Lucas Tonaco*
___________________

O real não é apenas o que pode ser reproduzido, mas aquilo que já está reproduzido, o hiper-real.
Jean Baudrillard – Simulações (1983), Nova York: Semiotexto, p. 146

Um grande aumento em terceirizações, a manutenção das concessões já vigentes, demissões, não realização de concursos e outros fatos rondam a COPASA, mas todos esbarram em uma questão central: até quando, como e porquê, as terceirizações permanecerão em ascendência? Afinal, nos últimos anos há uma tendência absurda sobre esse indicador, porém, dada a contradição óbvia: anda custando caro, inclusive em termos de imagem para a COPASA os serviços terceirizados, e isso têm impactos que são contraditórios para o interesse do próprio capital.

Muito se diz sobre “produtividade pessoal” ou questões relacionadas aos “discursos da eficiência”, tudo para justificar fundamentalmente três coisas: demissões, terceirizações ou implementações tecnológicas que também visam formas de automação. A relação entre “novidade”, “inovação”, “reestruturação” ou “readaptação”, é práxis permanente no discurso sobre performance na semântica do desempenho, muito além da simples concepção da mais-valia, o culto a extração máxima e desempenho necessário para a “concorrência”, se acirra e tudo é justificado de forma tautológica: a produtividade justifica a concorrência e a concorrência é prestigiada por aqueles que são mais produtivos, como em uma teoria maussiana sobre dádiva e dívida, especialmente na COPASA e em outras companhias nos tempos atuais, onde justifica-se tudo com esse mito, especialmente usando a “14.026 (2020) e a exigência das adequações”, mas, essa narrativa só se sustenta pois oculta em si próprio as falácias mais elementares de todas as quais com perguntas bastante simples podem ser desfeitas – começando pela inserção clássica popperiana em termos epistemológicos para ciências sociais: até onde é possível medir um fenômeno? Ou, até onde há fronteiras entre o quantificável?

Perguntas mais que necessárias, afinal, no capitalismo financeiro o que não há de faltar são supostas tautologias justificáveis, mas, aceitas de maneira acríticas nos rituais de auto-afirmação das ontologias das verdades supostas quase embasadas em “leis naturais de mercado”. “O mercado idealizado deveria proporcionar trocas ‘livres de atrito’, nas quais os desejos dos consumidores seriam atendidos diretamente, sem a necessidade de intervenção ou mediação de agências reguladoras. No entanto, o esforço para avaliar o desempenho dos trabalhadores e para medir formas de trabalho que, pela sua natureza, são resistentes à quantificação, exigiu inevitavelmente camadas adicionais de gestão e burocracia. O que temos não é uma comparação directa do desempenho ou da produção dos trabalhadores, mas uma comparação entre a representação auditada desse desempenho e da produção. Inevitavelmente, ocorre um curto-circuito e o trabalho passa a ser orientado para a geração e a difusão de representações, e não para os objetivos oficiais do trabalho em si”  (FISHER, 2009)

Com um ceticismo inicial, do que se pode medir com relação aos fenômenos é necessário portanto, uma busca sistemática por uma metodologia que realmente seja além da habitualmente já usada sobre aspecto de “empregados por mil ligações” usado como referência metodológica pela COPASA, conforme no Release de Resultados abaixo, no 4T23:

