Artigo: Lucas Tonaco*
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Introdução
O relativismo e o etnocentrismo são duas abordagens diferentes que nos permitem examinar e compreender a diversidade cultural e as diferentes perspectivas presentes em nossa sociedade. Embora possam ser considerados
opostos, eles desempenham papéis importantes na análise crítica das culturas e no entendimento das diferenças entre elas.O relativismo cultural é uma abordagem que reconhece a existência de múltiplas culturas e acredita que cada uma delas deve ser entendida dentro de seu próprio contexto cultural. Ele sustenta que não há uma verdade absoluta ou uma única maneira correta de viver, e que as normas e valores culturais são construídos socialmente, variando de acordo com o tempo e o espaço. Portanto, o relativismo cultural enfatiza a importância de suspender o julgamento de outras culturas com base em nossos próprios padrões culturais.
O etnocentrismo é uma tendência humana natural de avaliar e julgar outras culturas com base em nossos próprios valores culturais e crenças. O etnocentrismo pode levar a uma visão distorcida e prejudicial das outras culturas, pois tendemos a considerar nossa própria cultura como superior ou mais correta do que as demais. Isso pode levar a estereótipos, preconceitos e discriminação, já que nossa perspectiva limitada nos impede de apreciar e entender plenamente as complexidades e riquezas das outras culturas.
Enquanto o relativismo cultural busca promover a tolerância, a compreensão e a valorização da diversidade cultural, o etnocentrismo pode gerar conflitos e dificultar a cooperação entre diferentes grupos culturais. No entanto, é importante destacar que o relativismo cultural não implica aceitar ou desculpar práticas culturais que violem os direitos humanos universais, como a discriminação, a opressão ou a violência. Em um mundo cada vez mais globalizado, com a interação frequente entre pessoas de diferentes origens culturais, é crucial adotar uma abordagem que combine elementos do relativismo e do etnocentrismo. Devemos então ser capazes de reconhecer e valorizar a diversidade cultural, respeitando as diferenças e buscando compreender as motivações e os valores das outras culturas. Ao mesmo tempo, é importante não perder de vista os valores universais de respeito aos direitos humanos e a necessidade de combater a discriminação e a desigualdade.
Portanto, o relativismo cultural e o etnocentrismo representam abordagens distintas para lidar com a diversidade cultural. Enquanto o relativismo busca entender e apreciar as diferenças culturais, o etnocentrismo pode levar a
julgamentos prejudiciais e à falta de compreensão. No entanto, encontrar um equilíbrio entre essas perspectivas pode nos ajudar a promover a tolerância, o respeito mútuo e uma maior compreensão entre as culturas em um mundo cada vez mais interconectado, afinal, é interessante que possamos entender a fundamental ferramenta da antropologia advinda dessa simbiose: a diversidade de perspectivas, metaforicamente, como se fossem lentes aos quais fazem mudar nossa concepção sobre determinado fenômeno, cultura ou quaisquer objetos de análise das quais a antropologia se propõe.
Boas, raça e cultura
O relativismo e o etnocentrismo são conceitos fundamentais da antropologia cultural e influenciaram muito a abordagem de Franz Boas em relação aos conceitos de raça e cultura. Na obra “Raça e Progresso” (2004), é um ponto central, que com clareza Boas refuta a noção de que as diferenças culturais podem ser explicadas por diferenças biológicas ou raciais. O eixo argumentativo de Boas, é que cada cultura deve ser compreendida em seu próprio contexto e que não há nenhuma cultura superior ou inferior a outra – fazendo assim uma perspectiva que busca
afastar juízos qualitativos, preconcebidos ou de cunho axiológico (de valor) em relação a tal comparatividade.
Boas destaca que o relativismo cultural implica em evitar julgamentos de valor baseados em padrões culturais externos, eis então que como a antropologia deve se concentrar principalmente na descrição e compreensão das
particularidades culturais. Em Boas:
“A antropologia não é uma ciência comparativa que busca estabelecer a superioridade de uma cultura em relação a outra. É uma ciência descritiva que procura entender a cultura em si mesma.” (BOAS, 2004, p. 21)
Boas argumenta que a noção de raça é uma construção social, e não tem base científica – inclusive se livrando de terminado impregnamento do positivismo em contágio das outras ciências “naturais” ao qual boa parte do debate se fazia na época, defendendo que diferenças culturais resultem principalmente de fatores ambientais, históricos e sociais ao invés de serem atribuídas simplesmente a critérios relativos por exemplo à genética ou mesmo uma suposta hierarquia racial. Verificamos tal ideia com lastro em trecho abaixo:
“As diferenças culturais não podem ser explicadas em termos de raça, pois a raça é uma construção social e não tem fundamento biológico. As diferenças culturais resultam principalmente de fatores ambientais, históricos e sociais.” (BOAS, 2004, p. 33)
Fazendo então a refutação a ideia de raça como uma categoria fixa, Boas argumenta e faz a defesa que as características físicas e mentais atribuídas a grupos raciais são mais resultado de influências ambientais, históricas e sociais do que de fatores biológicos, em nível pragmático para empanamento de tais concepções, inclusive, realizou pesquisas entre povos indígenas na América do Norte, como os esquimós e os nativos americanos, com o objetivo de documentar sua diversidade cultural e refutar noções baseadas em raças superiores ou inferiores.
