Da euforia dos bilhões entrando nos cofres do governo à depressão com as contas no vermelho. Matéria da revista CartaCapital (edição 1.294) nos chama a atenção e ilustra bem como é possível um governador transformar em fumaça ativos do Estado após uma privatização incensada como a salvação das contas públicas. Em quatro páginas, a revista relata como o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, saiu da extrema empolgação com a venda da então lucrativa Companhia Estadual de Águas e Esgotos, a Cedae, para entrar 2024 na depressão financeira. Castro conseguiu torrar, em menos de dois anos, os 22,69 bilhões de reais da privatização, dos quais 14,4 bilhões repassou aos municípios para garantir o apoio de 80 dos 92 prefeitos fluminenses na sua campanha à reeleição.
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Como relata a matéria, depois da farra com o dinheiro da privatização, Cláudio Castro está de pires na mão, implorando ajuda do governo federal para renegociação de dívidas a fim de evitar o colapso iminente das contas públicas e dos serviços públicos do estado. A população do Rio de Janeiro mal viu a cor dos 22,69 bilhões de reais da Cedae, tampouco melhorias significativas em suas vidas resultantes da privatização da empresa. Em suma, o dinheiro virou fumaça e o que ficou foi o desalento do povo do Rio com mais um esteliontato eleitoral.
Qualquer semelhança desse fato com o passado e o presente de Sergipe não será mera coincidência. O caso da Cedae assemelha-se bastante com algo que os sergipanos viveram décadas atrás. Em dezembro de 1997, em meio à euforia do então governador Albano Franco e de seus aliados, a Distribuidora de Energia de Sergipe (Energipe) era vendida ao grupo privado mineiro Cataguazes-Leopoldina por R$ 577 milhões, com uso de dinheiro público, diga-se de passagem, via BNDES. E qual o destino dado a essa dinheirama? Ninguém sabe exatamente, nem onde foi aplicado ou quais benefícios rendeu aos sergipanos.
O que se sabe da negociata é que a bolada foi fundamental para a reeleição de Albano, como lembra artigo do jornalista Marcos Cardoso publicado no Portal Infonet (leia aqui), uma década depois do episódio, e no qual o ex-presidente da estatal de energia e ex-deputado federal João Fontes é citado. “Todo o processo de privatização da Energipe se deu de forma inconstitucional, a começar pela avaliação feita pelo governo muito abaixo do valor de mercado. Precisamos apurar, principalmente, de que forma foram gastos os R$ 500 milhões arrecadados pelo Estado com a privatização. Até hoje ninguém deu uma explicação lógica para a destinação desse dinheiro”, declarou Fontes ao jornalista.
Sinal de alerta
Tanto o nebuloso episódio da venda da Energipe no passado quanto a recente privatização da Cedae no Rio de Janeiro e os bilhões que viraram fumaça acendem um sinal de alerta para a população sergipana diante do que está sendo construído pelo governador Fábio Mitidieri. Desde que assumiu o governo, o atual mandatário sergipano trabalha avidamente, atropelando, inclusive, procedimentos legais e cerceando o debate público, para entregar a concessão parcial dos serviços de abastecimento de água e coleta e tratamento de esgotos da Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso) e dos quatro Serviços Autônomos de Água e Esgoto (SAAEs) para a iniciativa privada por 35 anos, num processo de privatização disfarçada.
O negócio, que enche os olhos do governador e atiça a cobiça de prefeitos e parlamentares aliados, deve girar em torno dos 2,5 bilhões de reais pela outorga dos serviços e outros 6,2 bilhões em promessas de investimentos para 10 anos, mais um vez não com dinheiro privado, mas público, via BNDES, e para a população sergipana pagar a conta, porque o que for tomado como empréstimo será pago de forma diluída nas tarifas. Esse mesmo montante poderia ser tomado e investido pela Deso se o governador e a diretoria indicada por aliados dele tivessem interesse, competência e vontade de trabalhar para de fato melhorar a empresa, mas passa longe disso.
Privatização em duas etapas
Portanto, todos de olho nessa mais nova negociata que vem sendo construída pelo governo para privatizar a Deso em duas etapas: primeiro, com a concessão parcial dos serviços à iniciativa privada por 35 anos, deixando com a estatal a parte mais cara e complexa – transporte de água do manancial ao tratamento e da água tratada ao sistema de distribuição –, e por um preço unitário (PU) de venda à futura concessionária privada a míseros R$ 2,05 por metro cúbico, o que quebrará financeiramente a empresa, levando-a de superavitária a deficitária em pouco tempo, o que será usado para justificar a segunda etapa: a venda total da Deso, processo que já está acontecendo em Alagoas com a sua companhia de saneamento estadual, a Casal.
Que o exemplo do passado, com a Energipe, cujo dinheiro da privatização serviu para fins politiqueiros e ninguém viu a cor, e do presente, com a vaporização de 22 bilhões de reais da venda da Cedae pelo governador privatista do Rio de Janeiro por uso igualmente politiqueiro, abram os olhos da população sergipana, da sua classe política, dos órgãos de controle e da imprensa. O que vem sendo construído em Sergipe com a Deso é mais uma entrega vil ao capital privado de uma empresa lucrativa, estratégica e fundamental para o desenvolvimento do estado, a fim de satisfazer interesses meramente políticos. Como bem alerta o velho Karl Marx, “A história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.
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Artigo de George W. Silva – jornalista, assessor de Comunicação do SINDISAN