A crise econômica, social e sanitária causada pela pandemia do coronavírus está exigindo uma forte atuação do Estado no sentido de superar os efeitos negativos que recaem sobre a sociedade. O Estado é chamado a intervir em todos os setores buscando mitigar os danos, estabelecendo um mínimo de organização e evitando o caos completo.

As teses neoliberais que defendem um Estado Mínimo não têm lugar neste contexto de crise mundial. Todos os setores da sociedade exigem uma presença robusta do Estado, sejam os empresários, os trabalhadores, os políticos ou os movimentos sociais. O Ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica ressalta: agora, que a batata está assando, todos se lembram do Estado.

Estudiosos visualizam a intervenção necessária do Estado em três etapas para controlar a Covid-19. A primeira é o enfrentamento direto da doença; a segunda é dar garantias para que as pessoas possam ficar em casa em segurança financeira e alimentar; e o terceiro estágio é a reorganização da economia.

Ao repudiar a privatização dos serviços de água e esgoto, políticas essenciais para o controle da covid-19, o Estado demonstra responsabilidade e compromisso com o país, uma vez que as empresas privadas de saneamento não vão conseguir oferecer serviços adequados para o conjunto da população, principalmente num cenário em que a ampliação dos setores pobres constitui um dos efeitos mais evidentes da pandemia.

Pautada pela busca do lucro, as empresas privadas ignoram as populações pobres que não logram oferecer retornos satisfatórios diante dos investimentos realizados. Operando uma gestão pública, eficiente e democrática dos serviços essenciais, como o abastecimento de água e esgotamento sanitário, o Estado assume a sua obrigação perante a defesa da vida e a reestruturação da sociedade nesta crise em que vivemos.

A privatização dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário representa uma obsessão neoliberal que fecha os olhos diante da crise. Recusando responder às necessidades da população, o Estado brasileiro se distancia um pouco mais do ideal democrático. Com a privatização daqueles serviços, o Estado se omite diante do sofrimento das populações mais pobres, que não podem pagar as elevadas tarifas cobradas pela empresa privada.

As experiências amazônicas de privatização de tais serviços (Tocantins e Manaus) demonstram que as empresas, ao buscarem principalmente o lucro, não são as instâncias mais apropriadas para gerirem a crise do coronavírus, uma vez que tal crise implica uma dose significativa de democracia e solidariedade, que não podem ser encontradas no mercado. O mercado é o espaço do individualismo, da concorrência e do retorno econômico. A superação da pandemia da covid-19, portanto, enseja uma atuação que vise o bem comum e leve em consideração toda a sociedade, começando pelas populações mais vulneráveis.

Para superar tal crise há dois cominhos: buscamos uma sociedade em que os bens sejam mais controlados por um pequeno número de pessoas? Onde há um exército de sem-teto famintos? Sem capacidade de manter os serviços públicos? Ou uma sociedade coerente e organizada? Com emprego e saúde para todos? A última opção implica lutar por uma gestão pública dos serviços essenciais. A pandemia é uma oportunidade de curar a miopia neoliberal, reconhecendo a importância do Estado na garantia dos serviços públicos.


*Sandoval Alves Rocha é doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (MG). Membro da Companhia de Jesus (Jesuíta), atualmente é professor da Unisinos e colabora no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), sediado em Manaus/AM.