O seminário sobre os desafios da previdência complementar no setor elétrico, realizado nesta semana em Brasília (21 e 22/3), reuniu dezenas de dirigentes sindicais urbanitários, além de especialistas no tema e parlamentares, com o objetivo de debater as tendências e projeções para a previdência complementar na vida dos trabalhadores e trabalhadoras, a migração dos planos, a transferência de gerenciamento no setor, além da definição de um plano de lutas.
O presidente da CNU, Paulo de Tarso, na abertura do seminário, ressaltou a importância dos sindicatos inserirem o debate da previdência complementar em suas pautas prioritárias e da participação da Confederação na defesa dos urbanitários contra os ataques da Eletrobras na retirada dos planos de saúde e previdência de seus trabalhadores, que ocorre em um processo de negocial.
Paulo de Tarso fez ainda uma análise do momento político atual do governo e as dificuldades encontradas e informou sobre reunião no Ministério do Trabalho, no último dia 20/3, na qual participou para tratar do andamento do registro sindical da CNU.
Ainda durante abertura do seminário, dirigentes sindicais destacaram a importância do aprofundamento de discussões acerca dos fundos de pensão, especialmente diante das mudanças decorrentes da privatização de empresas do setor elétrico, com ênfase na Eletrobras. Isso porque, há movimentações por parte da holding com o objetivo de modificar a estrutura das entidades de previdência complementar, buscando a unificação dos diversos fundos de pensão.
A diretora regional da Anapar e secretária de Energia da Frune, Júlia Margarida, destacou que umas das medidas das empresas para centralizar as decisões é a exclusão e limitação da participação de sindicalistas dos fundos de pensão, bem como, retirar os patrocínios com o “objetivo de limpar o balanço das empresas”.
Para ela, as tentativas de desmantelamento dos fundos de pensão continuam sendo um efeito do golpe de 2016, evento que serviu aos interesses do capital, afetando diretamente a gestão e a sustentabilidade dos fundos de pensão, uma vez que, foi implementada uma abordagem mais mercantilista da previdência.
A luta não se limita apenas ao campo técnico, afirmou o diretor de Administração e Finanças da Anapar, Antonio Bráulio de Carvalho . Para ele, a batalha por direitos e reconhecimento exige também um forte componente político. Nesse sentido, ele defende que haja uma maior articulação com representantes da Câmara e Senado que adotem o tema como bandeira de seus mandatos.
Outro palestrante, o superintendente nacional de previdência complementar (PREVIC), Ricardo Pena, destacou que a entidade passou por um processo de desmonte no governo passado, e que atualmente, a instituição tem retomado as ações que alinham a gestão previdenciária com os interesses dos participantes.
Fundação única
Sobre a tentativa de unificação da Eletrobras, a deputada federal Erika Kokay (PT-DF), enfatizou que mesmo que se considere que a empresa foi privatizada, “ela presta serviços públicos, se trata de uma concessão pública. Então, por ser uma concessão pública, não se pode mudar as regras de governança, ou a lei que rege a governança”.
Para a parlamentar, a criação de uma fundação única, sem um debate abrangente que reconheça as distintas realidades e a diversidade dos planos existentes, pode resultar em uma excessiva centralização do poder, limitando significativamente a capacidade dos trabalhadores de atuar e influenciar decisões, contrariando os fundamentos de uma gestão verdadeiramente democrática.
A Eletrobras, privatizada em junho de 2022, detém o controle das empresas Eletronorte, Furnas, Chesf e CGT Eletrosul, que, respectivamente, são patrocinadoras dos Fundos de Pensão Eletros, Previnorte, Real Grandeza, Fachesf e Elos, e juntas administram recursos dos participantes em um montante atual de R$ 42 bilhões, valor superior aos 33,7 bilhões arrecadados com a entrega da Eletrobras.
No segundo dia de debates (22/3), consultor e ex-diretor da Previc, José Roberto Ferreira, explanou sobre como ocorre a transferência de gerenciamento, os riscos para os participantes e como os conselheiros podem atuar.
Também foram apresentados estudos de caso da Fundação VIVEST e NEOS, pelo conselheiro eleito da VIVEST, Jurandir Pimentel, e pelo diretor do Sinergia Campinas, João Carlos.
