Lucas Tonaco*
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Não há necessidade de temer ou ter esperança, mas apenas de procurar novas armas
DELEUZE, Gilles – Post-Scriptum sobre as Sociedades de Controle (1990)

Surpresa para alguns, nem tanto para outros e sem dúvida um alívio para todos aqueles que querem ainda um projeto de sociedade fundamentada em parâmetros de direitos sociais e direitos humanos – o afastamento do projeto de extrema-direita no Reino Unido e na França, e com liderança de agrupamentos de esquerda e centro-esquerda. Uma das grandes discussões que surgem, é a inflação de preços de produtos e serviços, claro, há várias fatores que influenciam nisso, mas se tratando de saneamento, o preço da água aumentou devido às privatizações – feitas em governos de direita com a cartilha neoliberal – que agora, os que não reestatizaram, estão prestes a faze-lô.

O primeiro caso é o da França, que devido a discussões à esquerda, decidiu criar uma empresa pública em 2009, a Eau de Paris, para substituir duas concessões privadas que assumiram desde de 1984 o serviço de água, neste período de reestatização, Paris tinha como prefeito Bertrand Delanoë (Parti Socialiste – PS), o resultado foi evidente: as contas chegaram a abaixar mais de 20%, o controle e a participação popular melhorou e agora um dos carros chefes para a propaganda dos Jogos Olímpicos de Paris, em 2024 é a despoluição do Rio Sena. Não fossem as medidas contra a privatização, uma ideia praticada e elevada pela esquerda francesa, que agora não só liderou uma grande coalizão contra a extrema-direita, e que estará em evidência nacional, com líderes anti-privatistas Jean-Luc Mélenchon  – que explicitamente batalha pela água ser um bem comum e não mercadoria – terá como inclusive dizer o óbvio: privatização é a contramão quando o assunto é benefícios para populações, principalmente na preservação, qualidade do serviço e preço da tarifa de água, portanto, França agora terá como líderes, inclusive com o discurso endossado nas urnas, aqueles que outrora fizeram e fazem o discurso contra as privatizações pois na teoria e na prática foi e é comprovado o desastre das privatizações do saneamento, e o povo parece cada vez mais saber disso.

O outro caso, recente, é com relação ao Reino Unido: com uma vitória histórica nunca antes vista, com 410 assentos, o Partido Trabalhista, de centro-esquerda, resultou em Keir Starmer como primeiro-ministro britânico. Um dos pontos na eleição no Reino Unido, assim como na França era também inflação de bens e serviços, e eis aqui um ponto interessante na discussão  sobre saneamento: o preço das contas de água (tarifas), aumentarão até 40% até 2030, afinal, o descontrole da iniciativa privada no saneamento em Londres, a Thames Water, fez além de uma grande má gestão épica envolvendo até mesmo paraísos fiscais e excesso de financeirização uma dívida que chega 14 bilhões de libras, isso fez com que o parlamento discutisse abertamente a reestatização via nacionalização do saneamento em Londres, e inclusive desde de 2023, a na própria imprensa britânica sinais de que Keir Starmer vai sim prosseguir contra a privatização do saneamento e a expectativa permanece para que faça isso, afinal, faz todo sentido pois além na redução absurda no preço da água e maior qualidade, vai resolver muitos problemas de uma vez só – dentre eles, uma determinada herança maldita do neoliberalismo de Tatcher, que promove redução de direitos, aumento de preços após as privatizações e uma sensação de piora na qualidade de vida dos britânicos.

É evidente, que as derrotas recentes da extrema-direita darão luz a um debate necessário: o mundo caminha para as reestatizações dos serviços essenciais, especialmente os lugares onde já se sofreu com as experiências das privatizações, tanto no Reino Unido quanto na França, está explícito e comprovado um desejo da população por políticas públicas pautadas na melhoria na qualidade de vida e no controle popular e isso passa pela redução de preços de tarifas de bens essenciais, como água e energia, portanto, necessariamente o caminho por lá foi a discussão sobre qual é o projeto político que emanam isso, as urnas e o povo, apoiam portanto, líderes, discursos e programas não apenas contra as privatizações, mas também aqueles que reestatizam, que buscam por reverter os danos imenso feitos pelo neoliberalismo, sobretudo para as populações mais pobres e mais ainda quando se trata do bem mais essencial de todos: água.

Lucas Tonaco – secretário de Comunicação da FNU, dirigente do Sindágua-MG, acadêmico em Antropologia Social e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)