Pode parecer, inicialmente, “incrível” – diminuir empregados de uma maneira cada vez mais veloz, manter índices incríveis com relação a diminuição dos custos gerenciáveis, mas, ao mesmo tempo, paradoxalmente aumentar significativamente os lucros. Porém, mesmo nessa metodologias há falhas, e graves falhas com relação ao número apontado pela COPASA, onde é pelo menos cerca de 60% menor do que deveria ser segundo o “Best practices in regulation state-owned and municipal water utilities” da Comisión Económica para América Latina y el Caribe da Organização das Nações Unidas (CEPAL-ONU), de autoria de Sanford V. Berg, pesquisador do National Bureau of Economic Research (NBER), onde o índice atual da COPASA, de 1,23 deveria ter métricas entre 2 e 4: “Os indicadores de desempenho (IDs) representam um elemento essencial para o benchmarking do desempenho dos prestadores (Ferro, Lentini e Romero, 2011 e 2012) e para o estabelecimento de metas realistas para o prestador. – Pessoal: Empregados por 1.000 ligações é um ID que pode ser usado para medir a eficiência (recomendado 2 a 4 empregados por mil ligações) levando em conta as diferentes condições de operação (e de terceirização)” (BERG, 2013), ainda levando em conta a questão primordial sobre o quão esta questão da produtividade está aliada a questões políticas, o mesmo pesquisador alerta que  falta de concepções sustentáveis a respeito de profissionalismo ou formação de know-how sofrem com políticas curto-prazistas, “além disso, a rotatividade entre os gestores de nível mais alto é um problema significativo em muitos países, estimulando decisões de curto prazo por aqueles que executam o serviço e falta de profissionalismo e de memória institucional dentro da organização. O prestador precisa priorizar a formação de capital humano e o desenvolvimento de procedimentos que promovam a eficiência, mas para isso necessita de recursos e de proteção da interferência política. A cultura da organização é impulsionada por sua liderança”  (BERG, 2013). Nas concepções sobre financeirização, o foco na alta política em indicadores de redução em custos fixos, estes sendo custos humanos, principalmente aliada a uma interferência política com tal concepção, é quase que regra inequívoca, afinal, a narrativa da redução de custos em prol da “produtividade” ou do médio prazo um tanto quanto focado em dividendos, é regra, e essa prática é bastante explícita na COPASA:

Embora o indicador acima, como citado, esteja bem abaixo segundo um guia referência endossado pela CELAC-ONU, o que poderia entrar na equação da métrica de produtividade total da COPASA é outro modelo que visa fazer exatamente a interface entre alto gasto com terceirizações que na verdade parecem ser bastante improdutivas. Segundo o Guia de Referência para Medição do Desempenho (GRMD) do MEGSA (Modelo de Excelência em Gestão do Saneamento Ambiental) do Prêmio Nacional da Qualidade em Saneamento da  Associação Brasileira de Engenharia Sanitária, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico e também referências ao IN102 “Índice de Produtividade de Pessoal Total“ do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), o que deve ser feito no final das contas é uma equação bem mais complexa, envolvendo ligações, custos de pessoal próprio, quantidade de pessoal próprio e claro, custos com terceirizações, até porque, por óbvio, terceirizações excessivas são além de contraprodutivas também de determinada maneira mascaram sua própria deficiência em produtividade por vias de quantidade mas que individualmente não recebem nem salários médios equivalente a mão de obras produtivas e nem mesmo qualificação, e claro, há também o problema da rotatividade. Segundo a Câmara Técnica de Saneamento Básico − CTSan na Nota Técnica CTSan-Abar 01/2014 Informações e Indicadores de Água e de Esgoto no Contexto Regulatório da Associação Brasileira de Agências de Regulação (ABAR), estes fatores estão diretamente ligados ao cuidado ao lidar com análise do indicador – “Valores baixos deste indicador sinalizam ineficiências. Entretanto, valores muito elevados podem sugerir carência de pessoal para executar os serviços, com impactos na qualidade dos serviços. O indicador não leva em conta a capacitação de pessoal, que tem relação tanto com a produtividade quanto com o salário médio. Por não levar em conta salários médios (a não ser na apuração da quantidade equivalente de pessoal terceirizado), uma análise mais precisa de produtividade de pessoal deve levar em conta o indicador Despesa Média Anual Por Empregado (IN008), discutido a seguir” (ABAR, 2014).

O que há de óbvio, são as ineficiências dos indicadores da COPASA, mesmo com gastos elevados em terceirizações, isso é, quando utilizado as métricas supracitadas, além do básico que a COPASA utiliza, de “empregado/mil por ligações”, com esboço em equação encontrado em repositório da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) em Relatório de Análise de Impacto Regulatório e também da métrica do AquaRating, sistema baseado em um padrão internacional para a avaliação de empresas prestadoras de serviços de água do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), sendo:

Portanto, no caso da COPASA, segundo informações de dados partindo de 2023:

 Resumo dos dados aplicados –  COPASA – R.I (2023)

Média de Valores Gastos (2023), dado de 145.585.598 (R$). Média de Pessoal (2023) – 9.769 . Total de Ligações (2023) – Água            – 4.681.000. Total de Ligações 2023 – Esgoto – 3.194.000. Total de Gastos Médios Terceirizações (2023) -59.465.080 (R$).

