Artigo: Lucas Tonaco*
_______________________

A Bélgica é um país localizado no noroeste da Europa, fazendo fronteira com a Holanda, Alemanha, Luxemburgo e França. Com uma área de aproximadamente 30.689 km² e uma população de cerca de 11,5 milhões de habitantes, a Bélgica possui uma densidade populacional relativamente alta. O país também é conhecido por sua rica rede hidrográfica, com rios importantes como o Scheldt e o Meuse, que desempenham um papel vital na economia e transporte do país.

Em termos legais a Bélgica conta com um arcabouço avançado de dispositivos com relação a proteção da água, começando com a Lei de Águas Superficiais de 26 de março de 1971, que estabelece as regras para o controle e proteção das águas superficiais. A Lei de Águas Subterrâneas de 22 de dezembro de 1989, que regula a utilização e proteção das águas subterrâneas. A Diretiva-Quadro da Água da União Europeia, transposta para a legislação belga, que estabelece uma abordagem integrada para a gestão das águas superficiais e subterrâneas. Em termos institucionais, a Bélgica têm a Agência Federal para a Qualidade da Cadeia Alimentar e a Segurança do Ambiente (AFSCA): Responsável pela proteção e controle da qualidade da água destinada ao consumo humano .Ministério do Meio Ambiente: Encarregado de desenvolver e implementar políticas ambientais, incluindo a gestão da água. Agência de Recursos Hídricos da Valônia (SPW – Departamento de Água): Responsável pela gestão das águas superficiais e subterrâneas na região da Valônia. Agência Flamenga do Meio Ambiente (VMM): Encarregada da gestão das águas superficiais e subterrâneas na região da Flandres.Serviço Público Federal de Saúde Pública, Segurança da Cadeia Alimentar e Meio Ambiente (SPF Environment): Responsável por supervisionar a qualidade e proteção do meio ambiente, incluindo a gestão da água.

Se tratando de hidrográfica, começa-se pelo rio Scheldt, com um comprimento total de cerca de 360 km, o rio Scheldt atravessa a Bélgica antes de desembocar no Mar do Norte. Segundo o relatório “Scheldt River Basin District Management Plan” da Agência Flamenga do Meio Ambiente (VMM), o rio Scheldt é responsável por cerca de 60% do fluxo de água da Flandres e é uma importante via fluvial para o transporte de mercadorias. O porto de Antuérpia, localizado às margens do Scheldt, é um dos maiores portos marítimos do mundo e desempenha um papel fundamental na economia belga. De acordo com o relatório “Economic Impact of the Port of Antwerp” da Deloitte, o porto de Antuérpia gerou cerca de 29 bilhões de euros em valor econômico direto e indireto em 2020, empregando mais de 150.000 pessoas.

Culturalmente, o rio Scheldt é um símbolo importante e tem influência em várias comunidades étnicas que vivem às suas margens. A região do rio Scheldt abriga uma diversidade étnica significativa, com comunidades flamengas, valãs e francesas, refletindo as diferentes regiões linguísticas da Bélgica. Essas comunidades contribuem para a riqueza cultural e histórica da área, com festivais, tradições e práticas culturais específicas. Além disso, o rio Scheldt também desempenha um papel nas artes e literatura, sendo retratado em obras de artistas belgas famosos, como Peter Paul Rubens, que pintou paisagens do rio Scheldt em várias de suas obras. Ao longo da história, o rio Scheldt foi cenário de diversos conflitos e disputas territoriais. Um conflito notável foi a chamada “Questão do Escalda”, que envolveu disputas de controle e acesso ao rio Scheldt entre a Bélgica e os Países Baixos. Segundo o estudo “Conflict Management in the Scheldt River Basin: An Analysis of Historical Disputes” de J. Maes e D. Bitterman, o conflito se intensificou no século XIX, quando a livre navegação no rio Scheldt se tornou uma questão de controvérsia internacional. A situação foi resolvida por meio de acordos e tratados internacionais, como o Tratado de Ghent em 1814 e a Convenção de Scheldt em 2005, que buscaram garantir a livre navegação no rio Scheldt e resolver disputas territoriais.

