ARMADILHA
Em pauta, a questão da privatização dos serviços de abastecimento de água e esgotos que chega ao estado da Paraíba pelas mãos de uma proposta apresentada pelo Governo da Paraíba, no dia 18 de maio. Nela, cria-se 4 microrregiões no estado, com blocos de municípios integrados: Litoral, Borborema, Espinharas e Alto Piranhas. Essa regionalização faz parte das consequências do novo marco legal de saneamento básico, aprovado em julho de 2002, trata-se da Lei 14.026/2020.
José Reno de Sousa, presidente do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Purificação da Água e em Serviços de Esgotos do Estado da Paraíba – SINDIÁGUA-PB, disse que os representantes da entidade passaram praticamente dois anos morando dentro de Brasília, para barrar essa lei e que, neste momento, o SINDIÁGUA-PB criou um grupo de trabalho para elaborar uma série de propostas ao projeto do Governo do Estado, tentando reverter esse processo de regionalização que é ruim para a população paraibana.
O problema apresentado durante a sessão da Comissão é que esse projeto de regionalização do Governo da Paraíba não foi debatido com a sociedade, nem com os sindicatos e nem mesmo com as próprias deputadas e deputados que lodo mais terão que votar se aprovam ou não essa regionalização. Na prática, esse projeto acaba com as tarifas sociais de água e com o subsídio cruzado, que é uma ferramenta utilizada para garantir que o acesso a água e esgoto em todos os municípios brasileiros, seja uma questão de direito humano e não de poder aquisitivo. “Os municípios que arrecadam mais com a tarifa de água, repassam para os municípios que arrecadam menos e assim todas tem acesso à água com baixa tarifa”, explica José Reno, presidente do Sindiágua-PB.
Uma outra questão apresentada pela Professora de direito da UFPB, Maria Luíza Pereira de Alencar é que esse modelo de regionalização, apresentado pelo Governo do Estado da Paraíba, não obedece a nenhum parâmetro local, pois não segue as regiões da Cagepa, nem o parâmetro das regiões metropolitanas, nem mesmo dos adotados pela Agência Nacional de Água e Saneamento (ANA).
A lei do novo marco regulatório do Saneamento Básico impõe que os estados brasileiros adotem o formato de regionalização dos sistemas de água e saneamento e em caso de descumprimento, extingue os contratos já celebrados com as companhias de água e esgoto, no caso daqui, com a Cagepa. Também regulamenta que se realize, em sistema preferencial, a licitação dessas regiões com chamada para as empresas privadas, o que na prática, significa repassar os serviços de água e esgotos para a iniciativa privada. Essas questões se tonam urgentes porque os estados brasileiros tem até o dia 16 de julho de 2021 para apresentar esses planos de regionalização de água e esgotos, que é quando completa um ano de publicação da lei, termo final de adaptação.
Em 01 de julho começa o recesso legislativo, assim, pode ser que os Estados retardatários aprovem suas leis complementares em regime de urgência, visto que, além da imposição do modelo pela União, os Estados não aderentes terão suspensos os repasses de recursos federais de financiamento e investimentos, segundo o disposto nos artigos 48, XVII, 49, XIV e 50, §1º da nova lei. “Desde 2015, o tema da privatização da água e do saneamento básico entrou em pauta. O Governo Temer laçou a medida provisória 727 e logo após mais 3 medidas provisórias tentaram privatizar o saneamento básico no Brasil. Nós, do Sindiágua, junto a outros sindicatos do Brasil todo, fomos para Brasília e barramos todos eles. Até que o Congresso aprovou a lei 14.026. Foi um verdadeiro rolo compressor para privatizar o direito humano à água e saneamento no Brasil. Os mais prejudicados são, sem dúvida, as populações mais carentes. Basta pegarmos como exemplos mal sucedidos, as cidades de Manaus, que é cercada de água mas tem 600 mil pessoas sem água nela após a privatização; e a privatização da CEDAE, no Rio de Janeiro, agora recentemente”, disse Geraldo Quirino, vice-presidente do Sindiágua-PB.
