Lucas Tonaco*
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O processo de terceirização dos leituristas na COPASA têm se mostrado um desastre sem precedentes na empresa.  O objeto inicial do contrato, vencido Consórcio Minas Gerais Apuração (Nº 4600074752), com respectivos inícios e fim 29/08/2022 até 29/08/2025, com o valor de R$ 64.390.675,29 e teve como objeto a “modernização dos processos de leitura”. Mas o que ocorreu foi o contrário: procedimentos nada inovadores, redução do capital de imagem da COPASA e precarização do trabalho com forte agressão à dignidade dos trabalhadores. 

1)Procedimentos nada inovadores, o que não condiz com o objeto do contrato de modernização – foram duas fases contratuais do contrato: a da Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde o “teste”, o “laboratório”, foi feito. Em tese, a centralidade da modernização da leitura não contou com nenhum tipo de desenvolvimento tecnológico próprio ou mesmo metodológico: os equipamentos em tese não contaram com nenhum tipo de acréscimo nem no hardware e nem no software, onde a falta de inovação foi tamanha que pasme: os próprios leituristas da COPASA é quem treinaram os novos leituristas terceirizados. Se o EQUIPAMENTO (software e hardware coletor) é o mesmo, se os PROCEDIMENTOS são os mesmos, portanto a modernização foi completamente descaracterizada. O grotesco não para por aí – não há relatórios públicos sobre o período de testes da região metropolitana ou mesmo estudos de viabilidade acessíveis – mesmo a COPASA sendo uma empresa pública (mista) anteriormente a implementação do procedimento – ou seja, erraram no início e persistem no erro e os indícios são vários. Mas, enfim, já que a COPASA não faz, fazemos o básico: houve um retrocesso nos procedimentos por três motivos básicos:

1.1) Know-how é essencial na eficiência: em processos de leitura onde envolve conhecimentos específicos de um determinado como dias da semana, ruas, relevo, rotas de ônibus, especificidades intrínsecas sobre se um determinado morador atende na primeira vez em que é chamada ou na na enésima, se há ou não morador naquele dia da semana em casa, onde está o hidrômetro ou dezenas de outras várias, o óbvio salta – quão mais heuristicamente[1] um algoritmo é testado ou um trabalhador está ali a mais tempo, melhor, mais rápido e com mais precisão será o trabalho. Isso pode parecer evidente tão quanto a luz do sol e não é apenas pelo fator do conhecimento estocástico (acmuluado, durante anos), mas também, pela relação de confiança: um morador sabe quem é o leiturista, que horas ele passa e a relação de fidúcia só aumenta com o tempo. Uma reclamação de conta, uma verificação a mais, uma dica ou a própria imagem da empresa é uma vinculação orgânica que se cria. Quando se muda o leiturista, a desconfiança ou a disponibilidade do morador (cliente) aumenta, mas quando se muda a empresa, a desconfiança é colocada em um patamar de “reset” – afinal o novo leiturista nem da COPASA é e provavelmente nem da COPASA será afinal, o índice de rotatividade[2] é tão alta devido aos baixos salários, condições precárias de trabalho e falta de perspectiva vertical dos novos leituras, que não é possível sequer criar uma relação de longo prazo essa sim, de extremo valor e necessária na redução de erros e na promoção da dita eficiência.

1.2) Ausência de evidência de eficácia da melhoria nos procedimentos de leitura: conforme dito anteriormente, não há evidências quiçá anedóticas de que a substituição contribuiu para a modernização na COPASA, afinal, há evidências contrárias a essas a começar do seguinte fator: em termos bibliográficos e empíricos, o que não faltam[3].  Mas e porquê insistir em um erro não comprovado e mais ainda – recentemente há que se falar em comprovação tácita sobre a improdutividade significativa dos terceirizados da COPASA inclusive com a necessidade de mudança de indicadores[4], afinal, o aumento nos últimos resultados da COPASA com relação aos serviços terceirizados têm sido tão monstruosos que escondem o fracasso desse tipo de estratégia. Na leitura não seria diferente, e ninguém provou nem por quais motivos seria diferente.

