*Lucas Tonaco
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Desde de 1989 com a eleição de Collor, problemas relacionados à filosofia de Estado e a compatibilização com os direitos sociais oriundos da nação surgiram – redução do “Estado”. Com o zeitgeist neoliberal durante anos ainda muito influenciado pelo período de Margareth Tatcher no Reino Unido, Reagan e Bush, nos Estados Unidos e com o autoritarismo neoliberal de Augusto Pinochet no Chile, dois outros fatos a serem memoráveis nas influências de uma tendência ideológica neoliberal adesista no Brasil, era também o fim da Guerra Fria ou marcada pela Queda do Muro de Berlim (1989) e a abertura econômica e política da União Soviética, a Perestroika e Glasnost, o que provou ser seu fim, reforçando uma ideologia de fim história, entre os “gurus” dessa tese se destacava Francis Fukuyama.

Os defensores da tese ideológica do “fim da história” buscavam legitimar o capitalismo, sobretudo o estadunidense e o europeu como os “vencedores”, e outras formas de organização econômica e social como “derrotados”. Tese que devido aos fatos e fenômenos posteriores, se provou inadequada, afinal, as recorrentes crises cíclicas do capitalismo, como a Crise dos Subprimes de 2008, o avanço dos BRICS (Bloco que une Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), o forte avanço da China em áreas de organização social e econômica e questões geopolíticas  as crises da OTAN (Organização do Atlântico Norte) com a Rússia desdobrando inclusive na Guerra da Ucrânia (2022), dentre outras inúmeras variáveis.

O governo Collor já adere de maneira rápida a estética e o arranjo de gestão pública pautado principalmente na dita “redução do Estado” com a premissa retórica de “agilizar e desburocratizar” a administração pública e tornar o Estado mais eficiente, isso tudo seria sintetizado no “Plano Brasil Novo” ou como popularmente ficou conhecido, no “Plano Collor”, e dentro as diretrizes de Collor, o  Programa Nacional de Desestatização (PND).

O Programa Nacional de Desestatização (PND) tinha como objetivo redefinir o papel estratégico do Estado, transferindo atividades do setor público para o setor privado. Em menos de um mês, a MP 155 foi transformada na Lei 8.031/90, oficializando o PND.Para gerenciar o PND, foi criada uma Comissão Diretora diretamente subordinada ao Presidente da República. Os membros dessa comissão eram indicados pelo Presidente e aprovados pelo Congresso Nacional. A comissão tinha 15 competências principais, entre elas:

(I) Sugerir ao Presidente as empresas que deveriam ser incluídas no PND.
(II) Apresentar ao Presidente o cronograma do PND.
(III) Coordenar, supervisionar e fiscalizar o PND.
(IV) Aprovar a destinação dos recursos provenientes das vendas.
(V) Propor ao Presidente uma instituição pública para administrar o Fundo Nacional de Desestatização.

Sobre a última competência, é importante destacar a criação do Fundo Nacional de Desestatização (FND), que passou a ser o titular de todas as ações das empresas incluídas no PND anteriormente detidas pela União. O BNDES foi designado como gestor do FND, tendo já participado de alguns processos de privatização na década de 80.

Os processos de privatização foram feitos da seguinte forma: o BNDES escolhia, mediante licitação pública, duas firmas de consultoria, a primeira era responsável pela avaliação da empresa e a recomendação de um preço mínimo de venda (Serviço A), já a segunda realizava não só as mesmas atividades da primeira, como também analisava os obstáculos à privatização, indicava possíveis soluções, identificava potenciais investidores, sugeria a forma de venda e era responsável por operacionalizar grande parte do processo de privatização (Serviço B). Além disso, havia uma firma de auditoria responsável pelo acompanhamento de todo o processo, que tinha como objetivo emitir um relatório completo das atividades, dando total transparência aos procedimentos. Isso auxiliava na prestação de contas aos demais órgãos do Estado, já que os processos de privatização eram acompanhados por um subcomitê da Câmara dos Deputados, do Judiciário e do Tribunal de Contas. Durante o Governo Collor (1990 a 1992) foram incluídas 68 empresas no PND, sendo que somente 18 foram desestatizadas, gerando uma arrecadação total de US$ 4,0 bilhões aos cofres públicos e mais US$ 1,3 em transferência de dívida. Nesse período, foram privatizadas empresas como a Usiminas, Acesita e Fosfértil. Pode-se dizer que o PND durante o Governo Collor não obteve o sucesso almejado, sendo muito prejudicado pelo contexto econômico desfavorável, com elevada inflação, alto endividamento externo e o famigerado confisco da poupança. Tudo isso tornava o risco de investir no Brasil cada vez maior, afastando investidores externos e prejudicando os potenciais compradores.

