Esta semana, o projeto de Parceria Público-Privada (PPP) que envolve o grupo Aegea Saneamento e a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) firma mais um passo, promovendo a mercantilização do saneamento básico no Brasil, ou seja, a transformação do direito ao saneamento em objeto de lucro, visando desenvolver o processo de concentração de renda para beneficiar as grandes empresas privadas do setor. O projeto vai agregar enormes ganhos econômicos e financeiros ao grupo Aegea Saneamento, o mesmo que realiza, de forma precária, os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário em Manaus.
Como toda negociação no âmbito do mercado, o negócio produzirá elevados rendimentos para o empresariado do saneamento básico às custas da população gaúcha, pois, durante 35 anos, a cobrança tarifária se abaterá sobre a totalidade de nove municípios da Região Metropolitana de Porto Alegre, alcançando um contingente de 1,7 milhão consumidores. Operando somente nos serviços de coleta e tratamento do esgoto, a PPP afetará os municípios de Sapucaia do Sul, Esteio, Canoas, Alvorada, Cachoeirinha, Eldorado do Sul, Gravataí, Guaíba e Viamão.
Com este contrato, o grupo Aegea Saneamento ostentará a maior PPP de saneamento do país, agradando os acionistas do Banco Mundial e do Fundo Soberano de Cingapura (país asiático), que ampliarão significativamente os seus lucros explorando a população que vive no sul do Brasil. Importa notar que ao lado da Aegea Saneamento, outras empresas se destacam na apropriação do saneamento básico brasileiro: BRK Ambiental, Iguá Saneamento, Águas do Brasil e Solvi.
O contrato da PPP gaúcha determina que nos próximos onze anos a cobertura dos serviços de coleta e tratamento de esgoto serão estendidos de 36% para mais 87% do volume de esgoto produzido. A experiência de Manaus, no entanto, sugere que tais estimativas dificilmente serão concretizadas, pois a cobertura dos serviços de esgotamento sanitário da capital amazonense, depois de vinte anos de privatização, não passa de 12,43% (SNIS 2018).
A Aegea Saneamento controla o mercado dos serviços de água e esgoto de Manaus desde 2018, obtendo um desempenho insatisfatório, como indicam a Agencia Reguladora Municipal (Ageman) e o Procon-Am. As numerosas reclamações pelos serviços da concessionária Águas de Manaus chegam principalmente das periferias da cidade, onde os moradores encontram dificuldades de pagar as tarifas cobradas pela empresa. Incluídas precariamente no mercado, tais populações não acessam adequadamente estes serviços devido à vulnerabilidade financeira em que se encontram, indicando a inviabilidade da privatização para atingir a meta da universalização.
A incapacidade da privatização em ampliar os serviços de esgotamento sanitário em Manaus é visível para todos os que querem perceber, inclusive para o poder municipal, produzindo prejuízos sociais e ambientais. Tais prejuízos têm afetado também os cofres públicos, mesmo que a obrigação de investir seja da iniciativa privada. De fato, ao longo do período da concessão os cofres públicos (municipal, estadual e federal) já liberaram mais de R$ 1 bilhão de reais para serem administrados pela iniciativa privada, sem gerar nenhum resultado positivo na expansão dos serviços de coleta e tratamento de esgoto em Manaus.
A partir desta experiência concreta é possível afirmar que o mercado é incapaz de universalizar serviços essenciais, não somente devido ao constante aumento da pobreza entre nós, mas também porque ele, ao priorizar a produção de lucros cada vez mais expressivos, não contempla tal ideal como finalidade. Em Manaus, é fácil perceber que o mercado do setor de saneamento dificultou ainda mais a fruição do direito humano à água e ao saneamento entre os mais pobres.
A experiência da concessão privada do saneamento em Manaus permite dizer que os governos que promovem a privatização dos serviços de água e esgoto não visam à universalização destes bens comuns, mas trabalham para a mundialização do mercado, expandindo-o para todas as dimensões da vida e da sociedade.
*Sandoval Alves Rocha é doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (MG). Membro da Companhia de Jesus (Jesuíta), atualmente é professor da Unisinos e colabora no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), sediado em Manaus/AM.