1.3) Uma matemática que não bate com o discurso da eficiência: sem implementação tecnológica, sem melhoria metodológica ou de procedimento,  algo curioso chama atenção no custo da operação:  R$64.390.675,29 , por três anos, ou seja:  R$21.463.558,43 por ano. Suponhamos portanto, que o custo de cada leiturista terceirizado seja de R$4500,00, isso com os encargos e benefícios, e que sejam inicialmente alocados no projeto laboratório da Região Metropolitana de Belo Horizonte, 250 leituristas – um número bem acima do que é praticado de trabalhadores da própria COPASA – o custo portanto, seria próximo a R$15.000.000,00 anual, um excedente de R$6.000.000. Não há evidências aqui quantos trabalhadores foram contratados mas por óbvio, a eficiência de um trabalhador terceirizado, sua rotatividade e sua produtividade, deveria também englobar mais trabalhadores do que os atuais da COPASA, mas não há, mais uma vez – evidências de melhoria nem quantitativa e nem qualitativa, deixando completamente, injustificada a argumentação de redução de custos por modernização, ao contrário: se pagou mais caro para precarização e deixar mais improdutivo, e aliás, há mais problemas e bem graves, inclusive refletindo no próprio atendimento da COPASA.

2) Redução do capital de imagem da COPASA: nos tempos atuais, o capital de imagem de um empresa é sem dúvida seu maior ativo quando se diz respeito ao reconhecimento de seus clientes ou de seu poder concedente, na ausência de estudos do impacto desse capital de imagem a COPASA nos procedimentos de terceirização da leitura possivelmente sofreria, a COPASA acabou por ter sim sua imagem arranhada.

O aumento de incidências em busca no Google Trends compreendidos entre Agosto de 2022 até a presente data com procedimentos que possivelmente são relativos a erros de leitura, ausência de leitura ou outros serviços relacionados a falha na prestação de serviço terceirizada, chegou a ser escancarado midiaticamente nos principais veículos de mídia de Minas Gerais.

 

Fonte: Moradores reclamam de valores altos e leituras equivocadas da Copasa, O Norte de Minas (2024)

 

Fonte: A conta da Copasa está alta? Hidrômetro foi lido errado? Veja o que fazer, Itatiaia, 2023

O reflexo do fracasso da terceirização da leitura, chegou a tanto, que em  6 de Junho de 2023, Câmara Municipal de Belo Horizonte  para debater possíveis irregularidades nas aferições das contas, além da Câmara Municipal de Belo Horizonte, houve, também audiência na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para discutir as terceirizações da COPASA.

Fonte: Consumidores de BH reclamam de falta da leitura da Copasa; empresa nega problema, O Tempo, 2023.


 Fonte: Comissão debate processo de terceirização na Copasa, ALMG, 2023.

As evidências de que a imagem da COPASA foi afetada no processo estão na repercussão pública, midiática e política – inclusive institucional – sobre os reflexos desse processo que continua, e conforme demonstrado a periodicidade das notícias são frequentes e constante, com a tendência de aumentar na medida em que o processo aumenta. Um termômetro para este tipo de processo, pode ser o canal de reclamações “Reclame Aqui”, que consta inclusive nos últimos dois anos uma piora significativa na reputação da empresa vide o aumento do principal fator de reclamação da empresa, inclusive relacionados ao seu serviço de leitura terceirizados.

Fonte: Principais Reclamações da COPASA, Reclame Aqui, 2024.

A deterioração da imagem da COPASA reflete muitas vezes em discussões como em Patos de Minas, Divinópolis, Alpinópolis ou outras cidades que passaram por discussão de substituição da empresa por “má prestação do serviço” em tentativas inclusive de encampação. há reflexos também na atratividade da COPASA enquanto empresa qualificada, praticante de suas políticas de ESG, e também reflexos financeiros com relação ao valor de imagem relativo a imagem de mercado, impactando em questões financeiras. Claro, a má prestação de terceiros  de serviços da COPASA também impacta na imagem que o cliente têm de seus funcionários próprios,o que é uma injustiça de muitas formas.

3)Precarização do trabalho com forte agressão à dignidade dos trabalhadores: começando pelos trabalhadores terceirizados. Salários baixos, e condições ruins são reportadas por estes próprios trabalhadores. O sintoma que escancarou as péssimas condições de trabalho, foi um relato de que ”de acordo com eles, a média de atendimentos era entre 300 a 400 leituras diárias, mas que agora têm sido cerca de 600 por dia”, além do sol quente, deixando o serviço exaustivo, os valores recebidos por tais profissionais variam de R$1.300 até R$2.000, o que estimula a falta de fixação na curva de aprendizagem pela alta rotatividade e baixa especialização e estímulo à permanência que tais condições refletem. O trabalhador, terceirizado, portanto é vítima neste processo. Um ato de basta e que constata o absurdo do fracasso da terceirização da leitura foi a interrupção do serviço pelos próprios trabalhadores terceirizados em 2023, com menos de um ano da implementação do serviço.