A contradição se dá, mais uma vez, é que nos anos 90, o Brasil tinha uma complexificação econômica vindoura devido aos setores econômicos estratégicos aos quais as estatais se inseriram – setor energético, comunicações e setores urbanitários, conforme conforme tabelas localizadas em um estudo do IPEA ( Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), e anexadas, cuja fonte foi o FGV 500 de 1990 (Ranking da Fundação Getúlio Vargas das 500 Maiores).

EMPRESANATUREZASETORVendasP. Liq.Imob.
PETROBRÁS DISTRIBUIDORAFEDERALComércio6639345114
TELESPFEDERALComunicações177916291791
EMBRATELFEDERALComunicações166717071768
TELERJFEDERALComunicações70561778
TELEMIGFEDERALComunicações444303397
CRTFEDERALComunicações367329475
TELEPARFEDERALComunicações363355409
TELEBAHIAFEDERALComunicações251156337
TELESCFEDERALComunicações165149185
TELEBRASILIAFEDERALComunicações161152175
CIA. TELEF. BORDA CAMPOFEDERALComunicações???
ELETROBRÁSFEDERALServ. ind.util.públ.21951315721
TELEBRÁSFEDERALComunicações1718583356
PETROBRÁSFEDERALExtr.mineral1594458183620
CVRDFEDERALExtr.mineral216024302130
USIMINASFEDERALMetalurgia1616464881
CSNFEDERALMetalurgia15955442581
COSIPAFEDERALMetalurgia123823683888
ACESITAFEDERALMetalurgia571170258
AÇOMINASFEDERALMetalurgia48411291370
CSTFEDERALMetalurgia48311782375
COPESULFEDERALQuímica810557544
PETROQUÍMICA UNIÃOFEDERALQuímica578427449
PETROQUISAFEDERALQuímica38919651
PETROFLEXFEDERALQuímica339114110
ULTRAFÉRTILFEDERALQuímica260129105
NITROFÉRTILFEDERALQuímica2256195
FOSFÉRTILFEDERALQuímica202143153
CESPEST. (SP)Serv. ind.util.públ.275814464814
CEMIGEST. (MG)Serv. ind.util.públ.163011812108
SABESPEST. (SP)Serv. ind.util.públ.147028295054
CIA. PAULISTA FORÇA LUZEST. (SP)Serv. ind.util.públ.993583835
CIA. ESTAD. EN. ELETR.EST. (RS)Serv. ind.util.públ.9221461060
COPELEST. (PR)Serv. ind.util.públ.8125491006
CHESFFEDERALServ. ind.util.públ.77918723328
ELETROSULFEDERALServ. ind.util.públ.6909711388
CEDAEEST. (RJ)Serv. ind.util.públ.649236543
CELESCEST. (SC)Serv. ind.util.públ.562197256
CERJEST. (RJ)Serv. ind.util.públ.38672157
CELPEEST. (PE)Serv. ind.util.públ.36297136
CELGEST. (GO)Serv. ind.util.públ.31614941
COPASAEST. (MG)Serv. ind.util.públ.30641704
ESCELSAFEDERALServ. ind.util.públ.276149179
SANEPAREST. (PR)Serv. ind.util.públ.253236509
COELCEEST. (CE)Serv. ind.util.públ.24051124
CELPAEST. (PA)Serv. ind.util.públ.19992206
CEBEST. (DF)Serv. ind.util.públ.1957103
CEGEST. (RJ)Serv. ind.util.públ.1874958
ELETROPAULOFEDERALServ.ind.util.públ.360651676519
FURNASFEDERALServ.ind.util.públ.289816345649
LIGHTFEDERALServ.ind.util.públ.4273074109
R. FERROV. FEDERALFEDERALTransportes97134155256
CBTUFEDERALTransportes6025371497
FEPASAEST. (SP)Transportes4376302883
INFRAEROFEDERALTransportes3932419
DOCENAVEFEDERALTransportes233334111
METROEST. (SP)Transportes18117082271
  • Ranking da Fundação Getúlio Vargas das 500 Maiores 1990
  • Vendas, Patrimônio Líquido e Imobilizado em milhões de U$$ á época (1990)
  • Serviços de Infraestrutura de Utilidade Pública (Serv. ind.util.públ.)

