Lucas Tonaco*
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Em Alpinópolis, Minas Gerais, município com cerca de 18.672 habitantes – segundo o IBGE, em 2022, a situação é grave: um processo licitatório de saneamento e um imbróglio no TCE-MG (Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais) pode deixar as contas mais altas e diminuir a qualidade do serviço prestado.
O processo licitatório que visava atrair a empresas privadas de saneamento para substituir a COPASA (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) com a premissa de “melhorar os serviços e abaixar as tarifas”, pode, se concluído, fazer o contrário: aumentar as tarifas e piorar a qualidade do serviço. O primeiro dos fatores a ser analisado é o Consórcio SAALPI, vencedor do processo de concorrência pública Nº 002/2022, envolvem entes da Planex e da Infracon, empresas que mesmo vencedoras do processo vigente, não possuem nem de longe (e nem de perto) a capacidade técnica, de planejamento, de engenharia, e de operação da COPASA, conjuntamente a um know-how menor – alia-se aí uma questão bem relevantes nos tempos atuais – as premissas dos indicadores de qualidade, tão necessárias na filosofia da 14.026/20, são relativizadas, para além disso, com as crises hídricas agravando, exigindo mais soluções integradas e know-how produzido por sistemas ampla escalas, como é o caso da COPASA, o que há de concreto, é a pergunta: arriscar as próximas três três décadas alegando ser uma “melhoria” onde não há comprovação do consórcio em atividades de saneamento tão quanto a atuação da atual, é na verdade uma hipótese um tanto quanto insensata.
Não bastasse o problema com relação ao know-how ser uma contradição, na arquitetura dos processos – inicialmente formado nas minutas de editais de licitação – os critérios de qualificação técnica, na verdade são critérios que mesmo que legalmente cumpridos, posteriormente, são um problema sério na metodologia em que são feitos, pois eles embasam um desconto imediato na tarifa, sendo por exemplo, na modalidade de deságio, mas que, posteriormente, no médio prazo, geralmente em 4 (quatro) anos, o que se têm é o contrário: devido a mudanças na matriz de risco e outras arquiteturas usadas nas revisões tarifárias e também da modicidade tarifário, o que se têm mesmo, é aumento. Estudos acadêmicos especializados não só comprovam isso, como também evidenciam o absurdo deste discurso – vejamos casos em Minas Gerais mesmo, segundo o artigo de acadêmicos da UFMG, Luis Ferreira, Juliana Braga, Artur Valadão, O reajuste tarifário em benefício próprio e prejuízo da população: o caso de Pará de Minas – MG, após um tempo, o óbvio acontece: contas aumenta, chegando a dobrar o preço, como no gráfico abaixo:
Como se não bastasse, é importante dizer que: o grupo que assumiu Pará de Minas é um grupo que têm mais know-how do que a composição do consórcio em Alpinópolis, como a matriz de risco é um fator fundamental no reajuste tarifário, o acerto no planejamento e desenvolvimento no controle desse fator, depende, sim, em muito desse know-how. A qualidade da água, é também outra questão, em Pará de Minas, em matéria veiculada no “O Tempo”, determinada moradora relata que “a água fica com a cor estranha durante três dias, depois volta a ter cor clara, depois fica mais três dias com a cor escura ou leitosa“.
Para não ficar em um caso empírico só, e outro caso em Minas Gerais, temos o caso de Ouro Preto, segundo artigo publicado no famoso Le Monde Diplomatique Brasil, pela cientista política, graduada pela Hunter College, em NY e Mestre em Gestão de Desenvolvimento, formada pela The London School of Economics and Political Science (LSE), “a população pagava uma taxa de água de aproximadamente R$ 27 por mês. Após a privatização, 10m³ de água, para a tarifa residencial, passaram a corresponder a R$ 79,88: um reajuste perto de 200%” e ainda versa sobre a qualidade da empresa privada, “Após a privatização, um estudo constatou a violação do padrão de potabilidade da água (qualidade microbiológica), o que poderia causar doenças relacionadas à contaminação hídrica. Devido ao fato, a concessionária foi multada em mais de 2 milhões de reais”. Ouro Preto inclusive que busca alternativa após a privatização do saneamento, afinal, há dezenas de matérias e artigos produzidos que relatam o caos da privatização do saneamento.
