A incorporação reversa da Eletrosul pela Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica pode levar a Eletrobras a enfrentar ações na Justiça por fraude fiscal. Está em vigor a partir de hoje uma liminar da 2ª Vara da Justiça Federal em Florianópolis (SC) que suspende o processo por 60 dias, e um inquérito civil público aberto pelo Ministério Público Federal em Santa Catarina a pedido da Intersindical dos Eletricitários do Sul investiga a legalidade da operação. Os sindicalistas anunciaram que vão protocolar na sexta-feira (27) a ação principal contra a reestruturação das subsidiárias da Eletrobras.
Representantes de nove sindicatos de trabalhadores alertaram que o processo é, na verdade, uma simulação, e há um grande risco de que empresa seja autuada pela Receita Federal se ficar caracterizada fraude fiscal. As multas podem variar de 75% a 150% da totalidade ou da diferença do imposto não pago ou declarado. Isso daria, no limite, um valor de até R$ 2,5 bilhões, considerando o prejuízo anual de R$ 1 bilhão registrado pela CGTEE.
O diretor jurídico da Intersul, Anselmo Machado, disse que um estudo feito pela consultoria Delloite para a Eletrobras em 2017 concluiu que havia 50% de risco de uma fiscalização da Receita na operação. Ele acusou a estatal de não dar acesso à integra do estudo e ao parecer do advogado Paulo Barros Carvalho, um dos maiores tributaristas do país. Os documentos só foram entregues à Justiça na última quarta-feira (25), segundo o senador Espiridião Amin, o que permitiu a contagem do prazo de suspensão do processo, prevista na medida cautelar da Justiça Federal. Para o advogado dos eletricitários, há evidências de que a Eletrosul é que tem incorporado a CGTEE nos últimos anos, por meio da integração de processos entre as empresas.
O presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr, e o presidente da Eletrosul, general Antônio Carlos Nascimento Krieger, defenderam a legalidade da operação, em audiência pública realizada pela Comissão de Infraestrutura do Senado nesta quinta-feira, 26 de setembro. Ferreira Jr admitiu que existe um crédito fiscal de R$ 1,5 bilhão, mas negou que isso tenha motivado a decisão da Eletrobras de aprovar a incorporação de uma empresa de maior porte e em melhor situação por uma empresa endividada e com problemas operacionais. Contraditoriamente, ele afirmou que um ativo desse valor “não pode ser jogado no lixo.”
“Nós fizemos uma escolha regional. Essa escolha tem a ver com redução de custos”, disse Ferreira Jr, para quem foi tomada uma decisão de planejamento tributário, permitida pelos dispositivos legais vigentes. O executivo argumentou que a incorporação às avessas da estatal não é proibida e não pode ser classificada como fraude, dolo ou simulação, nem tipificada como sonegação. “É dotada de propósito negocial. Você tem um aproveitamento fiscal e poderíamos aproveitar isso em qualquer lugar”, disse, acrescentando que os gestores das empresas estariam sujeitos a penalidades se não fizessem isso.
O general, que assumiu a empresa há dois meses, disse ter convicção de que a incorporação atende os princípios legais de moralidade e impessoalidade. “O processo é legal, lícito, e vai trazer ganhos para as duas empresas”, garantiu Krieger. Ele alertou que a revisão da Receita Anual Permitida aprovada pela Agência Nacional de Energia Elétrica reduzir a receita de transmissão da Eletrosul em 54%. “A RBSE(rede de transmissão existente) hoje é praticamente 40% do resultado da Eletrosul. Em 2025, ela acaba”, reforçou o presidente da Eletrobras. Segundo Ferreira Jr, a estatal também corre o risco de ser multada em cerca de R$ 300 milhões, como resultado da revogação de uma outorga de transmissão cujas instalações não forem entregues.
O procurador-geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Walter de Agra Junior, destacou que o órgão analisa processos como esse do ponto de vista concorrencial, mas, ao contrário do que aconteceu com o processo recente de venda de refinarias da Petrobras, o assunto não foi levado ao conhecimento do Cade. Ele sugeriu a Ferreira Jr e ao senador Dario Berger (que presidia a audiência) que seja feita uma solicitação formal de análise. “Vou levar aos setores técnicos do Cade para examinar essas questões e com a maior brevidade possível gostaria de trazer as contribuições”, prometeu.
A presidente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, Adriana Gomes Rego, confirmou que não existe vedação legal a uma incorporação reversa, mas citou decisões do Carf em processos nos quais as regras foram burladas por empresas. As discussões que chegam ao conselho, relatou, tem como base o Decreto-Lei 2.341/1987, que diz que a pessoa jurídica sucessora em casos de fusão, cisão ou incorporação não pode compensar prejuízos fiscais da sucedidas.
Ela também citou um entendimento do Superior Tribunal de Justiça que não afasta, em tese, a possibilidade de uma empresa deficitária incorporar uma entidade com situação financeira sólida. O STJ confirmou uma decisão do Tribunal Regional Federal, que viu sinais de simulação em um processo de incorporação no qual a empresa incorporadora assumiu o nome e a estrutura da incorporada. “Sugiro que seja feita uma consulta formal à Secretaria da Receita Federal, que vai se manifestar no caso concreto.”
Transferência de ativos
Em agosto desse ano, a Agência Nacional de Energia Elétrica autorizou a transferência de controle de Sociedades de Propósito Específico e de outorgas de geração e de transmissão de energia da subsidiária catarinense para a CGTEE. A Aneel condicionou a transferência de ativos à conclusão, em até 120 dias, do processo de incorporação. Após esse prazo, as empresas terão mais 30 dias para enviar os documentos de comprovação à agência reguladora.
A operação envolve a transferência de três concessões e dez autorizações de geração, que incluem usinas hidrelétricas, parques eólicos e pequenas centrais hidrelétricas. Há ainda dez concessões de transmissão e a estação conversora de Uruguaiana, que foi equiparada pelo Ministério de Minas e Energia a uma concessão.
Com a junção das empresas, será criada a CGT Eletrosul com sede em Florianópolis (SC). A geradora gaúcha tinha em dezembro do ano passado uma dívida de R$ 3,546 bilhões. Seus ativos somavam R$ 1,576 bilhão e a Receita Operacional Líquida R$ 451 milhões. Ela opera atualmente apenas uma usina a carvão em Candiota, Rio Grande do Sul. A Eletrosul tem ativo total de R$ 9,147 bilhões e Receita Operacional Líquida de R$ 2,231 bilhões.
Fonte: Canal Energia