A energia elétrica constitui um monopólio natural, do qual dependem a produção industrial, o comércio, as comunicações, a pesquisa científica, a conservação dos alimentos, ou seja, praticamente tudo.
A principal fonte primária do sistema elétrico brasileiro é a energia dos rios – e a geração de energia é apenas uma das utilidades dos reservatórios hidrelétricos, ao lado de outras, importantes, como o abastecimento de água, a irrigação, o controle de enchentes, a navegação interior, etc.
Tudo isto implica importantes despesas permanentes em preservação ambiental, e a experiência mostra que investidores privados não fazem tais despesas.
Por esta razão, até nos Estados Unidos, onde o sistema é quase todo privado, as grandes hidrelétricas pertencem e são exploradas por empresas públicas, como a Tennessee Valley Authority, a North Western Energy Company e a Bonneville Power Administration – e até pelo exército. As termelétricas, estas sim, pertencem a grupos privados, que controlam também as usinas nucleares. As mini-hidrelétricas também pertencem a grupos privados, mas a soma das capacidades de todas é incomparavelmente menor o que a das grandes hidrelétricas estatais.
Os problemas das estais brasileiras, começando pelo grupo Eletrobrás (Furnas, Chesf, Eletronorte e metade de Itaipú), devem-se à interferência de políticos corruptos, que as usam para empregar protegidos, quando não para coisas piores.
Privatizar a Eletrobrás não resolve o problema. Mais inteligente seria despolitizá-la e submetê-la a uma administração profissional, supervisionada por um órgão de controle integrado por especialistas de notória idoneidade e capacidade técnica. Esse órgão de controle teria assento nas reuniões da diretoria executiva, com poder de veto sobre decisões relativas a concorrências, contratações de pessoal, publicidade, etc.
Como quase todas as hidrelétricas pertencentes ao grupo Eletrobrás têm idades em torno de 30 anos, o capital nelas investido já foi praticamente todo amortizado, de modo que o custo da energia nelas gerada se resumem aos custos de operação e manutenção, preservação ambiental, administração, impostos e seguros, totalizando cerca de R$ 39/MWh. Esta energia poderia ser repassada diretamente às distribuidoras por uma tarifa de R$ 160/MWh.
As hidrelétricas do grupo Eletrobrás respondem por uma oferta da ordem de 170 milhões de MWh por ano, portanto, com o custo de R$ 39/MWh, o seu lucro pode chegar a 20 bilhões de Reais por ano.
Em vez de abrir mão desse extraordinário fluxo financeiro, o governo deveria destinar uma parte – digamos, 45% – para uma “nova” Eletrobrás, que aplicaria esta receita no desenvolvimento tecnológico e expansão do sistema elétrico. Outros 45% iriam para o Tesouro Nacional e os 10% restantes capitalizariam um fundo a ser criado no Banco do Brasil, cujas ações seriam vendidas ao público.
As termelétricas a carvão seriam substituídas pelos parques eólicos e aquelas a gás natural ficariam de reserva, para casos de crise hídrica.
Os argumentos empregados na campanha pela privatização das empresas de eletricidade, durante o governo do presidente FHC eram de que o Estado não dispunha de recursos para expandir o sistema elétrico, papel que caberia à iniciativa privada.
Prometia-se que, no ambiente competitivo do mercado, as tarifas ficariam mais baratas, e afirmava-se que, livre da responsabilidade de administrar estatais, o Estado teria mais recursos para aplicar nos programas de ensino básico, saúde, segurança pública, etc.
O resultado foi o oposto do prometido. Para começar, os programas de ensino básico, saúde e segurança pública continuam à míngua.
E os novos controladores das antigas estatais não se interessaram por expandir o sistema, preferindo reduzir investimentos e elevar tarifas, para maximizar os seus lucros. Como muitos desses controladores são grupos estrangeiros, as remessas de lucros sobrecarregam as contas externas.
Por fim, entre 1.996 e 2.017 as tarifas de eletricidade para o setor residencial subiram mais de 68% e as do setor industrial subiram cerca de 130%, acima da inflação. Por isto, as famílias de baixa renda encontram dificuldade para pagar as contas de energia e inúmeras empresas industriais fecharam as portas, desempregando dezenas de engenheiros e milhares de operários qualificados. Vê-se, portanto, que as tarifas de eletricidade não devem ser calculadas apenas para gerar lucros, mas sim para incentivar a indústria e contribuir com a qualidade de vida da sociedade.
Apesar disso, o ministro da economia insiste na privatização da Eletrobrás, agora com o argumento de que esta é a única forma de se obterrem os recursos para combater o coronavirus.
Não é preciso ser profeta para prever que vai-se repetir o fisco : agora os lucros da Eletrobrás irão para um grupo privado, faltarão recursos para aperfeiçoar e expandir o sistema elétrico – e o combate ao coronavirus ficará na mesma.
Autor :Joaquim Francisco de Carvalho, mestre em engenharia nuclear e doutor em energia pela USP, foi engenheiro da Cesp e diretor industrial da Nuclen (atual Eletronuclear)