Lucas Tonaco*

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Em breve, outubro, uma conclusão sobre os rumos do saneamento em Ipatinga, Minas Gerais, será concluída, porém edital de concessão dos serviços de saneamento básico em Ipatinga levanta, desde sua formatação inicial, sérias preocupações quanto à exclusão da população rural, à falta de transparência e às implicações negativas da privatização sobre tarifas e qualidade do serviço, uma síntese de algumas dessas questões pode ser acessada no questionamentos para a Consulta Pública do processo licitatório da minuta, enviados a tempo para a Prefeitura, e de acesso público, em tempo hábil, inclusive.
O importante, é que em tempos de desinformação em massa, fake news e outras formas de abrangência de populismos, é necessário sobretudo, uma análise técnica, evidenciada e com considerações por comparação de casos desses riscos deve que deve ser reforçada com bases científicas e respaldo jurídico devido considerando inclusive os dispositivos legais e estudos sobre privatização de saneamento em outros contextos, e outras formas de experimentações desses processos.

Abaixo, uma síntese sobre os rumos que a privatização de Ipatinga pode tomar com base na configuração do processo atual, e inclusive do edital.

A exclusão da população Rural: violações, impactos sociais e sanitários

De certa forma, fica evidente que a exclusão da zona rural no acesso ao saneamento básico constitui uma violação do princípio da universalidade, previsto no artigo 2º, inciso IV, da Lei nº 14.026/2020 (Marco Legal do Saneamento Básico). Esse princípio assegura que “todos os cidadãos, independentemente da localização geográfica, tenham acesso ao saneamento básico”, incluindo tanto áreas urbanas quanto rurais.A redação do edital, ao omitir claramente a abrangência do saneamento para as áreas rurais, desrespeita esse marco legal. A população rural, estimada em aproximadamente 2.500 pessoas, é diretamente prejudicada pela definição ambígua no item 3.7.1 do edital, que limita o saneamento a áreas que “venham a ser urbanizadas”, isso contraria o art. 2º, IV da Lei nº 14.026/2020, que busca a universalização do saneamento, perpetuando a exclusão social e econômica dessa comunidade vulnerável. Programas como o Universaliza Minas ou mesmo o Pró-Mananciais da COPASA são explícitos nos cuidados com essas populações e no desenvolvimento de políticas públicas – inclusive sustentáveis – para tais populações.

Estudos científicos sobre saneamento rural, como os desenvolvidos pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), vem a demonstrar que a ausência de infraestrutura de saneamento em áreas rurais está diretamente associada à proliferação de doenças e à contaminação de recursos hídricos, tais estudos reforçam a urgência de incluir a população rural nos planos de saneamento, sob risco de comprometer a saúde pública e agravar desigualdades socioambientais.

Privatização e riscos à modicidade tarifária

A privatização dos serviços de saneamento, conforme previsto no edital, também têm determinadas “red flags” de preocupações quanto à modicidade tarifária e à qualidade do serviço, o princípio da modicidade tarifária, estabelecido no art. 6º, I, da Lei nº 8.987/1995, prevê que as tarifas cobradas por serviços públicos, inclusive o saneamento, devem ser justas, acessíveis e condizentes com a capacidade financeira da população. As experiências de privatização em outros municípios brasileiros têm revelado riscos claros à modicidade tarifária, evidenciando empiricamente aumentos onde se é colocado a dita “tarifa mais barata”, para citar um exemplo pragmático, advém aqui estudo realizado por pesquisadores da UFMG (Ferreira, Braga e Valadão, 2023) que analisou o caso de Pará de Minas, onde a privatização do serviço de saneamento resultou em aumentos de até 15% nas tarifas, o estudo concluiu que a concessão à iniciativa privada frequentemente gera pressões econômicas para aumentos tarifários, sobretudo quando a gestão busca maximizar lucros em detrimento da qualidade e da acessibilidade do serviço, não obstante, o que não falta são exemplos de como a privatização do saneamento falhou no Brasil, outra questão, é que a Lei Federal nº 11.445/2007 (Lei Nacional de Saneamento Básico) estabelece que o planejamento e a regulação dos serviços de saneamento devem assegurar a universalização e a modicidade tarifária (art. 2º, incisos I e II), de forma que ao não garantir mecanismos claros de controle tarifário no edital, o município de Ipatinga corre o risco de repetir erros observados em outros casos de privatização, onde tarifas elevadas afastam a população de baixa renda do acesso a serviços essenciais

