senhor Diogo Mac Cord, secretário de Desestatização, cujo ofício é vender o patrimônio dos brasileiros, afirmou em artigo publicado aqui que houve uma suposta destruição de valor da ordem de R$ 350 bilhões, desde 2002, pelo fato de a Eletrobras não ter sido privatizada. Se a Eletrobras tivesse sido privatizada em 2002, no entanto, como queria o sr. Mac Cord, quem teria se beneficiado dessa cifra?
Resposta: os felizes grupos financeiros que adquirissem a estatal, não os brasileiros. Além disso, esses bilhões teriam sido “salvos” ao custo de uma tarifa ainda mais alta para o consumidor. Para o senhor Mac Cord, a espoliação frustrada é “destruição de valor”.
O secretário afirma que o governo Bolsonaro apresentou dados para justificar a privatização da Eletrobras. Seria importante informar a quem ou onde exibiu essas informações, porque para o Congresso, onde a privatização está sendo discutida, certamente não foi.
A MP (Medida Provisória) 1.031 foi aprovada na Câmara dos Deputados sem que o governo tivesse apresentado um único estudo sobre o impacto da privatização da empresa nas tarifas e sobre os riscos de concentração de mercado. Não houve uma só audiência pública nem uma comissão mista; nada! E os deputados aprovaram um texto ao qual tiveram conhecimento algumas horas antes da votação.
Mac Cord, no artigo, segue afirmando que a adição de 6.000 MW de térmicas inflexíveis, em regiões sem malha de gasodutos, será benéfica para o país. Afirma que essas usinas a gás substituirão térmicas a óleo, mais caras. Não é verdade que essas térmicas novas substituirão as antigas. Isso não está determinado na MP e, tendo em vista a crise hídrica e a falta de investimentos, deliberada, em novas hidrelétricas, haverá necessidade de mais energia nos próximos anos. Portanto, essas térmicas novas não substituirão as antigas, mas vão se somar a elas.
Se o objetivo fosse substituir térmicas ineficientes por outras mais eficientes, seria muito mais racional autorizar a conversão dessas usinas de óleo para gás. Na verdade, o objetivo claro é atender ao lobby do gás —tanto é que foi aprovada a injustificável construção de termelétricas em regiões que não têm nem gás, nem gasodutos. Afinal, qual foi o estudo técnico, da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) ou mesmo do Ministério de Minas e Energia que deu suporte ao “jabuti” das termelétricas?
A MP 1.031 já trazia mudanças radicais e danosas para o setor elétrico brasileiro ao retirar do Estado qualquer capacidade efetiva de regulação econômica e de expansão do sistema, com a criação de uma price maker privada no mercado brasileiro e ao promover um injustificável tarifaço para o consumidor.
O que era muito ruim, no entanto, foi ainda piorado pela Câmara, que assumiu um inédito papel de planejador do setor, determinando a alocação de geração de energia sem apresentar qualquer justificativa técnica. Um precedente muito perigoso, pois, daqui em diante, qualquer congressista poderá sugerir a construção de uma termelétrica em sua base eleitoral e gravar isso em lei, a depender dos acertos políticos.
De forma cínica, o sr. Mac Cord afirma que o custo das térmicas “jabutis” para o consumidor não será de R$ 20 bilhões por ano, como afirma a Abrace (Associação dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres), mas de “apenas” R$ 11 bilhões. Uma ninharia para uma população que já tem que suportar altas expressivas nos preços dos alimentos, do gás de cozinha e nos combustíveis.
É evidente que o texto aprovado pela Câmara não era o desejado pelo Executivo —ou os tais “jabutis” já estariam na proposta original. Agora, correm os burocratas do governo para justificar o monstro parido no último dia 19. A ânsia em fazer a negociata da privatização e apresentar o feito à Faria Lima é tão grande que qualquer coisa a justifica. Se aos R$ 20 bilhões de prejuízo anual para o consumidor, causados pela privatização/descotização, for necessário acrescentar mais R$ 11 bilhões, não tem problema. Afinal, agradar o sistema financeiro tornou-se um fim em si mesmo.
Não se poderia esperar nada diferente de um governo cuja eleição se deu lastreada no uso massivo e sistemático da desinformação. A CPI da Pandemia tem demonstrado que a mentira, assim como na campanha de 2018, continua sendo o método padrão da atual gestão.
Se o governo Bolsonaro está disposto a causar o maior morticínio da história do país com suas mentiras sobre a “gripezinha” e o incentivo a remédios ineficazes, o que não seria capaz de fazer para armar a privatização da Eletrobras, uma das maiores negociatas do seu governo? Quanto ao povo, aquele a quem caberá a conta de tanta insanidade, haverá um farto estoque de fake news para distribuir.
Fonte: Ikaro Chaves, Engenheiro da Eletronorte, para o Poder 360