Fonte: Leituristas da Copasa cruzam os braços nesta segunda-feira, Itatiaia, 2023.

A Fimm Brasil, responsável por gestão do serviço, segundo avaliações do “Infojobs” de analista de Departamento Pessoal até leituristas possui entre elogios e reclamações, constatações do tipo:

Fonte: InfoJobs, 2024.

Fonte: InfoJobs, 2024.

3.1) Os leituras da COPASA e sua luta para corrigir uma absurda injustiça: os leituristas da COPASA que conforme o mencionado faziam todos os procedimentos de maneira mais eficientes, devido a sua maior especialização, qualificação know-how das variáveis das rotas e melhor remuneração se viram em um procedimento de transferências de postos de trabalho para outras localidades em um período de tempo curto inimaginavelmente ignorante a suas vidas pessoais, suas famílias e suas especificidades. A agressão de forma negligente com que foram tratados é mais uma de tantas evidências de um processo brutal, no qual se viram de uma hora para outra entre a opção de serem empregados há 200, 300, 500, 700km ou mais de suas casas ou o desemprego, o que denota a profunda desumanidade e falta de empatia da empresa. É necessário portanto, uma correção jurídica dessa situação, a qual o SINDAGUA-MG luta na defesa desses trabalhadores que após décadas de serviços bem prestados se viram de meio a um processo kafkaesco, é preciso, portanto, de apoio e reforço para que as atitudes sindicais sejam efetivas.

A conclusão portanto, é que é um enorme fracasso o processo da terceirização da leitura na COPASA, pois não há evidências empíricas ou métricas de nenhum avanço no que o processo se propunha, que era de uma suposta “modernização”, que como o visto não foi atingida, por outro lado, sobram vítimas do processo: trabalhadores em condições ruins, clientes profundamente insatisfeitos, perda de capital de imagem da COPASA com repercussões negativas e inclusive organização da política institucional que reconhece o problema, e por último – a agressão à dignidade de trabalhadores  copasianos que eram leituristas que viram suas vidas e a de seus familiares sendo reviradas de uma hora para outra, o que se torna um terror psicológico (e até econômico) na medida em que este processo permanece.

Expostas as evidências do fracasso do processo, é preciso sobretudo ter a consciência de que nada está posto em concreto: contratos ruins podem não ser prolongados ou questionados, gestões e administrações ruins de serviços públicos devem sempre ter em mente que não há nada estático, que é sempre necessário – mediante evidências – tomar outros rumos sempre que a imagem de uma empresa é colocada em risco perante uma sociedade da qual era presta serviços público, o espírito para a situação deve ser o mesmo ao qual se analogicamente fazia Juscelino Kubitschek: “Costumo voltar atrás, sim. Não tenho compromisso com o erro”, a COPASA não pode ter compromisso com mais esse erro pois é um jogo onde todos, no final das contas, perdem, com exceção do consórcio vencedor – que ganha apenas em termos financeiros e econômicos – mas que também, como já exposto está perdendo em credibilidade.

[1] Tese de mestrado – Procedimentos heurísticos na definição de rotas de leitura para os funcionários de uma companhia de energia elétrica : uma aplicação a um município no estado do Paraná – do Programa de Pós-Graduação em Engenharia da Produção, na Área de Pesquisa Operacional na Linha de Inspeção de Rotas. Aplicados à Engenharia de Produção, Setor de  Tecnologia, Universidade Federal do Paraná, FANTAZZINI, Tarley, 2019.

[2] Terceirização: o futuro do trabalho no Brasil – ALVES, Giovanni, (UNESP), 2017.

[3] Terceirização e Desenvolvimento: Uma conta que não fecha. Dossiê sobre o impacto da terceirização sobre os trabalhadores e  propostas para garantir a igualdade de direitos, DIEESE, 2011.

[4] A COPASA e os limites da terceirização – a produção de uma narrativa sobre produtividade e seus simulacros, FERREIRA, Lucas, (FNU), 2024.

Lucas Tonaco – secretário de Comunicação da FNU, dirigente do Sindágua-MG, acadêmico em Antropologia Social e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)