O consultor e ex-diretor da Previc, José Roberto Ferreira, que destacou as complexidades e as consequências de uma possível transição nos fundos de pensão.
Ferreira destacou que, embora a direção da empresa possa argumentar sobre a viabilidade econômica da incorporação, existe o risco real de desinteresse na manutenção do plano de previdência, levando à possibilidade de retirada de patrocínio. “Isso poderia resultar na perda do objeto dos planos originais, trazendo prejuízos significativos aos participantes”.
Um dos pontos mais críticos abordados foi a mudança na estrutura de governança. Os planos de previdência vinculados à Lei Complementar 108 prezam por uma governança com proporção paritária entre participantes e patrocinadores nos conselhos deliberativos e fiscais. “A transferência de gerenciamento poderia diluir essa representatividade, afetando o poder decisório dos participantes e, por extensão, a gestão dos planos”.
O Conselheiro Eleito da Vivest e Diretor do Sinergia Campinas, Jurandyr Pimentel, apresentou a experiência da Fundação de Assistência aos Empregados da CESP – FUNCESP, criada em 1969, que após o processo de privatização da Centrais Elétricas de São Paulo (CESP) teve seus planos saldados e substituídos por novos modelos, com foco na financeirização.
Medida que tem sido implementada de forma continua desde os anos 90 com a entrega do patrimônio público. Pimentel destaca que as “privatizações no Brasil tiveram direta relação com o Consenso de Washington, realizado em 1989, que apresentava uma série de recomendações econômicas que funcionaram como instrumento de pressão internacional para a adoção do neoliberalismo, principalmente pelos países subdesenvolvidos”.
O conselheiro apontou ainda as “consequências nefastas das reformas” trabalhista e previdência do governo Bolsonaro para a classe trabalhadora. Ele ressaltou que desde a promulgação da reforma previdenciária, em novembro de 2019, as novas regras de concessão reduziram o valor médio dos benefícios do regime geral de Previdência. Além disso, houve uma aceleração das retiradas de patrocínio de planos de previdência complementar.
Estudo de caso
Na atividade, o diretor do STIU-DF, João Carlos Ferreira, apresentou um estudo de caso sobre a Néos Previdência, criada em 2018, e que hoje administra sete planos previdenciários, dentre eles, os planos vinculados aos trabalhadores e aposentados da COSERN, CELPE e COELBA.
João destacou que o processo de incorporação das entidades, FASERN, CELPOS e FAELBA, foi marcado pela unidade e resistência dos sindicatos. A mobilização se deu devido à falta de transparência do processo, bem como ao amadorismo e improvisação da Neoenergia, pouco preocupada com os compromissos e obrigações dos planos e mais interessada no patrimônio das entidades.
Como resultado da mobilização posteriormente foi firmado pela empresa e Intersindical um Termo de Compromisso que garantiu a paridade na composição dos conselhos, a exigência de maioria absoluta do Conselho Deliberativo em votações que envolva alteração estatutária e 2/3 para mudar composição, prazo de mandato, reeleição, recondução e eleição direta dos membros dos órgãos estatutários, a indicação pelos sindicatos dos (as) conselheiros (as) e diretor (a) de seguridade na transição, até a posse dos primeiros eleitos, o custeio administrativo dos planos CDs assumido integralmente pela patrocinadora, dentre outro avanços.
O dirigente ressaltou também que houve descumprimento pela patrocinadora dos termos pactuados quanto ao processo eleitoral, bem como o desrespeito ao critério dos 2/3 e utilização indevida do voto de qualidade e a não participação dos assistidos na eleição para os órgãos estatutários.
Contudo, ele apontou que o protagonismo e unidade dos sindicatos foi fundamental para diminuir o dano aos participantes e assistidos no processo de incorporação das entidades.
Ao final foi traçado Plano de Luta dos Sindicatos que integram o CNE – Coletivo Nacional dos Eletricitários. O um plano de lutas que contempla as esferas negociais, políticas e jurídicas necessárias para garantir os direitos adquiridos dos participantes e assistidos dos fundos de pensão do Grupo Eletrobras. É necessário a atenção de todos sobre este tema que representa o futuro desta valorosa categoria.
*com informações e fotos do Stiu-DF