Como citado acima, o que não falta são exemplos de como a privatização do saneamento falhou no Brasil, e no mundo, estudos do Transnational Institute (TNI) e o Corporate Europe Observatory (CEO), indicam que a ausência de transparência em processos de privatização tende a favorecer interesses privados, muitas vezes à custa da qualidade do serviço e do bem-estar social, tais estudos demonstram que, em cidades onde o saneamento foi remunicipalizado (835 cidades em 37 países entre 2000 e 2015), a gestão pública garantiu tarifas mais justas e serviços de melhor qualidade, reforçando o argumento que as populações são contrárias aos processos de privatização de saneamento em serviços públicos, portanto Alpinópolis está indo na contra-mão do mundo.
Não bastasse evidências e casos onde deixam escancarados o retrocesso que Alpinópolis corre, o imbróglio judicial e processual que ocorre no TCE-MG (Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais) envolvendo até a AEGEA, empresa que privatizou o saneamento no Rio Grande do Sul, mas que precisou pedir socorro a COPASA para normalizar as operações no Estado, recentemente. Todo esses processos litigiosos que levam mesmo é insegurança jurídica a cada passo, não visa, em sua conclusão “resolver o problema do saneamento” em Alpinópolis, afinal, o que se têm mesmo é um processo de privatização do saneamento, onde mesmo que haja boa-fé do prefeito em tentar desenvolver a questão o que não se têm é ciência do que significa as privatizações no saneamento, como citado acima, e do enorme retrocesso que isso irá trazer para o povo, em especial o povo mais carente e não resta dúvidas disso pois o que não falta, como citado, são estudos que vão trazer evidências disso. Alpinópolis não será exceção, as contas poderão aumentar e o povo poderá ficar sem água, e com serviços de baixa qualidade pois a finalidade do saneamento privado é lucro, pois é disso que se trata qualquer iniciativa empresarial. No caso da COPASA, a empresa não é totalmente privada, é uma empresa mista, onde 50,03% é do povo de Minas Gerais e isso faz a diferença: controle popular do saneamento faz com que políticas públicas localizadas possam visar inclusive mais inclusão e universalização do saneamento não detendo a finalidade lucrativa como exclusividade – populações rurais e vulneráveis economicamente e socialmente são melhor atendidos, também.
Quando se analisa os índices atuais de saneamento em Alpinópolis a questão melhorou, ficando superiores aos da região, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou, na última semana, no âmbito do Censo Demográfico 2022, a categoria “Características dos Domicílios – Resultados do Universo”.
Mesmo os prefeitos mais adeptos e entusiasmados com a privatização, recuam ao verem o absurdo que é a privatização do saneamento, entre os casos mais recentes, Visconde do Rio Branco, Patos de Minas e Divinópolis, prefeitos e vereadores críticos a COPASA optaram pela companhia e não por empresas privadas, chegaram a inclusive conseguir para a população descontos reais nas tarifas, melhorias e investimentos.Em Ipatinga, o edital para concorrência do saneamento privado foi suspenso por tempo indeterminado.
Os processos de privatização no saneamento, como em Alpinópolis, têm como premissa a “boa fé” da concorrência, mas isso, se tratando de saneamento básico e privatização, é a formação de oligopólios de saneamento, conforme descrito no artigo BTG, Iguá e Aegea: o que está por trás do mercado da água no Brasil – lucro na mão de poucos, falta de investimento e uma altíssima financeirização, fazendo a população pagar a conta pela opção privada.
Por último, é necessário dizer o óbvio – o processo de privatização do saneamento em Alpinópolis irá inclusive causar desemprego de uma mão de obra qualificada, preparada e com experiência de atuação na localidade. É urgente interromper esses processo, afinal, sua continuidade fará com que um imenso retrocesso na cidade ocorra.
* Lucas Tonaco – secretário de Comunicação da FNU, dirigente do Sindágua-MG, acadêmico em Antropologia Social e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)