O artigo publicado no Jornal O Estado de S. Paulo, em 17 de março de 2023, pela economista e advogada, Elena Landau (*), intitulado “Marcha à ré”, é a prova cabal de que está em curso uma campanha ampla e massiva de desinformação em relação ao marco regulatório do saneamento básico.
A citada articulista, sem citar as fontes das informações apresentadas, distorce fatos e dados no seu texto ao gosto dos grupos privados que têm se ocupado mais em fazer proselitismo contra as empresas estaduais de água e esgoto do que em apontar soluções efetivas para destravar os investimentos no setor, especialmente nos municípios sem contratos, ou cujos contratos o marco regulatório em vigor e o seu aparato infralegal (decretos) condenaram à condição de “irregulares” e, por isso, não podem receber investimentos no curto prazo.
No texto em questão, a advogada privatista cita o marco regulatório do saneamento em meio a uma lista desconexa de iniciativas do atual governo que, segundo ela, representam um retrocesso aos avanços obtidos desde 2016. Ao constatar os resultados observados nos citados anos, cabe indagar em que país ela viveu neste período.
O texto afirma que o marco regulatório em vigor teria “comprometido R$50 bilhões em investimentos e mais R$30 bilhões em outorga”, ecoando um discurso recorrente do governo anterior que contabilizava obrigações contratuais das concessões licitadas como se investimento realizado fossem, e comemoram valores bilionários de outorgas que implicam numa enorme evasão de excedentes econômicos do setor de saneamento, recursos que acabaram sendo utilizados para reduzir déficits fiscais dos estados que adotaram o modelo de privatização prescrito pelo BNDES, o braço financiador da política privatista do governo anterior. O correto seria apresentar o total efetivamente investido desde que o marco regulatório foi alterado, comparando-o com o que fora previsto nos cronogramas das concessões licitadas.
A articulista pôs em xeque a crítica do Ministro Rui Costa ao modelo de licitação por maior outorga – quando ele a associou ao aumento de tarifas – alegando que a Embasa, estatal da Bahia, estado governado pelo ministro por 8 anos: “cobra mais pelo serviço do que a média nacional e acima das privatizadas”. Não há, entretanto, como contestar que as outorgas são remuneradas pela tarifa e, portanto, qualquer licitação que maximize o valor da outorga tende a pressionar a tarifa. Tal modelo peca por não transferir potenciais ganhos de eficiência para a tarifa praticada, como ocorre no modelo de licitação por menor tarifa.
Quanto às tarifas praticadas pela Embasa, uma pesquisa diligente e responsável teria mostrado que no ranking tarifário de 2023 a estatal tem tarifa residencial normal de água e esgoto 11% menor do que a média nacional das empresas regionais, e 30% menor do que a média nacional das empresas privadas. Esse levantamento mostra ainda que a média nacional das empresas privadas está 26% acima da média das empresas regionais.
Seguindo no ataque à estatal da Bahia, como forma de desqualificar antecipadamente a revisão dos decretos em vigor, antes mesmo que o seu conteúdo seja conhecido, a matéria insinua que a empresa teria um desempenho inferior ao dos prestadores privados, mais uma vez apelando para números questionáveis. O texto, de modo completamente equivocado, atribui à Embasa números globais do Estado da Bahia e não de sua área de atuação. Dados do SNIS, porém, revelam que a Embasa quase triplicou a quantidade de ligações de esgoto nos últimos 15 anos, tendo investido neste período 8,4 bilhões de reais (valor histórico) em ampliação da cobertura dos serviços, números que a colocam dentre as prestadoras de serviços que mais avançaram rumo à universalização nos últimos anos.
A intenção aqui não é rebater os argumentos da referida matéria e sim utilizá-la como uma amostra bastante representativa da abordagem rasa e raivosa que determinados segmentos da grande mídia, ou melhor da mídia comercial, sectária e parcial, vêm utilizando em suas publicações, assemelhadas muito mais a um panfletarismo dogmático sem substância do que a um jornalismo responsável, ético e embasado em ampla pesquisa dos temas abordados.
A autora do artigo acusa o atual governo de acreditar de verdade em um “Estado que tudo faz”, quando, ironicamente, sua linha de argumentação expõe claramente uma visão dogmática em que ela parece crer que a inciativa privada tudo resolve. Esse pouco apreço à fidedignidade das informações e ao debate transparente e honesto é que tem posto o país em marcha à ré.
Fonte: ondasbrasil.org (César Silva Ramos)