O outro rio importante na Bélgica, é o Meuse desempenha um papel significativo tanto em termos hidrográficos quanto econômicos na Bélgica. Com aproximadamente 183 km de extensão no território belga, o rio Meuse é uma importante via fluvial que atravessa várias regiões do país. De acordo com o relatório “River Basin Management Plan for the Meuse River Basin District” da Agência Flamenga do Meio Ambiente (VMM), o rio Meuse possui uma bacia hidrográfica abrangente que cobre uma área de aproximadamente 24.000 km², fornecendo água para consumo, agricultura e indústria. O rio Meuse também possui relevância econômica na Bélgica. Ao longo de suas margens, estão localizadas diversas cidades industriais e agrícolas, que dependem do rio Meuse como recurso hídrico para atividades econômicas. Além disso, o rio Meuse é utilizado para transporte de mercadorias, facilitando o comércio e a logística. O relatório “Economic Impact of the Meuse River in Belgium” da Universidade de Liège destaca a importância econômica do rio Meuse, mencionando o setor industrial, turismo e atividades agrícolas como beneficiados pela presença do rio.

Culturalmente, o rio Meuse também desempenha um papel importante. Ao longo de suas margens, encontram-se comunidades de diversas etnias, contribuindo para a riqueza cultural e histórica da região. A presença de diferentes grupos étnicos, como flamengos, francófonos e germanófonos, moldou a identidade cultural das áreas adjacentes ao rio Meuse. Além disso, o rio Meuse é palco de festividades e eventos culturais, como festivais folclóricos, competições de barcos e celebrações locais, que refletem a importância cultural e social do rio na vida das comunidades locais. Em relação a conflitos, o rio Meuse também teve sua parcela ao longo da história. Durante a Segunda Guerra Mundial, o rio Meuse serviu como linha de defesa e foi palco de batalhas cruciais entre as forças Aliadas e as forças alemãs. Relatórios históricos, como “The Battle of the Meuse: The History of the Final German Offensive on the Western Front” de Charles River Editors, descrevem a importância estratégica do rio Meuse nos conflitos militares e as operações realizadas para controlar suas passagens e pontes.

O abastecimento de água na Bélgica é dividido entre várias companhias, algumas públicas e outras privadas, que operam em diferentes regiões do país. A principal companhia responsável pelo abastecimento de água potável na Flandres é a De Watergroep, uma empresa pública que atende cerca de 3,2 milhões de pessoas, abrangendo aproximadamente 170 municípios. Já na região valã, a Société Wallonne des Eaux (SWDE) é a principal companhia pública, fornecendo água potável para cerca de 2,5 milhões de pessoas em mais de 200 municípios. Além disso, existem outras companhias menores e privadas que operam em algumas áreas específicas.

Historicamente, houve conflitos e controvérsias relacionadas às companhias de abastecimento de água na Bélgica. No passado, houve debates sobre a privatização do setor de água, com preocupações sobre a qualidade do serviço e o acesso equitativo à água. Um exemplo notável foi o caso da cidade de Antuérpia, onde houve um processo de privatização do abastecimento de água. De acordo com o relatório “Water Governance in Belgium: A Comparative Analysis” do Centro de Pesquisa em Governança da Universidade de Liège, esse processo foi acompanhado por protestos e manifestações, pois muitos residentes temiam que a privatização resultasse em aumento de tarifas e pior qualidade de água. A gestão do abastecimento de água na Bélgica é amplamente regulada e supervisionada por autoridades governamentais, como a Agência Federal para a Qualidade da Cadeia Alimentar e a Segurança do Ambiente (AFSCA) e as agências regionais responsáveis pelo meio ambiente e recursos hídricos. Essas entidades têm o papel de garantir a qualidade da água, a proteção dos recursos hídricos e o acesso equitativo aos serviços de abastecimento de água para a população.

