O governo trabalha para vender a estatal por um preço muito inferior ao seu valor real e os recursos obtidos não reduzirão o déficit primário
É notório que a sustentação econômica do governo de Michel Temer e do ministro Henrique Meirelles depende do empenho em entregar projetos que satisfaçam o “mercado” especulativo e rentista. Só assim eles mantêm o apoio do grande capital nacional e internacional e da mídia oligopolizada e decadente. Além disso, projetos privatizantes em anos eleitorais também atraem financiadores de campanha sedentos de oportunidades lucrativas.
A privatização da Eletrobras está nesse rol de demandas dos grandes grupos econômicos. Para alcançar esse objetivo, o governo lança mão do autoritarismo, desrespeito às leis e instituições. O Ministério de Minas e Energia, o Ministério da Fazenda e a alta direção da Eletrobrás insistem em um projeto de lei falido que, se implementado, promoverá a entrega de um patrimônio público estratégico a preço de banana, irá resultar em anos de litígio na Justiça, paralisará os investimentos no setor elétrico, causará aumento dos preços da energia elétrica, além de ampliar o risco de racionamento.
A incompetência para pensar um modelo eficiente para o setor elétrico e o descompromisso com o patrimônio público brasileiro ficarão claros ao longo desse texto, que pretende mostrar que: 1. O governo Temer trabalha propositalmente para vender a Eletrobras por um preço muito inferior ao seu real valor; 2. Existem grandes riscos no atrapalhado projeto de lei da venda da Eletrobras; 3. A privatização da Eletrobras não contribui para uma redução sustentável do déficit primário; e 4. Servirá para enriquecer ainda mais os fundos nacionais e estrangeiros que detém parcela significativa da empresa.
A venda a preço de banana
O governo Temer tem pouco tempo. Uma forma de agradar ao mercado e ao mesmo tempo acelerar a venda da Eletrobras é colocando-a a venda por um preço ridiculamente baixo, e essa é a estratégia do governo.
O PL do governo propõe que a privatização da Eletrobras deve ocorrer simultaneamente à descotização (revogação da lei 12.783). Uma forma, ainda que tosca, de disfarçar essa subprecificação é ignorar os efeitos da descotização sobre as receitas da empresa. A Eletrobras registra um lucro de 2,2 bilhões de reais acumulados nos nove primeiros meses de 2017.
A descotização representaria um aumento de receitas de 12 bilhões, que, com certeza, teria um grande efeito positivo sobre os lucros da empresa e que o governo propositalmente ignora. Outra medida adotada para desvalorizar a empresa foi a assunção de 20 bilhões de reais em dívidas no processo de privatização das distribuidoras, medida que as entidades sindicais estão questionando na Justiça.
Riscos e pontas soltas no Projeto de Lei
Se pretendiam vender a Eletrobrás, seus gestores não fizeram o dever de casa. Os problemas não resolvidos são tantos que podemos inclusive considerar a insegurança jurídica do processo como mais um elemento a rebaixar o preço de venda.
Conforme noticiado por boletim do FNU/CNE, os contratos de dívida da Eletrobrás possuem cláusulas que permitem a cobrança antecipada do valor no caso de mudança do controlador. Assim, a privatização acarretará em um grande litígio entre credores e acionistas que paralisará a empresa por um longo tempo, em uma situação muito mais complicada que a da empresa Oi.
Há também risco de litígio relativo aos processos contra a Eletrobras referentes ao empréstimo compulsório, que representa hoje um passivo de 15 bilhões de reais para empresa e uma despesa financeira anual bilionária. Os fundos abutres estão de olho nessas oportunidades. A Eletrobras inclusive recebeu carta de um grande investidor (AAE Management LLC) ameaçando acionar a Justiça norte-americana em caso de privatização[i].
