*Lucas Tonaco
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Importante começar com um determinado breve resgate histórico, arqueológico e conceitual sobre os conceitos de urbanidade, em síntese, afinal, não se trata aqui de um adensamento conceitual em questões filosóficas da ontologia do urbanismo mas sim de breves observações – começando, cronologicamente, da anterioridade. Para a interseccionalidade e o desenvolvimento mais objetivo, em termos antropológicos, antes mesmo dos historiográficos, é a compreensão da ocupação humana de uma maneira da interação entre homem e suas dinâmicas simbólicas, onde fruto da cultura, as ocupações humanas também são analisadas, sendo então necessária relativização para fugir do etnocentrismo sobre ocupações, e relativizar que um tanto de nossa concepção sobre urbanidade têm marco histórico em civilizações com determinadas características das quais perpetuam em nossa cultura no Brasil, claro, com forte influência europeia devido ao mecanismo de colonização, inclusive epistemológica. Geertz perpassa por Weber ao antropologicamente expor em seu interpretativismo “o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e sua análise; portanto não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa à procura de significados” (GEERTZ, 1978 A, p. 15)”. Há nisso então em síntese que reconhecer que todo nosso fazer antropológico, historiográfico e conceitual possui um lastro etnocêntrico aos quais nos fazem excluir outras formas de signos de ocupações de povos originárias, tão bem também é importante dizer que o que nós resgatamos das urbanidades está conceituado por pesquisas arqueológicas, em sua maioria formada por norte-americanos e europeus e suas “escolas arqueológicas e historiográficas”. Em especial, a arqueologia urbana, o estudo das relações entre cultura material, comportamento humano e cognição num assentamento urbano” (Edward Staski, 1982:97). A relação entre materialidade e cultura material nos remete diretamente à produção tecnológica, e os vestígios arqueológicos do controle de água são fundamentais para o entendimento de quando surge a categoria urbanitária.
Nos registros mais clássicos sobre urbanidade, a datação inicial que é encontrada, é em 4000 a.C, territorialmente na Mesopotâmia e Egito, as primeiras cidades conhecidas, como Uruk e Eridu, que por necessidade hidrográfica, sua geografia surgiram nas margens dos rios Tigre e Eufrates. Estudos arqueológicos oriundos da escavação de Uruk, Ur e Eridu, identificaram complexos sistemas de irrigação e urbanização, em especial, destaca-se o arqueólogo Leonard Woolley.
As cidades egípcias, como Mênfis e Tebas, se desenvolveram com base no controle das águas também, especialmente o controle da água do Nilo, com suas cheias anuais previsíveis o que facilita a agricultura, porém, exige-se produção tecnológica para o controle das águas; Fizeram construção de canais e reservatórios. Estudos arqueológicos em Mênfis e Tebas revelaram a infraestrutura hidráulica necessária para essa organização, incluindo o uso de rampas e sistemas de polias para erguer monumentos como pirâmides e templos, nesses estudos, destaque aqui para o arqueólogo William Flinders Petrie, que desenvolveu inclusive método para reconstituir a sequencialismo dos acontecimentos históricos em culturas antigas, que conduziu escavações em Tebas e Mênfis, e Mark Lehner, que pesquisou a infraestrutura hidráulica associada às pirâmides relacionadas ao rio Nilo.
Avançando cronologicamente adiante, encontra no período 2000 a.C. e 1500 d.C., destaca-se a civilização Maia na Mesoamérica. Em Tikal e Palenque, escavadas por arqueólogos como Sylvanus G. Morley e Alberto Ruz Lhuillier, que acabaram por revelar avançados sistemas de reservatórios e canais. Em termos de desenvolvimento tecnológico urbanitário, os Maias desenvolveram cisternas chamadas chultuns para armazenar água da chuva, crucial em regiões onde os rios eram sazonais. Pesquisas arqueológicas por Takeshi Inomata destacam a complexidade e a eficácia desses sistemas urbanos, evidenciando o avanço tecnológico e organizacional dos maias.
Em Olmeca, entre 1200-400 a.C. na Mesoamérica, destaca-se pelo desenvolvimento de colinas artificiais e sistemas de drenagem subterrânea. Locais como San Lorenzo e La Venta, escavados por arqueólogos como Matthew Stirling e Ann Cyphers, revelaram sistemas complexos para controle da água, essenciais para prevenir inundações e garantir o abastecimento de água potável. Essas obras demonstram um conhecimento avançado de engenharia e planejamento urbano.
Já em 1325, na Mesoamérica. A cidade de Tenochtitlán, fundada sobre ilhas artificiais no Lago Texcoco, é um exemplo notável. Os astecas desenvolveram chinampas (ilhas artificiais para agricultura) e um complexo sistema de aquedutos para trazer água potável para a cidade. Estudos arqueológicos liderados por Eduardo Matos Moctezuma e Michael E. Smith mostram um planejamento urbano avançado e uma infraestrutura hídrica eficiente, destacando a sofisticação dos sistemas de irrigação astecas.
Nos registros mais clássicos sobre urbanidade, entre 1438-1533, destaca-se a civilização Inca nas regiões andinas da América do Sul. Cidades como Machu Picchu e Cusco exibem sofisticados sistemas de irrigação e aquedutos que aproveitavam a água das montanhas. Estudos arqueológicos conduzidos por Hiram Bingham, que descobriu Machu Picchu, e John H. Rowe, que estudou Cusco, revelam técnicas de construção, como o uso de terraços para cultivo em terrenos íngremes e canais de pedra para controlar o fluxo de água. Kenneth R. Wright também contribuiu também com pesquisas sobre os sistemas de gerenciamento de água em Machu Picchu.
Ainda sobre a diferenciação terminológica de “urbanitário”. No início da conceituação a distinção entre conceito limite weberiano, da qual a doxa permeia entre “urbano e cidade” – o dicionário Etimológico Nova Fronteira da Língua Portuguesa Cunha (1982), data-se o vocábulo “cidade”, no século XIII, com ontologia na palavra latina civitas-âtis, diferenciado do latim urbs. Então, “polis,” “urbs,” e “civitas” representam conceitos limites diferentes nas antigas sociedades grega e romana. Enquanto “polis” relaciona a cidade-estado autônoma da Grécia Antiga, inferindo na participação cidadã na vida política, “urbs” foca na estrutura física e em aspectos da grandiosidade urbana de Roma, já “civitas” abrange a comunidade de cidadãos romanos e seus direitos, o que iria inclusive partir a transcendência das fronteiras da cidade para incluir todo o Império Romano.
Trecho do livro em edição – Urbanitários(as) do Brasil: Perspectivas dos setores de água, energia, gás e meio-ambiente
* Lucas Tonaco (autor) – secretário de Comunicação da FNU, dirigente do Sindágua-MG, acadêmico em Antropologia Social e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)