Gráfico – Participação por Natureza (Federal ou esfera Estadual)

 Gráfico – Participação por Natureza (Federal ou esfera Estadual) no setor Urbanitário

  Gráfico – Participação por Setor Vendas(Azul), Patr. Líquido(Laranja)  e Imobilizado (Cinza)

O setor de Serviços de Infraestrutura de Utilidade Pública (Serv. ind.util.públ.), que nada mais é do que o setor urbanitário se destacava como o mais pujante e significativo relativizado com o da Extração Mineral (Petrobrás) e outras mineradoras, e com o do dentre as empresas públicas listadas na tabela, com 56 empresas representando aproximadamente 70% do total. Essa hegemonia demonstra a importância estratégica do setor para o desenvolvimento do país na época, com a presença marcante do Estado na provisão de serviços essenciais à população. Em termos de vendas: as empresas do setor registraram R$ 163.444 milhões, o que corresponde a 78,5% do total das vendas das empresas públicas, na época, em termos de fluxo, significa que quase quatro de cada cinco reais gerados pelas empresas públicas em 1990 vieram do setor de Serv. ind.util.públ. (Urbanitário). Essa concentração evidenciava a relevância econômica do setor, que era responsável por impulsionar o crescimento do país e atender às necessidades básicas da população.

Em relação ao patrimônio líquido: as empresas do setor detinham R$ 118.924 milhões, o que representa 83,3% do total do patrimônio líquido das empresas públicas. Esse valor significativo demonstra a solidez financeira do setor, que era um dos pilares da economia brasileira na época. A concentração do patrimônio líquido indica que o Estado investia recursos consideráveis no setor de Serv. ind.util.públ., reconhecendo sua importância para o desenvolvimento do país.Em termos de patrimônio, as empresas do setor possuíam R$ 109.012 milhões em imóveis, o que corresponde a 83,7% do total do valor dos imóveis das empresas públicas. Essa quantia substancial demonstra a grande extensão da infraestrutura do setor, que era fundamental para a prestação dos serviços essenciais à população.A concentração dos imóveis indica que o Estado detinha o controle da infraestrutura do setor de Serv. ind.util.públ., garantindo a qualidade e a eficiência dos serviços prestados.

No setor elétrico urbanitário, em termos de geração: a CESP se destacava como a maior empresa de geração de energia elétrica do estado de São Paulo, com foco em hidrelétricas e eólicas. Sua posição estratégica a colocava como um dos principais fornecedores de energia para a região sudeste do país.A FURNAS, por sua vez, era uma empresa estatal federal de grande porte, responsável por usinas hidrelétricas e termelétricas em todo o país. Sua atuação nacional a tornava peça fundamental na matriz energética brasileira.CHESF a CHESF, como Companhia Hidrelétrica do São Francisco, concentrava suas operações em hidrelétricas na região Nordeste, aproveitando o potencial do Rio São Francisco. Sua relevância era crucial para o abastecimento de energia na região.A ELETROSUL, também uma empresa estatal federal, era responsável por usinas hidrelétricas e termelétricas na região Sul. Sua atuação garantia o suprimento de energia para os estados da região, impulsionando o desenvolvimento local.A ESCELSA, empresa de geração de energia elétrica do Espírito Santo, tinha foco em hidrelétricas e térmicas. Sua importância regional era fundamental para atender à demanda por energia no estado.A COELCE, como Companhia Energética do Ceará, era responsável pela geração e distribuição de energia elétrica no estado do Ceará. Sua atuação integrada a tornava um player crucial no setor energético local.A CELPA, Companhia de Eletricidade do Pará, concentrava suas operações em hidrelétricas na região Norte, aproveitando o potencial dos rios da região. Sua relevância era essencial para o desenvolvimento da Amazônia.A CEB, como Companhia Energética de Brasília, era responsável pela geração e distribuição de energia elétrica no Distrito Federal. Sua atuação local garantia o suprimento de energia para uma região que estava em plena expansão.

