Enquanto a União Europeia decidiu ativar um Fundo de 25 bilhões de euros, sendo 7,5 bilhões liberados imediatamente, para socorrer os problemas de liquidez das empresas causados pela pandemia do novo coronavírus (Covid- 19), o governo brasileiro liderado pela dupla Jair Bolsonaro (sem partido)/Paulo Guedes, ministro da Economia sequer admite a possibilidade de acabar, nem que seja momentaneamente, com a Emenda Constitucional nº 95 (EC do Teto dos Gastos Públicos), que congelou investimentos públicos por 20 anos.
Os governos da Europa liberaram dinheiro para pagar compromissos, inclusive salários, apoiar o sistema de saúde e proteger as ocupações dos trabalhadores. Já o governo brasileiro ignora os efeitos da EC 95, aprovada no governo do golpista Michel Temer (MDB-SP), que afeta principalmente áreas como saúde e educação.
O corte nos recursos compromete o sistema de saúde a ponto de interferir nas condições de infraestrutura da rede de serviços, precariza as condições e relações de trabalho e prejudica o prosseguimento de programas e políticas fundamentais para a preservação da saúde do brasileiro, afirma a secretária-adjunta de Finanças da CUT, Maria Aparecida Faria.
“Derrubar a emenda 95 é primordial para termos um SUS [Sistema Único de Saúde ] que atenda as necessidades do povo brasileiro. A crise provocada pelo novo coronavírus demonstra claramente que quem tem condições de dar a resposta que a população precisa é o SUS”, diz Maria que também é secretaria de Administração e Finanças do Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde no Estado de São Paulo (Sindsaúde-SP).
De acordo com a dirigente, a responsabilidade do governo Bolsonaro, além de rever o Teto de Gastos, é mudar sua concepção do papel do Estado, de que não é preciso investir na área social.
“O papel do Estado – dos governos federal, estaduais e municipais – é proteger a população. Portanto, os brasileiros têm que se conscientizar que é um direito cobrar investimento em políticas públicas e no nosso sistema de saúde gratuito, que o mundo inteiro referencia, menos o Brasil”, afirma.
Governo desdenha a crise
A dupla Bolsonaro/Guedes trata a crise econômica mundial com leviandade. Nem as baixas históricas nos índices da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa) e a retirada de US$ 44,8 bilhões de investimentos estrangeiros do país mudaram o comportamento da dupla.
Guedes chegou a dizer que o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil continuaria a crescer, apesar do coronavírus. Um dia após esta afirmação, o próprio governo revisou para baixo a projeção do PIB para o este ano de 2,4% para 2,1%. Já o mercado financeiro tem uma previsão ainda menor: 1,99%. Bolsonaro afirmou em coletiva que a pandemia era ‘fantasia da mídia”, antes do Secretário Especial de Comunicação da Presidência, Fabio Wajngarten, ser diagnosticado com o coronavírus. O próprio Bolsonaro fez o teste nesta quinta-feira (12). O resultado deve sair nesta sexta, 13.
Pela primeira vez temos um problema global que vai evidenciar a importância do papel dos Estados e governos, que precisam atuar como agentes coordenadores da economia para prover recursos que orientem o desenvolvimento econômico e uma pactuação de regras que estabeleça a distribuição das responsabilidades dos setores público e privado, argumenta o ex-diretor-técnico do Dieese e membro do Conselho de Altos Estudos do Tribunal de Contas da União (TCU), Clemente Ganz Lúcio, que fez uma série de sugestões para melhorar a economia. [Confira no final do texto].
“Ao contrário do que diz Guedes, o setor privado não investe se não tiver um Estado forte, que sabe fazer investimentos estratégicos e que saiba coordenar regras que façam o sistema produtivo funcionar”, alerta.
O técnico do Dieese ressalta ainda que num momento de crise, o Estado tem de reestruturar o sistema. Ele cita como exemplo a quarentena na Itália, onde a maioria da população está trancada dentro de casa.
No país com mais de 40 milhões de trabalhadores informais, sem direitos, uma quarentena como essa significa não ter comida à mesa, alerta Clemente.
“Com o alto índice de precarização e uberização, o trabalhador autônomo não vai conseguir vender seus produtos na porta do Metrô porque não vai ter ninguém para comprar, mas o aluguel dele vai vencer, assim como as contas do supermercado. Quem vai ter de resolver esse problema é o Estado”.
Por isso, conclui o ex-diretor-técnico do Dieese, “é hora de os governos gastarem bem, além de criar regras para que as pessoas e empresas tenham maior prazo para saldar dívidas ou fazer desonerações por prazo determinado”.
Caem investimentos na saúde no governo Bolsonaro
Se com Temer a situação era ruim, ficou ainda pior com a chegada ao poder do projeto político ultraliberal, conservador e financista da dupla Bolsonaro/Guedes, critica Maria Faria.
