Artigo: Lucas Tonaco*
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A COPASA, mesmo com toda retórica da “necessidade de privatização” e adequações após modificações no cenário legal e regulatório, especialmente o “Novo Marco do Saneamento” (14.026/2020), apresentou em junho de 2024, as tais  avaliações da Fitch e da Moody’s, com o escopo no elogio por sua capacidade de gerar caixa operacional robusto por manter uma baixa alavancagem e implementar reajustes tarifários que garantem, em tese sua saúde financeira. Para além de uma simples perspectiva de como operam as agências de rating, do seu papel contraditório ou do histórico das cegueiras deliberadas de algumas dessas agências – discussão que ganhou vigor após a Crise dos subprimes de  2008 – fazem com que no final das contas, o metacapitalismo promovido pelas narrativas de negócios que são estruturados no drive by investor, onde no final das contas, tudo se trata da lógica gerencialista de negócios que operam em mercados supostamente competitivos com objetivo principal é a maximização do lucro e a satisfação dos acionistas. Mas, do que se trata a COPASA para além da engenharia financeira atual, que promove, o direcionamento em três mantras: altos dividendos, controle da margem de EBITDA (especialmente na redução de custos) e uma retórica de “governança” que supostamente agrada a retórica do mercado, existe uma discussão essencial – para além de tudo da lógica da financeirização, a COPASA, é empresa pública de saneamento, que tem uma responsabilidade social significativa: assegurar que todos os cidadãos tenham acesso a serviços de água e esgoto adequados, independentemente da rentabilidade financeira desta operação e centralizar políticas públicas de universalização do saneamento em Minas Gerais.

A universalização dos serviços de saneamento no Brasil exige investimentos maciços em infraestrutura, especialmente em áreas rurais e periferias urbanas onde os serviços são frequentemente inadequados ou inexistentes, e também da inserção da inclusão no combate às assimetrias regionais do Estado de Minas Gerais, onde regiões mais vulneráveis economicamente, onde a incidência de Tarifa Social chega a quase 50% – especialmente noroeste e nas regiões do Vale do Jequitinhonha, onde neste caso opera sua subsidiária, COPANOR.

Uma observação interessante, é que a  Fitch destaca que a Copasa deverá manter uma margem de EBITDA elevada e uma geração operacional de caixa crescente, o que sugere uma capacidade de investimento robusta mas mantendo os custos gerenciais controlados a ponto de surgir a contradição do avanço das terceirizações na empresa, no último resultado, inclusive, os gastos com terceirizados, que saltaram 14,9%, para R$ 181,9 milhões – ao mesmo tempo em que se coloca como um dos fundamentos econômicos centrais a temporalidade de seus prazos concessionários contratuais, de 35 anos, a crítica política que se faz nos municípios e no ecossistema midiático é exatamente na prestação de serviços terceirizados – desde de obras com cronogramas questionáveis até recomposição de asfalto até prazos de atendimento e qualidade do mesmo, mais uma vez – uma política de gestão de custos que não visa o aprimoramento da qualidade na prestação dos serviços, é sempre algo contraprodutivo, até porque além da qualidade questionável, a produtividade baixa, a alta rotatividade e a falta de uma política de longo prazo na colocação das terceirizações nas políticas públicas de universalização do saneamento, por si só, já é questionável. Demissões também são premissas importantes no discurso da redução dos custos, afinal, as atuais demissões da COPASA foram promovidos de forma irracional atualmente e que são questionadas judicialmente, podendo em sua reversão ter como produto um alto questionamento sobre a perspectiva errônea da COPASA do tema 1022 e da garantia de emprego.

A Moody’s aponta a “adequada estrutura de governança corporativa” da COPASA como um mitigador do risco de interferência política, o que se quer dizer quando diz sobre interferência política? Aliás, qual política? Até porque, em diretrizes gerais o que supõe como “interferência política”? A ideologia neoliberal da financeirização já é um tipo de política, ou para além disso: recentemente na Conselho de Administração da COPASA ou mesmo em seus quadros internos foram colocados indivíduos diretamente ligados à política institucional do atual governo de Minas Gerais ou dos aliados: assessor que tinham vinculações partidárias anteriores, inclusive sendo eleito para deputado federal, o caso de Charlles Evangelista, na assessoria de relações institucionais, ou o caso do Chefe de Gabinete da Presidência, João Luiz Andrade com histórico na FIEMG, esta, uma aliada na retórica política com vários quadros no governo de Minas Gerais. Como conselheiros recém empossados, Carlos Alexandre Jorge da Costa, um dos nomes de transição do governo Bolsonaro na economia e que foi secretário em Ministério de Paulo Guedes, outro nome ligado a questões políticas do governo de Minas Gerais, é Gustavo de Oliveira Barbosa, que foi Secretário da Fazenda do Rio de Janeiro e também do governo de Minas Gerais, bastam quatro nomes supracitados para explicitar a contradição da alegação de “não interferência política” e basta uma simples análise de locus para percepção de que não há nada fora da política.

