A influência do Partido Novo, o mesmo do governador Romeu Zema, em decisões administrativas temerárias tomadas desde 2019 pela cúpula da Companhia Energética do Estado de Minas Gerais (Cemig) foram novamente denunciadas na tarde da terça-feira (9/2/21) ao longo de mais um depoimento colhido pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) criada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para investigar possíveis irregularidades na gestão e o uso político da empresa.

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Em questionamentos apresentados pelo vice-presidente e pelo relator da CPI da Cemig, respectivamente deputados Professor Cleiton (PSB) e Sávio Souza Cruz (MDB), a gerente de Compras de Materiais e Serviços da Cemig, Ivna de Sá Machado de Araújo, admitiu que seu marido, o empresário Carlos Alberto Campos Araújo, é sócio do secretário de Assuntos Institucionais e Legais do diretório do Partido Novo no Estado, Evandro Negrão de Lima Júnior, em uma empresa de geração de energia que teria negócios com a Cemig, a TRZS Energia e Participações Ltda.

Gerente de compras e suprimentos da Cemig traz poucas informações à CPI

Segundo já apurado pela CPI, o dirigente do Novo, embora não tenha cargo nem no Executivo nem na Cemig, teria participação direta em várias decisões estratégicas da estatal, entre elas inclusive a escolha do atual diretor-presidente, Reynaldo Passanezi Filho. Os dois serão os próximos depoentes a serem ouvidos, também na condição de testemunhas, pela CPI da Cemig, em reuniões agendadas para esta quinta (10), às 14 horas, e sexta (11), às 10 horas, no Auditório José Alencar.

Em seu depoimento, Ivna chegou até a negar que conheça o sócio do marido e, em outro ponto da reunião, ao tentar se esquivar de responder sobre pormenores de contratos celebrados sem licitação pela Cemig, sob alegação de que todos os detalhes estariam documentados nos próprios contratos assinados, ela chegou a ser advertida pelo presidente da CPI, deputado Cássio Soares (PSD), para que tivesse uma postura mais assertiva com a investigação.

Marido influente

“Meu marido não conhece todas as pessoas com quem me relaciono profissionalmente, assim como eu também não sei de todos os contatos profissionais dele. E a área de compliance da Cemig tem conhecimento de tudo”, justificou a depoente. “Já sabemos pelos depoimentos e provas colhidos por esta CPI e por tudo que aconteceu que a área de compliance simplesmente não existe na Cemig”, rebateu Professor Cleiton.

Sávio Souza Cruz inclusive questionou a depoente o motivo de ela não ter sido afastada do cargo, ao contrário de diversos servidores de carreira da estatal, em meio a uma suposta investigação de denúncia de desvios na área de Compras e Suprimentos da estatal.

“A senhora não foi afastada por intervenção do Evandro e por ter um marido influente no governo de Minas Gerais?”, perguntou o relator da CPI. A depoente justificou que quando a investigação foi deflagrada ela ainda trabalhava na gestão de imóveis da Cemig.

Uma das linhas de investigação da CPI da Cemig dá conta que a denúncia de desvio pode ter sido apenas um embuste para mascarar a devassa feita nos quadros da empresa desde 2019 visando, em última instância, relaxar os mecanismos de controle que permitiriam, entre outras supostas irregularidades, a celebração de diversos contratos sem licitação que superaram a cifra de um bilhão de reais.

SALA NA DIRETORIA

O relator da CPI ainda confrontou a depoente com diversos indícios recolhidos ao longo das investigações que coube diretamente a ela a liberação de uma sala no 18º andar do edifício-sede da empresa que seria ocupada por Cássio Azevedo (já falecido), ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do governador Romeu Zema.

Em seu primeiro depoimento à CPI, em setembro do ano passado, ela negou envolvimento no episódio, mas disse agora “não se lembrar”, já que era “um fato corriqueiro” outros integrantes da sua equipe cuidarem desse tipo de providência sem o seu conhecimento direto.

“Um secretário de Estado pedir uma sala na diretoria da Cemig é um fato corriqueiro?”, atalhou Sávio Souza Cruz. O ex-secretário Cássio Azevedo foi um dos fundadores da empresa de call center AeC, citada em vários depoimentos prestados na CPI por estar envolvida em uma subcontratação suspeita para continuar prestando serviços à Cemig mesmo após ter perdido licitação para o mesmo fim.

Depoimentos combinados

A depoente ainda foi questionada sobre detalhes da contratação, novamente sem licitação, do escritório de advocacia responsável por aparentemente assessorar todos os executivos da Cemig ouvidos pela CPI. De acordo com Sávio Souza Cruz, o contrato com o escritório foi assinado e publicizado pela estatal somente no último dia 21 de janeiro último, embora o serviço já venha sendo prestado desde o início das investigações, o que pode indicar mais um caso suspeito de convalidação na empresa.

Prevista na legislação, a convalidação é a regularização de contratações depois dos serviços já terem sido executados, prática restrita pela legislação em vigor que deveria ser utilizada somente em situações emergenciais. Contudo, essa artimanha teria se tornado corriqueira na gestão de Reynaldo Passanezi, conforme já apurado pela CPI da Cemig.

O relator ainda lembrou que vários depoentes, todos assessorados pelo mesmo escritório, justificaram que acionaram um seguro que prevê assistência jurídica para os executivos da Cemig. Isso colocaria em dúvida, segundo Sávio Souza Cruz, quem estaria realmente pagando pelo serviço, a Cemig ou uma seguradora, já que a atuação de um único escritório de advocacia tornaria mais fácil a defesa da empresa. “Os depoimentos podem ter sido treinados e combinados entre si”, apontou o deputado.

REQUERIMENTOS

Esse último questionamento foi inclusive tema de um dos requerimentos aprovados pelos deputados da CPI da Cemig na mesma reunião, solicitando esclarecimentos diretamente ao presidente Reynaldo Passanezi. Os autores desse requerimento foram os deputados Professor Cleiton e Sávio Souza Cruz.

O outro requerimento aprovado, de autoria dos mesmos deputados e ainda da deputada Beatriz Cerqueira (PT), determina que seja informado à CPI da Cemig todos os empregados demitidos ou suspensos da companhia desde 2019 e o motivo detalhado de cada desligamento.

Segundo Professor Cleiton, entre outros casos semelhantes, chegou ao conhecimento dos deputados que um funcionário teria sido demitido por justa causa pelo envolvimento do irmão com uma empresa de energia solar que se relaciona com a Cemig.

“Enquanto isso, a depoente tem um marido que é dono de uma empresa de energia que também se relaciona com a Cemig e não tem sequer um processo administrativo aberto. Queremos saber o porquê dessa diferença de tratamento, que é um absurdo. São dois pesos e duas medidas”, criticou.

Fonte: Portal da ALMG, foto de Guilherme Dardanhan