Estudos apontam que apenas em 2019 deixaram de ser investidos na área da saúde em torno de R$ 20 bilhões e que o investimento per capita em saúde pública tem sofrido uma queda acentuada: em 2014 o valor investido por pessoa era de R$ 595,00; em 2020 a previsão é de R$ 555,00.
A secretária-adjunta de Finanças da CUT afirma que a situação da saúde só não está pior por conta do empenho e da seriedade dos servidores públicos, aqueles que Paulo Guedes chamou de “parasitas”, que mantêm os compromissos de atender a população.
“É a ação destes trabalhadores e trabalhadoras na linha de frente da saúde que tem monitorado e controlado o surto do coronavírus”.
A dirigente ressalta que o próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, reconheceu a importância do SUS, durante uma entrevista em que disse textualmente: “ainda bem que temos o SUS. Isso nos permite uma agilidade ímpar e nos coloca à frente de nações desenvolvidas no combate ao vírus”.
Propostas para enfrentar a crise econômica
Ao analisar os efeitos do coronavírus na economia mundial e no Brasil, o técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio, propõe, além do fim do Teto dos Gastos Públicos, algumas medidas econômicas, todas com impactos para preservar empregos e renda, para evitar que o problema de saúde mundial atinja ainda mais a já frágil economia brasileira.
De acordo com Clemente, além de um investimento estrutural para rodar a economia existem problemas que precisam ser sanados para a economia do país sair deste buraco, que são:
1- Investimento público – recurso usado com inteligência estratégica para realizar obras relevantes para a infraestrutura econômica e social, gerando empregos:
- Retomada imediata das milhares de obras paradas, investimentos em infraestrutura econômica e social.
- Reverter o desmonte do BNDES e recolocá-lo como banco voltado para o desenvolvimento produtivo, priorizando empréstimos para projetos de investimento em execução.
- Implantar imediatamente os novos projetos de investimentos prontos para execução, em espacial na construção habitacional, que devem ser ampliados.
- Criar força tarefa no Congresso para dar uma solução definitiva aos acordos de leniência, liberando as empresas para retomarem atividades produtivas, os empregos e a capacidade da engenharia nacional estruturar competência para o desenvolvimento do país.
- Recolocar a centralidade das atividades produtivas das estatais, em especial dos investimentos estruturantes de cadeias produtivas em infraestrutura econômica e dos fornecedores, em especial, de engenharia.
- Reestruturar os investimentos produtivos públicos e privados para o fornecimento de insumos para a produção de alimentos.
- Liquidez, a depender dos impactos sistêmicos na vida das pessoas e empresas:
- Liberar recursos com taxas de juros especiais para a liquidez das empresas, vinculado à preservação dos empregos.
- Criar medidas para suspenção temporária da cobrança de taxas de serviços públicos.
- Criar mecanismos para a reorganização das dívidas das pessoas e famílias, incluindo financiamento habitacional.
- Preservar empregos e renda:
- Liberar recursos para as cidades e estados realizarem atividades geradoras de empregos imediatamente para as múltiplas atividades, tais como: inúmeros tipos de reparos urbanos; reforma e construção de equipamentos e de instalações (posto de saúde, escola, segurança, etc.), limpeza urbana; cuidados ambientais; cuidados com a saúde e educação; cuidados assistenciais para crianças, idosos e doentes, entre outras inciativas.
- Ampliar imediatamente o seguro-desemprego para 7 parcelas e analisar a sua extensão em função dos impactos.
- Liberar a fila do INSS garantindo aos aposentados o acesso aos benefícios para quase 2 milhões de solicitações.
- Recolocar os beneficiários excluídos do bolsa-família e incluir os novos requerentes que são hoje cerca de 3,5 milhões de pessoas;
- Aplicar um abono salarial para o salário mínimo e indicar a retomada da sua valorização.
- Revitalizar o PPA – Programa de Aquisição de Alimentos e o PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar.
- Recolocar ativo o PPE – Programa de Proteção dos Empregos.
- Incentivar acordos sindicais que preservem os empregos, inclusive com o uso do PPE.
- Facilitar o acesso ao afastamento saúde para os assalariados e criar um abono saúde emergencial para os trabalhadores não assalariados afetados pelo vírus.
Outras medidas:
- Petrobrás ampliar o refino segundo sua capacidade produtiva instalada, diminuindo importação.
- Rever o preço do botijão de gás para R$ 40,00 ou menos.
- Revisão imediata da Lei do Teto de Gasto, liberando investimentos e gastos sociais orientandos para o enfretamento da crise.
- Suspender a tramitação de projetos que criam restrições fiscais e limitam a atuação do Estado.
“Essas, entre outras medidas que poderão ser criadas, exigem ação tempestiva. O Congresso poderia criar um Comitê, incluindo as organizações dos empresários e dos trabalhadores, para monitorar e debater iniciativas”, acredita Clemente.
Fonte: Rosely Rocha- Site da CUT Nacional