O índice resultou em 569, o que  para o referencial não apenas seria o mais insatisfatório (D), bem como seria muito baixo, onde, Padrão A: ≥ 909 Padrão B: ≥ 833 e < 909 Padrão C: ≥ 625 e < 833 e Padrão D: < 625.

As devidas conclusões com relação a métricas de produtividade em saneamento por óbvio, evidenciam no caso da COPASA, três coisas em conclusão – os atuais indicadores usados em relatórios oficiais tendem a não explicitar as assimetrias das ineficiências dos gastos de terceirizados frente a sua produtividade (baixa) ao mesmo tempo em que não alertar para o que poderia ser uma significação de uma relação homeostática em termos de tendência maior a produtividade na equação com mão de obra própria, que têm produtividade mais alta que trabalhadores terceirizados, ou seja, os limites entre uma métrica própria para uma relação ótima que seria um indicador mais adequado, também, ao mesmo tempo em que a diminuição da mão de obra própria tende a ser negativa devida ao tempo de investimento em know-how, salários médios melhores e qualificação, o que se traduz em produtividade e também de outros fatores que seriam necessário para melhor avaliação de indicadores de produtividade em incrementação, como tecnologia, por exemplo, todo modo, é extremamente relevante que as terceirizações na COPASA parece ter encontrado uma fronteira extremamente frágil para a própria sustentabilidade do capital, e os sintomas não são apenas estes, afinal, midiaticamente os serviços terceirizados da COPASA são a etiologia de algum desgaste também na imagem da corporação.

Referências bibliográficas:

COPASA. “Release de Resultados 4T23 e 2023.Disponível em:   https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/8bdb3906-0618-4e78-bbe3-a0be9f02d8cc/b8a1aeaf-02bb-1f53-dd31-75245fb0d796?origin=1. Acessado em 22/07/2024 ás 15h15;

Câmara Técnica de Saneamento Básico − CTSan. “Nota Técnica CTSan-Abar 01/2014: Informações e Indicadores de Água e de Esgoto no Contexto Regulatório – ABAR.” Disponível em: Nota Técnica CTSan-Abar 01/2014 Informações e Indicadores de Água e de Esgoto no Contexto Regulatório. Acessado em 22/07/2024 ás 16h10;

Dividendos de Empresas de Saneamento.Disponível em: https://einvestidor.estadao.com.br/investimentos/dividendos-empresas-saneamento-sabesp-sbsp3-sanepar-copasa-sbsp3-sanepar-sapr11-copasa-csmg3/.Acessado em 22/07/2024 ás 15h55;

CEPAL-ONU, Sanford V. Berg. “Best practices in regulating State-owned and municipal water utilities.” Disponível em: https://bear.warrington.ufl.edu/centers/purc/DOCS/PAPERS/Water/Boaspr%C3%A1ticasderegula%C3%A7%C3%A3odosprestadoresp%C3%BAblicosdeservi%C3%A7osde%C3%A1guaeesgoto.pdf. Acessado em 22/07/2024 ás 15h42;

-Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico. “RELATÓRIO DE ANÁLISE DE IMPACTO REGULATÓRIO.” Disponível em: https://participacao-social.ana.gov.br/api/files/AnexoIII_Processo_Definicao_Proposta_Padroes_Referencia-1639600085878-1641225402935.pdf. Acessado em 22/07/2024 ás 16h15;

Baudrillard, J. (1983). Simulações. Nova York: Semiotexto. p. 146.

Fischer, Mark . Capitalist Realism: Is There No Alternative? (2009). Zero Books.

Lucas Tonaco – secretário de Comunicação da FNU, dirigente do Sindágua-MG, acadêmico em Antropologia Social e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)