As mudanças climáticas têm afetado significativamente a questão da água na Bélgica, resultando em fenômenos como aumento do nível do mar, tempestades intensas e eventos de precipitação extrema. De acordo com o relatório “Climate Change in Belgium: Current State and Future Scenarios” do Serviço Federal de Mudanças Climáticas da Bélgica, o aumento médio do nível do mar no litoral belga tem sido estimado em cerca de 2,7 mm por ano, o que leva a uma maior vulnerabilidade à erosão costeira e à intrusão salina em áreas costeiras. Além disso, tempestades mais frequentes e intensas têm resultado em aumento de inundações fluviais, principalmente ao longo dos rios Meuse e Scheldt, com impactos nas comunidades ribeirinhas, infraestrutura e agricultura.

Quanto às projeções futuras, espera-se que os fenômenos relacionados às mudanças climáticas se intensifiquem na Bélgica. O relatório “Climate Change in Belgium: Climate Projections for the 21st Century” do Instituto Real Meteorológico da Bélgica prevê um aumento adicional no nível do mar e um aumento na frequência e intensidade de eventos de precipitação extrema até o final do século. Isso poderá resultar em um aumento das inundações costeiras e fluviais, afetando áreas urbanas, áreas agrícolas e infraestrutura crítica. Além disso, espera-se que as mudanças climáticas tenham impactos no equilíbrio hídrico, com possíveis desafios no suprimento de água doce, especialmente durante períodos de seca.Essas projeções são respaldadas por estudos científicos e modelos climáticos, que indicam a necessidade de ações de adaptação e mitigação para lidar com os impactos das mudanças climáticas na questão da água na Bélgica. O relatório “Climate Change and Water in Flanders: Effects, Risks and Opportunities” do Centro de Pesquisa Florestal e Ambiental da Flandres destaca a importância de estratégias de gestão de risco e investimentos em infraestrutura resiliente para enfrentar os desafios futuros. Além disso, uma abordagem integrada que considere a gestão de recursos hídricos, a proteção contra inundações e a preservação dos ecossistemas aquáticos é fundamental para garantir a segurança hídrica e a resiliência diante das mudanças climáticas.

Água e inteligência na Bélgica

O sistema de inteligência da Bélgica é composto pelo Serviço de Segurança e Inteligência da Defesa (SGRS) e pela Coordenação de Segurança e Inteligência (OCAM). As leis que regem essas instituições incluem a Lei relativa à Coordenação da Análise de Ameaças (2007) e a Lei relativa à Segurança e à Inteligência (2018).

No que diz respeito à preparação para as mudanças climáticas e questões relacionadas à água, a Bélgica tem implementado uma série de estratégias e planos de ação. O Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas da Bélgica (2017-2020), por exemplo, tem como objetivo fortalecer a resiliência do país diante dos impactos das mudanças climáticas, incluindo a gestão de riscos relacionados à água.Em termos de financiamento, a Bélgica tem alocado recursos significativos para enfrentar os desafios das mudanças climáticas e da gestão da água. De acordo com o relatório “Climate Finance Belgium: Analysis of the Public Expenditure on Climate Change” da Federação Inter-Environnement Wallonie, o orçamento federal belga para ações climáticas e ambientais foi de cerca de 616 milhões de euros em 2018. Esses recursos têm sido direcionados para iniciativas como a melhoria da infraestrutura de gestão de água, a implementação de medidas de adaptação às inundações e a promoção de práticas sustentáveis de uso da água.

 

Lucas Tonaco – secretário de Comunicação da FNU, dirigente do Sindágua-MG, acadêmico em Antropologia Social e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

 

Confira todos os artigos sobre o tema “Água, Estado e Inteligência” em vários países:
A questão da água: inteligência, instituições, hidrografia e conflitos