Manter caixa e aplicações financeiras acima da dívida de curto prazo, como destacado pela Fitch, é uma estratégia prudente puramente do ponto de vista financeiro, mas essa abordagem pode entrar em conflito com a necessidade de realizar investimentos urgentes em infraestrutura de saneamento ou com a necessidade de investimentos urgentes bem como também atualização do cenário regulatório nas tarifas ajustadas para manter a saúde financeira da empresa que podem tornar os serviços inacessíveis para as populações de baixa renda, exacerbando desigualdades e comprometendo o objetivo de universalização dos serviços, como citado acima.

Outras contradições estão no planejamento dos debêntures atuais, que serão para além de bilhões de reais, também no recente empréstimo da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), de 200 milhões Euros, um tanto propagandeado na agenda de sustentabilidade – claro, há uma lógica de captação a juros baixos (juros europeus), mas o interessante é que ideologicamente há quadros na COPASA que não são críticos nem a atual taxa de juros absurdas do Brasil, mas que para captação de recursos de uma engenharia financeira de driven by investor visando a sustentabilidade das altas retiradas de dividendos. Como se não bastasse, o “empréstimo azul” da COPASA é aliada a agenda ESG, mas ESG não seria também o contexto de valorização dos atuais trabalhadores, maior imersão no combate a prática de desigualdades sociais mais focadas em políticas públicas das regiões mais vulneráveis e a sustentabilidade de ações que visam o combate a desigualdades internos na própria COPASA?  Todo modo, há contradições demais.

Internacionalização da financeirização e sustentabilidade concessionária

Uma saída recente da COPASA nos embates do processo de encampação em Patos de Minas, foi o estabelecimento de uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) visando uma agência intermunicipal e a saída de regras isonômicas sob o manto regulatório da ARSAE e a moda pegou: descontos imediatos e adiantamento de recursos  soam bem aos ouvidos dos gestores municipais. Mas, quando se trata da manutenção das concessões da COPASA, há algo a ser dito que lida exatamente com questões da configuração de investidores da COPASA: a internacionalização dos investimentos.

Ao longo dos anos, devido aos fundos de pensão de trabalhadores europeus, canadenses e norte-americanos aplicarem em negócios do dito “terceiro mundo”, especialmente em infra-estruturas com prazos concessionários longos, tornando o Estado sócio, afinal, no capitalismo é necessário segurança jurídica, que gera previsibilidade e fidúcia, outro fenômeno, que neste caso é previdenciário, é interessante: neste países, não há uma cultura de poupança pública estatal e sim, privados e por não terem a renda comprometida totalmente – como é no caso de países de “terceiro mundo”, há excedentes de renda média o suficiente para investimentos nestes fundos – um tanto dada a configuração da classe média nesses países – ou seja, o perfil de investidores de longo prazo destes fundos de pensão e seus contratos, vão fazer uma determinada previsibilidade e segurança da qual uma empresa pública pode para além de gerar altos dividendos, garantir a dita “aposentadoria” destes mesmos investidores.


Fonte: https://ri.copasa.com.br/governanca-corporativa/composicao-acionaria/

Para além de qualquer leitura sobre Teoria Marxista da Dependência, dualismos, extração do excedente e da dependência e divisão internacional do trabalho, uma coisa é interessante nessa contradição:

1) A maior fatia atual dos acionistas minoritários na COPASA, é de estrangeiros, chegando a deter praticamente um terço da companhia.

2) A concentração e disparidade do capital é absurda, chegando a estar concentrada na mão de 337 acionistas contra 156.493 nacionais, que detém 21,77% da companhia.

3) Um suposto não alinhamento a políticas de longo prazo, panoramas privatistas e qualquer tipo de instabilidade no cenário regulatório ou político que faça essas políticas de investidores em “longue durée” – é contrário aquilo que estes investidores e seu perfil, provavelmente esperam.

4) O elogio da não interferência política, pode inclusive ser um objeto claro de contradições, onde o perfil privatista e utlra-liberal do atual governo do estado, que frequentemente ameaça privatizações, gera.

5) Juros baixos lá fora, ao mesmo tempo em que contraditoriamente aumenta a atratividade de investimentos aqui também fomenta uma política de emprestimos cada vez mais recorrentes a fundos europeus, estes, inclusive, cobram políticas de inclusão e sustentabilidade, principalmente na valorização de direitos sociais e humanos. É possível pensar que a COPASA ao promover demissões e o aumento de mão de obra precária terceirizada, caminha completamente nesta direção? Isso em um cenário onde a extrema-direita e a extrema-esquerda europeia se centra na questão trabalhista, inclusive. E como fica a relação dos fundos de pensão que investem dinheiro de trabalhadores financiarem redução de direitos de outros trabalhadores? E as relações das agências de investimentos realmente estão cientes das verificações de ESG que visam a promoção de mais direitos trabalhistas, sociais e humanos?

A conclusão que se chega, é que saneamento público têm um limite com relação a engenharia financeira ou redutos dos discursos de financeirização do saneamento, e que mesmo com fundamentos supostamente corretos e com métricas de mercado supostamente saudáveis, há sempre que se dizer o óbvio: pensar em longo prazo no saneamento é optar por entender um cenário onde a influência política deve se traduzir em políticas públicas de maior investimento em curto prazo e médio prazo, menos dividendos, políticas de menos concentração de renda e mais universalização, principalmente para os mais vulneráveis.

Lucas Tonaco – secretário de Comunicação da FNU, dirigente do Sindágua-MG, acadêmico em Antropologia Social e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)