No setor urbanitário de saneamento básico tinha conotações para a importância crucial para a saúde pública e o desenvolvimento social em um Brasil desigual que estava em plena expansão das áreas urbanas. A CEDAE, como Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro, era a maior empresa de saneamento do país em termos de receita, atendendo a uma população de cerca de 5 milhões de pessoas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. A SABESP, Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, era a segunda maior empresa de saneamento do país, atendendo a uma população de cerca de 15 milhões de pessoas na Região Metropolitana de São Paulo. A COPASA, Companhia de Saneamento de Minas Gerais, era a terceira maior empresa de saneamento do país, atendendo a uma população de cerca de 8 milhões de pessoas em Minas Gerais.  A SANEPAR, Companhia de Saneamento do Paraná, era a quarta maior empresa de saneamento do país, atendendo a uma população de cerca de 3 milhões de pessoas no Paraná. Além das quatro maiores, o setor de saneamento era composto por diversas outras empresas regionais e municipais, responsáveis pelos serviços de água potável e coleta de esgoto em diferentes localidades do país. As empresas de saneamento presentes na tabela representavam 14,3% do total das empresas públicas mais valiosas em 1992. Em termos de vendas, o setor de saneamento era responsável por 7,1% do total das vendas das empresas públicas. No que diz respeito ao patrimônio líquido, o setor de saneamento detinha 5,8% do total do patrimônio líquido das empresas públicas. Em relação aos imóveis, o setor de saneamento possuía 4,9% do total do valor dos imóveis das empresas públicas. O setor de saneamento básico no Brasil em 1990 enfrentava diversos desafios, como, baixa cobertura dos serviços: uma parcela significativa da população ainda não tinha acesso à água potável e à coleta de esgoto, principalmente em áreas rurais e comunidades de baixa renda. Investimentos insuficientes: a falta de recursos financeiros limitava a capacidade das empresas de expandir a rede de serviços e melhorar a qualidade da infraestrutura, mesmo assim conseguiu promover avanços de cobertura de um serviço extremamente essencial.

A problemática se deu, posteriormente na deterioração de planos estratégicos de longo prazo para o estímulo a complexificação econômica do setor de infra-estruturas (urbanitários), principalmente Governo Fernando Henrique Cardoso (1994 – 2002), que devida composição do capital internacional na estrutura dessas empresas e do capital especulativo, começou, devido variáveis ligadas a adesão do projeto neoliberal conjuntamente com as reformas exigidas pelo FMI (Fundo Monetário Internacional) e também avanço do capital predatório sobre os setores citados acima. A ideologia neoliberal, avançou a ponto de setores da imprensa brasileira também instaurarem um locus de adesão às narrativas de “reforma, austeridade e eficiência da gestão privada”, tão quanto também o interesse de conglomerados do mercado financeiro nacional avançarem em fatias dessas empresas públicas. A agência das privatizações em termos de partidarismo se deu também no ideário econômico de derivações a direita e a guinada dos partidos de centro-direita a essa adesão – setores do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), na inserção municipalista e mais agressivamente o PFL (Partido da Frente Liberal) e do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira). O segundo momento, se deu com o avanço profundo do capital financeiro especulativo, especialmente em bolsa de valores, como é no caso do início do lançamento de IPO’s (Initial Public Offering), direcionando essa empresas para a gramática do Driven by Investors – criando dialogicamente conglomerados monopolistas, fazendo com que a concentração de lucro não sendo reinvestido ou não complexificando outras empresas dos setores ajudasse a moldar uma retórica dupla, em que esses mesmos setores defendiam as privatizações como forma de estímulo à competição, quando na verdade, há elementos suficientes para alegação de que além de menos estímulo e não competitividade, as privatizações promovem é mais concentração de lucros, menos investimentos nos setores urbanitários gerando maior indisponibilidade de renda da população pela alta do preço dos serviços, menos estímulo a complexificação e a industrialização e maior perda dos salários e direitos trabalhistas para os funcionários do setor urbanitário. Toda a narrativa recente sobre os defensores das privatizações, se baseia também nesse processo dos anos 90.

Trecho do livro em edição – Urbanitários(as) do Brasil: Perspectivas dos setores de água, energia, gás e meio-ambiente

Lucas Tonaco (autor) – secretário de Comunicação da FNU, dirigente do Sindágua-MG, acadêmico em Antropologia Social e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Gráfico – Participação por Setor Vendas(Azul), Patr. Líquido(Laranja)  e Imobilizado (Cinza)