Artigo: Lucas Tonaco*
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Após uma sequência caótica de eventos plural, que vai desde a derrota da análise da ALMG (Assembleia Legislativa de Minas Gerais) por obstrução da PAF (requisito do RRF) até troca de secretário principal, Zema, o governador mineiro, teve no dia 30 de Junho de 2023, a aprovação do STF de uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), vencedora perante ao RRF – em resumo, perante a omissão da ALMG, o STF decidiu favorável a questão do governador para adesão do RRF.
Mas, têm uma(s) pedra(s) no meio do caminho de Zema…
Além da clareza de que não há base fiel na ALMG, e que na política real Zema não têm votos para aprovação do RRF, Zema, portanto, vai esgotando suas alternativas políticas, e essa do STF, poderia ser a última. O governador ultraliberal – mas que no fundo não deve saber nem o que é que isso – esquece, que a máxima de que fora da política, não há salvação ou seja – judicializar algo que seria de corpo dos próprios deputados da ALMG, além de um desrespeito e falta de confiança no próprio quórum, é querer de maneira truculenta – com que não seja bem discutidas as questões do RRF para e com a própria população.
Esgotamento do debate, articulação, habilidade, retórica e outros requisitos básicos além de faltar a Zema, sobra algo que o caracteriza bem nesse momento – uma penumbra, da qual irá pairar as suas pretenções nacionais pela herança do bolsonarismo e seu percusso tropeçará na suas próprias falas: críticas ao Governo Federal (e a Lula, em especial) ao longo do mandato, apego ao bolsonarismo, falas que beiram a xenofobia e o ataque aos trabalhadores agora irão ocupar um espaço do qual há os seguintes indícios:
– A AGU, neste mesmo julgamento do STF, defendia o contrário de Zema, e Messias, dando indício de que nem técnico e nem político-juridicamente o Governo Federal concorda com Zema. Como dito por Messias: “A magnitude das medidas a serem implementadas a partir de autorização normativa exigida pela Lei Complementar nº 159/2017 [lei que criou o Regime de Recuperação Fiscal] demonstra, claramente, a impossibilidade de intervenção judicial com o intuito, sublinhe-se, de substituir a vontade até aqui não manifesta pela Casa Legislativa mineira sobre a decisão de aprovar o Projeto de Lei nº 1.202/2019 [projeto em que Zema pede autorização dos deputados”.
– Padilha, o articulador central no governo Lula, no ínicio de março disse, literalmente que “o governo federal não aceitará uma recuperação fiscal que desmonte políticas públicas e prejudique a carreira dos servidores. Ele nos garantiu isso durante a reunião”, afirmou a parlamentar que esteve presente em tal reunião, Beatriz Cerqueira (PT-MG).
– Não tendo base fiel na ALMG, é possível inclusive que a própria volte atrás e vote o RRF, negando-ó, inclusive. Afinal, o caos e a falta de investimentos em setores públicos, como o próprio funcionalismo, pode sensibilizar parlamentares, e em uma ALMG onde mais de 50% são representações de classe, isso faz total diferença. A interpretação, que Zema, ao ir ao STF e não resolver isso na ALMG no sentido de imposição, pode implicar numa espécie de vitória de Pirro.
Mas o último fator, é pautado no homem que pode decidir a adesão ou não do RRF – Fernando Hadad. A União, além de condicionar os parâmetros do RRF, terá dois dos três membros do Conselho de Supervisão do RRF (CSRRF). Ficando então óbvio, que se Haddad recusar, não sobre muito espaço para Zema em tal questão. Para Haddad, tomar tal decisão talvez não precise nada além de sua memória: começando pelo fato de que Zema, surgiu como outsider em 2018, com a fundamentação do discurso anti-petista, mesmo ano onde Zema apoiou com veemência Bolsonaro e não Haddad. Mas mais atrás, há outros fatos na vida do professor Haddad – que é, o aluno Haddad.
Haddad, em termos de pensamento econômico teve determinada iniciação acadêmica na sociopolítica econômica com um quadro histórico da esquerda brasileira: Paulo Arantes. O trecho abaixo, se refere a uma entrevista dada ao Globo (Época) quando questionado sobre Haddad, Arantes disse:
“No início dos anos 1990, Fernando Haddad apareceu na porta da sala do professor Paulo Arantes, no Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), e pediu uns minutos de conversa. “Sente-se aí”, respondeu Arantes. Haddad contou que era formado em direito e defendera uma dissertação de mestrado sobre o caráter socioeconômico do sistema soviético, mas enveredara pela filosofia e estava à procura de um professor para orientá-lo. Apresentou seu projeto de doutorado: um estudo crítico da substituição do “paradigma do trabalho” pelo “paradigma da linguagem” e a reflexão filosófica sobre a constituição do homem como ser social, ancorado em dois pensadores alemães muito caros à esquerda — Karl Marx e Jürgen Habermas. “A formulação dele era muito especial”, recordou Arantes em entrevista a ÉPOCA.“Ele dizia: ‘Quero repensar a teoria das classes sociais em Marx e como elas se relacionam no capitalismo contemporâneo. Quero entender a relação entre trabalho e linguagem em Habermas, se a famosa “situação ideal de fala” acontece mesmo, saber como as classes sociais conversam — o que falam, como falam e para quem falam — e como o trabalho estrutura os protagonistas dessa conversação pública.’” Arantes gostou da audácia intelectual do rapaz. “Se você conseguir explicar isso conversando com Habermas, ou fazendo a crítica de Habermas, eu topo te orientar. É uma aposta sensata.”
Não vamos aqui criar ilusões com idealismos e ideologias e sermos ignorantes ao realpolitik, mas, como visto acima, um dos arranjos para o futuro, pode ser pedagógico, pois parece que, neste caso, Zema vai aprender talvez uma de suas maiores lições na vida política: a de que nossas decisões acadêmicas ou mesmo nossa simples memória, nos molda. Para todos nós isso pode parecer óbvio e tão claro como a luz do sol, mas para um sujeito que cresceu fora dos debates socioeconômicos por simplesmente ter vivido como ultraliberal, uma vida da qual além de fora do contexto acadêmico, é também, fora do contexto da própria vida. Haddad, que viu sua aprovação em 10 pontos crescer no final do primeiro semestre de Ministro da Fazenda, pode, inclusive, agora do seu determinado lugar neste campo, lembrar do tempo das teses e de suas próprias teses, as quais além de rejeitarem o pensamento violento e ignorante dos ultraliberais contra os complexos problemas sociais e a falta de sensibilidade com temas acadêmicos e agora, o aluno Haddad, talvez encontre no Ministro Haddad um espaço de convívio em comum e de maneira veemente e direta rejeite, assim como nas suas teses as brutalidades do capitalismo ultraliberal contra a sociedade em si, ou seja: rejeite o RRF de Zema.
* Lucas Tonaco – secretário de Comunicação da FNU e dirigente do Sindágua-MG