Para José Reno, a regionalização assim como o conjunto de legislações que saíram recentemente com o intuito de privatizar a Água e o saneamento, significam “Tarifa alta e falta de água para a população. Lamento a ausência do representante da Cagepa aqui nessa reunião, a população não sabe o que está acontecendo e nós do Sindiágua-PB, vamos levar essas questões para a população, vamos trabalhar isso na mídia para que todos saibam a gravidade da situação”, disse.
Para João Vicente Machado, engenheiro aposentado da Cagepa e conselheiro do Sindiágua-PB, “o acesso à água é um direito humano e está sendo desconsiderado ao retirar a questão do subsídio cruzado, pois apenas 300 municípios brasileiros têm população acima de 100 mil habitantes e esses serão sem dúvidas, os municípios mais viáveis economicamente de interesse da iniciativa privada. Os pequenos? Esses farão o retorno ao passado, sendo entregues aos governos e municípios, para serem financiados através do “gordo orçamento” dos entes estadual e/ou municipal, ou seja, vão voltar para carregar água no jumentinho.
A deputada Cida Ramos (PSB) disse que “estamos tratando de um bem comum, não existe vida sem água”. Já a deputada Estela Bezerra (PSB) propôs conhecer melhor o projeto e fazer as emendas necessárias para que a Paraíba não seja dividida entre os que tem acesso à água e os que não tem.
O deputado Jeová Campos (PSB) afirmou ser esse projeto e esse debate da privatização da água e esgotos o principal conteúdo da legislatura atual.
“Não estamos tratando de um serviço de telefonia, nem de eletricidade, mas do acesso a um bem comum e que deve ser direito de todos”, disse a doutoranda Aendria de Sousa, que está fazendo um estudo aprofundado do impacto da privatização da água e esgotos no setor produtivo da Paraíba.
Uma audiência pública, de propositura da deputada Estela Bezerra (PSB) está marcada para acontecer nesta sexta (18), a partir das 9h30, para tratar sobre a Divisão das Microrregiões do Saneamento.
Participaram da reunião da Comissão de Desenvolvimento, Turismo e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa da Paraíba desta terça (15), os deputados Jeová Campos (PSB) Janduhy Carneiro (Patriota), Cida Ramos (PSB), Estela Bezerra (PSB), Anísio Maia (PT), Moacyr Rodrigues (PSL) e Jutay Meneses (PRB), os professores Maria Luíza e Irivaldo Alves e a doutoranda Aendria de Sousa, além de sindicalistas do SINDIÁGUA-PB.
Mais ataques em decretos nacionais
Um conjunto de legislações foi lançado para privatizar os serviços de água e saneamento no Brasil. No dia 1° de junho foi publicado no Diário Oficial da União, o decreto que regulamenta o Marco Regulatório do Saneamento Básico, exigência da lei que foi sancionada em julho de 2020. O decreto define os critérios para que as operadoras cumpram as metas de universalização de serviços de água e esgoto até 2033. Nele, as empresas terão que comprovar capacidade financeira para manter os contratos de serviço, fato que atinge diretamente as companhias estaduais de abastecimento e tratamento de água e esgoto, como é o caso da Cagepa. O decreto diz que a avaliação da capacidade financeira das operadoras será de responsabilidade das agências reguladoras de saneamento e essa análise deve ser feitas a partir de projetos enviados até a dará de 31 de março de 2022.
As companhias estaduais que não conseguirem comprovar capacidade econômica e financeira para continuar a executar os serviços de abastecimento de água e tratamento de esgoto, perdem os contratos com os municípios. Quem vai escolher e contratar as prestadoras de serviço são os prefeitos, que podem contratar o serviço por concessão ou licitação.
Outro ataque para a privatização é que foi elaborado um decreto nacional em que a regulação das águas passa agora é ser da alçada da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e não mais da Agência Nacional das Águas (ANA), como vigora atualmente.
Esperança
Neste último dia 7 de junho, o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, pediu pauta de julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 6536 – contra ilegalidades da Lei 14.026/2020, que modificou o marco legal do saneamento. A ação foi protocolada no STF, em agosto de 2020, pelos partidos PT, PSol, PCdoB e PSB, a partir de estudos realizados pela assessoria jurídica e técnica da Federação Nacional do Urbanitários e Confederação Nacional dos Urbanitários (FNU)/CNU).