Lévi-Strauss, dinâmicas sobre a perspectiva da concepção da dinâmica da história
O relativismo cultural e o etnocentrismo de um modo bem central, são conceitos-chave na antropologia e então, temos Lévi-Strauss contribuindo significativamente para o entendimento desses temas. Em sua abordagem antropológica, ele questiona a ideia de uma história linear e progressiva, enfatizando a diversidade cultural e a relatividade dos sistemas de valores. Lévi-Strauss problematiza a noção de história cumulativa, que sugere um desenvolvimento contínuo e linear ao longo do tempo, em que as sociedades humanas progridem e avançam em direção a uma maior complexidade. Lévi-Strauss conclui – ao menos inicialmente que essa visão linear da história é fortemente influenciada pelo etnocentrismo, pois implica uma avaliação hierárquica das culturas, com algumas
sendo consideradas mais “avançadas” ou “desenvolvidas” do que outras. Em Lévi-Strauss:
“Não há, na realidade, qualquer razão para crer que a passagem de um tipo de organização social para outro seja invariavelmente sinônimo de progresso” (LÉVI-STRAUSS, 1993, p. 121).
Logo portanto vemos que para Lévi-Strauss as diferenças culturais são resultado de estruturas simbólicas complexas que variam de acordo com cada sociedade e não podem ser reduzidas a uma única linha de desenvolvimento. Além
disso, Lévi-Strauss questiona a noção de história estacionária, que implica que algumas culturas estão congeladas no tempo, sem qualquer mudança ou desenvolvimento. Ele argumenta que todas as culturas estão em constante
transformação e adaptação, mesmo que essas mudanças possam não ser percebidas de maneira linear ou progressiva. Em Lévi-Strauss:
“Uma civilização não é estática, mas se encontra em um estado de evolução contínua, no qual a mudança é tanto uma condição de sua existência quanto um elemento de seu progresso” (LÉVI-STRAUSS, 1993, p. 132).
Então, Lévi-Strauss busca desconstruir a noção de história cumulativa e estacionária, enfatizando a importância de compreender cada cultura dentro de seu próprio contexto e evitando julgamentos de valor baseados em padrões culturais externos. Embora não seja possível fornecer citações ou trechos específicos da obra “Raça e História” de Lévi-Strauss, é importante destacar que suas ideias influenciaram profundamente o campo da antropologia cultural. Sua crítica às noções de história cumulativa e estacionária contribuiu para uma visão mais relativista e contextualizada da diversidade cultural, desafiando o etnocentrismo e enfatizando a importância de compreender cada cultura em sua própria complexidade. Por último, para referenciar tal perspectiva, voltamos a uma citação
que sintetizaria primariamente este problema:
“Seríamos assim conduzidos a distinguir duas espécies de histórias: uma história progressiva, aquisitiva, que acumula os achados e as invenções para construir grandes civilizações, e uma outra história, talvez igualmente ativa e empregando outros tantos talentos, mas a que faltasse o dom sintético, privilégio da primeira” (LÉVI-STRAUSS,1993, p.8)
Geertz e uma universal busca na crítica a busca universal Passamos a Clifford Geertz, mais especificamente na sua obra “A Interpretação das Culturas” (2008), onde o mesmo aborda o relativismo e o etnocentrismo, problematizando as noções de busca por universais na antropologia, questionando a ideia de que existe uma única forma correta de ser humano e argumenta que a diversidade cultural é fundamental para compreendermos a
complexidade da condição humana. Daí emana-se as críticas às tendências de buscar universais culturais, ou seja, características que seriam compartilhadas por todas as culturas. Ele argumenta que essa busca por universalidades pode levar a uma simplificação excessiva da diversidade cultural e à imposição de categorias analíticas ocidentais sobre outras formas de vida. Em Geertz:
“Ao invés de procurar pelo que é universal na cultura humana, a tarefa do antropólogo é identificar o que é único, particular e específico em cada contexto cultural.” (GEERTZ, 2008, p. 57)
Geertz faz argumentações ao fato de que cada cultura possui seu próprio sistema simbólico e suas próprias formas de compreender o mundo, sendo então que a cultura é um sistema de significados compartilhados e simbólicos, que molda a experiência humana de maneira única, fazendo a compreensão da cultura deve ser feita considerando o contexto específico de cada sociedade. Geertz vem a destacar a importância de uma abordagem interpretativa da cultura, buscando compreender os significados e valores que as pessoas atribuem às suas ações e práticas culturais, há uma ênfase portanto que a cultura não é um fenômeno estático ou determinado, mas um processo dinâmico e em constante mudança. Em Geertz:
“A cultura é um emaranhado de significados, um conjunto de mecanismos para dar sentido à experiência” (GEERTZ, 2008, p. 94).
Geertz então rejeita o etnocentrismo, que valoriza a própria cultura em detrimento das demais, e enfatiza a importância de reconhecer a diversidade cultural e de evitar a imposição de categorias universais e então ressalta que o entendimento das diferentes culturas requer um esforço de interpretação e uma apreciação das complexidades locais, abrindo então questões relativas às perspectivas dessas complexidades locais. Sinteticamente, podemos dizer que Geertz defende que a antropologia deve se concentrar na análise e interpretação da cultura, buscando compreender o significado que os indivíduos atribuem aos seus comportamentos e crenças deixando então como uma das principais tarefas da antropologia é a interpretação das culturas, ou seja, a compreensão das múltiplas
formas de organização social e dos significados que elas causam, Geertz – fazendo uma interface com Lévi-Strauss – inclusive problematiza as noções de história cumulativa e estacionária, ao afirmar que a cultura é o que define o homem e que as diferenças culturais devem ser reconhecidas e valorizadas, sendo assim antropologia deve se concentrar na interpretação das culturas, buscando compreender a diversidade cultural e a complexidade das sociedades humanas.
* Lucas Tonaco – secretário de Comunicação da FNU, dirigente do Sindágua-MG, acadêmico em Antropologia Social e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)