Uma determinada falta de transparência e governança

Um ponto extremamente crítico, é a ausência de debate público adequado sobre o processo de privatização, o que fere dispositivos legais que exigem a participação social. a Lei nº 14.133/2021, que regula licitações e contratos administrativos, têm um dispositivo em seu art. 21 que a audiência pública deve ser realizada para discutir com a sociedade o impacto da concessão de serviços públicos, a audiência pública deve considerar as manifestações recebidas e disponibilizar os resultados de maneira transparente, conforme estipulado também pela Lei Federal nº 11.445/2007 (art. 11, inciso IV). A audiência pública realizada, documentada no Canal do YouTube, intitulada de Audiência Publica – Concessão dos serviços de abastecimento de água e coleta de esgoto de Ipatinga, explicita que a maioria presente se manifestou de forma crítica contrária ao processo de privatização completa do serviço de saneamento, mesmo assim, o edital continuou a explicitar as falhas ao não apresentar os relatórios da audiência pública de forma clara, nem mesmo explicitar os pareceres técnicos do Conselho Municipal de Controle Social de Saneamento Básico (COMSAB), de modo que a falta de envolvimento do COMSAB, conforme previsto na Lei nº 8.927/2018 do município, e da Ouvidoria Municipal, como exigido pelo inciso XV, art. 3º da Lei Complementar nº 553/2017, compromete a transparência e a legitimidade do processo, isso representa de determinada maneira uma perspectiva sobre uma possível uma violação ao direito da população de participar ativamente das decisões que afetam a qualidade e a acessibilidade dos serviços públicos.

No mesmo modo da participação institucional e democrática, é preciso inclusive observâncias a pesquisas internacionais, como as realizadas pelo Transnational Institute (TNI) e o Corporate Europe Observatory (CEO), que apontam que a ausência de transparência em processos de privatização tende a favorecer interesses privados, muitas vezes à custa da qualidade do serviço e do bem-estar social, tais estudos demonstram que, em cidades onde o saneamento foi remunicipalizado (835 cidades em 37 países entre 2000 e 2015), a gestão pública garantiu tarifas mais justas e serviços de melhor qualidade, reforçando o argumento que as populações são contrárias aos processos de privatização de saneamento em serviços públicos.

Impactos ambientais e de saúde pública

A ausência de saneamento adequado nas áreas rurais de Ipatinga e a possível deterioração do serviço nas áreas urbanas são preocupantes com relação aos seus impactos ambientais graves. Estudos científicos da OMS indicam que a falta de saneamento é uma das principais causas de contaminação de recursos hídricos e de doenças de veiculação hídrica, como diarreias e hepatites.

Como citado acima, a privatização do saneamento em outras regiões, como Pará de Minas, levou a uma queda na qualidade da água fornecida, como documentado em relatórios de órgãos de fiscalização e na imprensa. Em outro caso, a situação de Ouro Preto, a prefeitura foi obrigada a subsidiar tarifas após a privatização, evidenciando o risco de desequilíbrio econômico para o município, que pode ser forçado a intervir financeiramente para garantir o acesso ao saneamento, o que de determinada maneira, faz com que a privatização do saneamento em si seja um risco ao orçamento público e ao erário.

Referências
FERREIRA, L.; BRAGA, J.; VALADÃO, A. O reajuste tarifário em benefício próprio e prejuízo da população: o caso de Pará de Minas – MG. Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS), 2023. Disponível em: https://ondasbrasil.org/o-reajuste-tarifario-em-beneficio-proprio-e-prejuizo-da-populacao-o-caso-de-para-de-minas-mg/. Acesso em: 27 jan. 2024.
FIOCRUZ; UFMG. Estudos sobre Saneamento Rural: Impactos na Saúde e Meio Ambiente. Universidade Federal de Minas Gerais. Disponível em: https://www.fiocruz.br/saneamento_rural. Acesso em: 16 set. 2024.
Relatórios e artigos de organizações internacionais:
CORPORATE EUROPE OBSERVATORY; TRANSNATIONAL INSTITUTE. Remunicipalization of public services: cities and citizens writing the future of public services. 2015. Disponível em: https://www.tni.org/remunicipalization. Acesso em: 24 jan. 2024.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Sanitation: Fact Sheets. 2024. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/sanitation. Acesso em: 6 mar. 2024.
Artigos e reportagens:
BRITO, A. Moradores de Pará de Minas reclamam da situação da água que sai das torneiras. O Tempo, 2023. Disponível em: https://www.otempo.com.br/cidades/moradores-de-para-de-minas-reclamam-da-situacao-da-agua-que-sai-das-torneiras-1.2883540. Acesso em: 24 jan. 2024.
GALILE, E. Prefeitura de Ouro Preto subsidia tarifa residencial de água após revisão da estrutura tarifária. 2024. Disponível em: https://galile.com.br/prefeitura-de-ouro-preto-subsidia-tarifa-residencial-de-agua-apos-revisao-da-estrutura-tarifaria/. Acesso em: 24 jan. 2024.
FERREIRA, L.ONDAS. BTG, Iguá e Aegea: o que está por trás do mercado da água no Brasil. 2024. Disponível em: https://ondasbrasil.org/btg-igua-aegea-mercado-da-agua. Acesso em: 16 set. 2024.

Lucas Tonaco – secretário de Comunicação da FNU, dirigente do Sindágua-MG, acadêmico em Antropologia Social e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)