Lucas Tonaco*
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Quando o assunto é privatização, o argumento (falacioso) é que a população vai ser melhor atendida porque vai acontecer a concorrência, ou seja, no fundo a mensagem que o governante ou defensor de privatizações quer dizer é: “quem oferecer melhor serviço e com melhor preço, leva”, porém, esqueça – competição e concorrência não existem da maneira em que essa narrativa se dá, até porque o capital se envolve na medida em que é rentável seguido por sua bússola maior: o lucro, sempre. Agora, com competidores minguando, cada vez menos interessados na propalada “concorrência”, ficou óbvio, que de fato não haverá concorrência pois não existe competição com um player só, como gosta de dizer o mercado.
Segundo matéria divulgada pelo Estadão,no dia 27 de Junho de 2024, a Equatorial é a única a formalizar proposta pela Sabesp em privatização, literalmente. E essa é a piada de mal gosto e paradoxal que revela a farsa das privatizações: não houve concorrência. Isso explicaria quatro questões:
1) O governador Tarcísio, que não tem nenhum projeto econômico pujante a não ser a privatização da SABESP e, com isso, rezar a cantilena do Deus mercado – com finalidades eleitorais óbvias – de aglutinar os campos da direita e da extrema-direita em 2026, teve que sair para fora do Brasil recentemente para procurar investidores – faço ressalvas aqui com relação a estes instrumentos de financeirização de saneamento que eram potenciais, os ditos private equity, especialmente no Brasil, a IG4 Water, Canada Pension Plan Investment Board (CPPIB) e Alberta Investment Management Corporation (AIMCo). Portanto haveria nessa procura de Tarcísio em si, sintomas do fracasso da privatização.
2) A Equatorial, é um grupo novo no ramo de saneamento conforme matéria da Folha de São Paulo do dia 27 de Junho de 2024 e sim, pode causar perplexidade que novatos no ramo tenha agora a possibilidade de prestarem saneamento para área mais densamente povoada com desafios imensos, anulando aí qualquer tipo de argumento que a privatização irá modernizar e tornar as coisas mais eficientes – ao contrário: é a Equatorial, que com seus menos de dez anos de existência prestando saneamento em áreas onde a mesma não conseguiu comprovar êxito algum no alastramento da universalização do saneamento (tão exigido pela Lei 14.026 – Novo Marco do Saneamento) é que deveria aprender com os 50 anos de existência da SABESP, que realmente fez o saneamento estrutural em São Paulo.
3) Outro problema grave com relação a Equatorial é o histórico de associação da mesma com um grupo que recentemente foi envolvido no maior escândalo da história do capitalismo no Brasil: a fraude nas Americanas. Lehman – que nem no Brasil mora – com a 3G Capital, e seus “amigos”, que controlaram durante muito tempo as Americanas decidiram que investir em infraestrutura dá dinheiro, afinal, pessoas precisam de energia e água, mas o histórico do envolvimento do grupo mesmo na Eletrobras – que fez aumentar o preço da energia para os brasileiros – e que segundo matérias veiculadas na imprensa brasileira em 2023, um áudio revelou que Grupo 3G, de Lemann, é controlador oculto da Eletrobras, que como o dito anteriormente, deu a maior e mais dura derrota para o setor elétrico da história do Brasil.
4) A Equatorial é líder em reclamações no Procon, conforme estudo levantado “A Tribuna Hoje”, o que leva necessariamente os paulistas às reflexões: já não basta a ENEL para terem um péssimo e caro de serviços e energia, agora querem o mesmo para a água? Enfim, é uma questão de reflexão com o cotidiano.
No final das contas, rejeitada a concorrência, um tanto por diversos por fatores, principalmente devido às notícias recentes sobre a decisão do STJ que envolve segurança jurídica e de investimentos, está mais que óbvio que a privatização da SABESP é além de tudo um péssimo negócio, principalmente para o povo, que com a Equatorial poderá ter um serviço bem pior e muito mais caro, mas há aí algo interessante a ser analisado – em artigo intitulado de BTG, Iguá e Aegea: o que está por trás do mercado da água no Brasil, é evidenciado nos parágrafos finais, um ano atrás, que o financismo teria uma ponta de lança com o BTG mas também um limite evidente – o deste mesmo financismo em arriscar o capital sem uma configuração adequada do oligopólio do saneamento privado no Brasil, e que um dos caminhos seria a manutenção de margens em uma engenharia financeira quase suicida contra o capital dos fundos transnacionais e que envolve necessariamente retrocessos sociais, sanitários, econômicos e trabalhistas para a engenharia financeira de risco:
“Outros sintomas da formação deste suposto monopólio privado seria a compra da CORSAN pela AEGEA, questionada em diversas instâncias, inclusive no TCE-RS e o recém leilão de bloco da SANEPAR, todas as estas ações, em sua maioria com alta tendência financeirização e a tática da Iguá, assim como da Aegea é quase a mesma da Equatorial (Grupo 3G) – redução de EBITDA e aumento de tarifas ou seja: transformar tudo em demissões, reduções de salários, aumento da conta para a população, nada de novo no front além do velho atraso de nossas elites, com o discurso de que para “promover a universalização e a concorrência”, quer-se mesmo é evitar a concorrência inclusive do Estado, que é o grande promotor de políticas públicas”
Não há então, outra conclusão senão que o processo de concorrência na verdade foi uma farsa, e que o valuation da SABESP, ações, tag along e todos os instrumentos nessa tentativa de simulacro de privatização concorrencial deverão ser questionados no Conselho Administrativo de Defesa Econômica, pois não se trata de uma simples privatização em modelo de concorrência minimamente justo, e claro, também na Comissão de Valores Mobiliários, Tribunal de Contas do Estado, Tribunal de Contas do Município, Defensoria(s) Pública(s) e Ministério(s) Público(s) por óbvio também em outras instâncias judiciárias.
PS 1: a cereja do bolo se dá também em uma conferência que o ONDAS (ONDAS – Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento) fará revelando um importante estudo sobre outros aspectos contraditórios dessa questão.
PS 2: para se entender como a dinâmica das expectativas de mercado não têm tantas fundamentações em bases econométricas tão sólidas ou racionais como o dito e que há um bias factor (que oscila em hora wishful thinking ou hora tentativa de profecia auto-realizável), segue abaixo uma análise de como o “mercado” já precifica seus riscos, na medida em que na verdade não equaliza tão bem seus ganhos. Desvalorização na SABESP, com essa jogatina também, é no fundo, desvalorização do patrimônio do povo.
* Lucas Tonaco – secretário de Comunicação da FNU, dirigente do Sindágua-MG, acadêmico em Antropologia Social e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)