pioram: com o aumento da tarifa de energia, gás de cozinha, combustível, dos alimentos e agora com a possibilidade de explosão de preço nas tarifas de água.
Por estes motivos, o Movimento dos Atingidos por Barragens vem a público denunciar o criminoso processo em curso de privatização da água. A água deve ser um direito humano universal, e isso só é possível com empresas de caráter público e com controle popular. Privatizar significa colocar a maior parte da população brasileira em um regime de exclusão social, onde quem tem dinheiro tem água, quem não tem passa sede. O MAB seguirá em luta para impedir tais medidas e reverter todas as iniciativas de privatização da água.
Fonte: MAB