Artigo: Aurélio Ferreira*
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A lei 14 026/2020 conhecida desde o seu nascedouro como Novo Marco Legal do Saneamento Básico trouxe no seu interior uma gama de incertezas. Por ser uma lei em seu âmago feita para o setor privado em detrimento do público. Surge alguns questionamentos: Como ficam as empresas estaduais que estavam operando os sistemas? Qual seria o destino das experiências e avanços adquiridos ao longo dos tempos por essas empresas? Como o Brasil vai lidar com um modelo que já foi superado em vários países desenvolvidos de capitalismo avançado?

Aprovada na pandemia sem discussão e aprofundamento, o novo Marco do Saneamento de novo não tem nada, pois traz em sua essência o entreguismo do patrimônio público ao setor privado. A lei concede um atestado de ineficiência ao setor público que construiu toda a estrutura que temos até hoje, negando a história e o acúmulo de experiências adquiridas ao longo de décadas. Essa lei não considera estudos feitos e publicados sobre as experiências ineficientes em outros países sobre a égide do setor privado. Como somos pais de capitalismo dependente, poderíamos copiar o que deu certo e não o que não deu, não precisamos sofrer para aprender e sim aprender com o erro dos outros.

O que acontece em nosso país, é que por muito tempo os investimentos no setor de saneamento, foram irrisórios e não contemplaram a demanda para crescimento e manutenção, tornando o segmento precário e estagnado. A ingerência política no setor contribuiu para o aprofundamento da crise. A terceirização irrestrita trouxe ao segmento, contratos e condições de trabalho precarizado, bem como, contratações sem o rigor técnico e avaliativo.

A referida lei trará vários retrocessos ao setor como bem sabemos: aumento de tarifas; ineficiência de prestação de serviços graças a rotatividade de pessoal e não aferição de capacidade técnica; contratos sem nenhuma supervisão eacompanhamento para o cumprimento de metas; baixo investimento; dentre outras.

Diante do exposto, o que se precisa fazer é: viabilizar com monitoramento e fiscalização, a liberação de recursos ao setor público com cumprimento de metas, e aproveitar toda expertise e capacidade técnica acumulada durante muitos anos. O sistema sempre funcionou mesmo diante de ínfimos recursos disponíveis, isso mostra a capacidade e habilidade do público, uma espécie de engenharia administrativa. Ato impensável para o setor privado que só funciona em sua engrenagem com o metabolismo do capital. Precisamos estar atentos a todas essas nuances que envolvem o setor de saneamento. Fazermos o contra ponto, com estudos e argumentos persuasivos desmistificando o discurso sedutor dos intelectuais orgânicos do capital.

A classe trabalhadora além de vender a sua força de trabalho é consumidora. Tendo essa duplicidade de atuação está preocupada tanto com o futuro do setor como com a prestação de serviços pautado em tarifas módicas.

A superação desse modelo imposto pelo ordenamento jurídico é um grande desafio a todos, mas a nosso favor está uma vasta literatura que comprova que o setor privado não tem interesse público e sim em aumentar sua propriedade privada, está na sua essência isso. Dá preterição ao setor privado em vez do público é ir contra tudo o que se construiu até agora, negando a história e os avanços obtidos. Indubitavelmente, a água é um direito indelével da humanidade e deve ser acessada por todos, esse direito não deve ser negociável. Segundo Ribeiro e Catalão (2020, p.162):

Reconhecemos a água como um bem comum, que deve ser compartilhado com toda a humanidade e com todos os seres vivos do planeta. Por isso mesmo, a água não deve ser tratada como bem privado, uma commodity, um insumo controlado por grandes corporações para garantir a reprodução material, a exploração do trabalho e das reservas naturais.

Portanto, precisamos considerar a água como um bem essencial para a sobrevivência humana, e não tratá-la como mercadoria a ser explorada pelo capital privado. Reconhecer a importância desse líquido e o quão ele é significativo em nossas vidas, é fator preponderante para uma sociedade que busca garantir o direito humano a água e ao saneamento.

Referências:
RIBEIRO, Sérgio Augusto; CATALÃO, Vera Lessa (org.) Água, compartilhamento e
cultura da paz. 1ª. ed. – Brasília: Senado Federal: 2020.

*Aurélio Ferreira – Dirigente Sindical do STIU-PI