Esse fundo chegou a ter reuniões privadas com o Ministro de Minas e Energia, Fernando Filho, em 9/11/17 e com o CEO da Eletrobras Wilson Ferreira, em 7/11/17. Pra completar, pode parecer sem sentido, mas o projeto de privatização prevê a criação de uma nova estatal, com as mesmas funções da Eletrobras Holding, mas que teria como subsidiárias apenas Itaipu e Eletronuclear, o que por si só pode se tornar um problema político e legal.
Por força das leis americanas, essa nova empresa precisaria ficar pelo menos dois anos listada na Bolsa de Nova York. Esse desmembramento da holding causaria ainda problemas relacionados as garantias cruzadas de empréstimos envolvendo os investimentos da Eletrobras e garantias de Itaipu, empresa que estaria excluída da privatização.
A falácia de que a venda irá ajudar a reduzir o déficit primário
Ao contrário do que afirma o atual governo, a Eletrobras é uma empresa que contribui positivamente para o resultado primário do governo. Prova disso é que nos últimos 10 anos, incluindo nesse cálculo os raros anos de prejuízo, a Eletrobras pagou para União, direta e indiretamente[ii], cerca de 13 bilhões de reais. Ou seja, no agregado a Eletrobras contribuiu positivamente para o resultado primário do governo federal, tendo, em vários momentos, pago muito mais do que os 25% de dividendos mínimos determinados por Lei[iii].
Esses dados são suficientes para demonstrar que, no médio e longo prazo, a privatização é ruim para o resultado fiscal. Em curto prazo, por outro lado, a arrecadação se mostra pouco relevante perto da previsão de déficit nominal e primário de 450 bilhões e 157 bilhões de reais, respectivamente.
A falácia da democratização do capital
Uma simples leitura da Ata de uma Assembleia Geral Ordinária da Eletrobras traz informações que jogam por terra o eufemismo da democratização do capital. Na ata estão listados os fundos que possuem o mesmo representante na AGO[iv], como a 3G Radar (de Jorge Paulo Lemann), Opportunity (das privatizações dos anos 1990, por meio de Daniel Dantas), Squadra (que detém participações representativas na Equatorial), dentre outros.
Há outro representante na AGO integrando fundos estrangeiros de investimento (Black Rock, Goldman Sachs, BNP Paribas, JP Morgan), fundos de previdência estrangeiros (British Airways Pension Trustees Ltd, Boeing Company, California Public Employees Retirement System, Oregon Public Employees Retirement System, Public Employees Retirement System of Idaho, Public Employees Retirement System of Mississippi), fundos soberanos (Government of Singapore, Norges Bank) e outros.
Paradoxalmente, com a privatização da Eletrobras, a geração de riqueza estaria ainda mais voltada para a sustentação da aposentadoria de cidadãos europeus e norte-americanos ao invés de gerar renda e emprego para os brasileiros.
Fato é que Temer, Pedrosa (denunciado em escândalo internacional no qual teria atuado contra os interesses do Brasil) e Wilson Pinto Jr. elaboraram um plano de privatização ruim e inexequível!
Não à toa, para sua execução eles têm recorrentemente adotado medidas antidemocráticas e autoritárias. O projeto é tão ruim que é possível encontrar especialistas do setor contra na direita (por exemplo J. L. Alqueres), no centro (Instituto Ilumina) e na esquerda (Luiz Pinguelli e Ildo Sauer). Apesar disso, o projeto de Lei ganha força por estar ancorado no atendimento a grandes interesses particulares e negociatas[v].
Caso o plano de privatização venha a ser implementado, certamente acarretará muitos problemas para a população e para seus acionistas, problemas que vão muito além do aumento do preço da energia elétrica.
*Associação dos Empregados da Eletrobras
[i] http://eletrobras.com/pt/Lists/noticias/ExibeNoticias.aspx?ID=751
[ii] Inclui dividendos pagos ao BNDES, FND e outros órgãos do governo.
[iii] Lei 6.404/1976
[iv] Disponível em www.eletrobras.com
[v] Segundo denúncia publicada pela Carta Capital (https://www.cartacapital.com.br/politica/o-cheiro-de-negociata-na-privatizacao-da-eletrobras).
*publicado originalmente em Carta Capital