Sistema de energia foi privatizado pelo governo do estado de São Paulo em 1998. Em 2018, a Enel, italiana, após comprar a Eletropaulo, sucateou e demitiu trabalhadores em nome do lucro para os acionistas
Desde a última sexta-feira (11) em torno de 2,1 milhão de pessoas da cidade de São Paulo e de parte da região metropolitana ficaram sem energia elétrica em decorrência de acidentes provocados por uma tempestade. Em todo o estado de São Paulo o mau tempo foi responsável por sete mortes. Até a manhã desta quarta-feira (16), já eram mais de 100 horas que 90 mil imóveis continuavam sem energia, segundo a própria Enel, empresa que comprou em 2018 a Eletropaulo, privatizada pelo governo do estado de São Paulo.
Esta não é a primeira vez que a maior cidade do país fica por dias sem energia. Em novembro do ano passado 4 milhões de pessoas foram afetadas. O retorno da energia completo só foi possível quatro dias depois.
Desde que o governo anterior, o de Jair Bolsonaro (PL), ameaçou e cumpriu a venda da Eletrobras, que os sindicalistas e trabalhadores do setor elétrico denunciam que a privatização atende apenas a investidores e acionistas de grandes empresas que para pagar lucros bilionários cortam o número de trabalhadores e deixam de investir em equipamentos e melhorias. Em 2020 a população do Amapá também sofreu com um blecaute que só foi resolvido após trabalhadores da então estatal Eletrobras auxiliarem na recuperação do sistema operado pela empresa espanhola Isolux.
Esses apagões mostram como as privatizações de um setor fundamental e estratégico para o país são prejudiciais a toda população, inclusive para a economia com o fechamento de estabelecimentos comerciais e escolas sem funcionar.
Há anos os moradores das regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sul sentem no dia a dia o resultado negativo das privatizações das companhias estaduais de energia. Os relatos são de aumentos exorbitantes de tarifas, apagões e serviços prestados de péssima qualidade aos clientes.
O Coletivo Nacional de Eletricitários (CNE) listou uma série de prejuízos que a privatização da energia causa ao país, já que é o setor elétrico que garante um insumo básico importante para a vida de 99% da população e para o funcionamento da economia. Praticamente todos os setores produtivos estão relacionados à eletricidade.
Tiago Vergara, coordenador da campanha “Salve a Energia” e do Sinergia de Santa Catarina, conta como agem as empresas após a privatização. O primeiro passo é cortar trabalhadores e trabalhadoras que ganha maiores salários para a contratação de pessoal com pouca ou nenhuma experiência para ganhar metade do salário anteriormente pago. Com isso esse novo profissional além de precisar fazer “bicos” para melhorar a sua renda, ele não conhece os problemas da região em que vai atuar.
O dirigente sindical explica que numa empresa pública o trabalhador fica mais tempo num local, então ele conhece o bairro e os problemas que costumam ocorrer nas ruas. Ele segue normas, leis, não cumpre ordem absurda e executa o trabalho de forma mais eficiente. Isso tem um custo alto, que é pago pelo valor das contas de luz. Já uma empresa privada visa o lucro e vai diminuir esse custo, demitindo, não investindo e com isso aquele problema de energia que seria resolvido em poucas horas levará dias.
“O trabalhador que conhece aquele local já sabe que pode ser, por exemplo, um problema com um fusível e o material já está na caminhonete. Quem desconhece o local vai demorar a reconhecer o defeito e não terá o material à mão. Ele vai atender outra chamada e o teu problema vai continuar lá e o que deveria ser resolvido em uma hora pode durar um ou dois dias pra resolver”, diz Vergara.
O dirigente sindical afirma que o país perde com o processo de privatização a eficiência, a confiabilidade a segurança do sistema, que resultam em alta taxa de acidentes e mortes nas redes.
“É preciso recuperar essa força de trabalho experiente e com expertise para restabelecer o sistema de forma eficiente. Não adianta destituir a Enel porque levará de cinco a seis anos para que uma nova empresa tenha essa expertise, e empresa privada não vai investir milhões para reformar e mudar na forma que será preciso”, ressalta Vergara, que também é membro do Coletivo Nacional dos Eletricitários (CNE).
Antes da privatização da Eletrobras, os sindicalistas avisaram, emitiram boletins e conversaram com todas as esferas e do governo anterior, mas nada adiantou.
“Eventos que eram raros estão sendo frequentes e vão se tornar ainda mais frequentes por conta da precarização e aliado a isso o agravamento dos efeitos climáticos, as tragédias serão ainda maiores. Para restabelecer o sistema são precisos recursos, mas do Estado porque a iniciativa privada não investe, ela apenas troca peças”, analisa.
Responsabilidade da prefeitura e da Enel
A primeira fase é a prevenção por parte da administração do município e da própria empresa distribuidora de energia. As cidades brasileiras não tem aterramento de fios subterrâneo e tempestades podem derrubar postes e árvores. Neste caso a poda e manutenção de árvores que se enroscam nos fios elétricos são da prefeitura, assim como a limpeza dos destroços nas ruas e avenidas. Na capital paulista há quase 17 mil pedidos pendentes de podas de árvores.
O Sindicato dos Trabalhadores na Administração Pública e Autarquias no Município de São Paulo (Sindsep), denunciou que o atual prefeito Ricardo Nunes (MDB), não ampliou o quadro de servidores da defesa civil, nem garantiu condições decentes de trabalho para os que estão em atividade. Em nota o Sindsep diz que “a realidade é que a política de Ricardo Nunes cortou os investimentos no cuidado permanente da cidade, não realizou nenhuma ação concreta do Plano Municipal de Arborização Urbana (PMAU), e se recusou a realizar concursos para a contratação de engenheiros agrônomos e florestais nas subprefeituras de São Paulo. O mesmo prefeito recusa a urgente ampliação do quadro de servidores da Defesa Civil, comprometendo a eficácia e a segurança dos serviços de proteção à população”. Leia aqui a integra
Por outro lado, Tiago Vergara diz que quedas de árvores sempre existiram e a fica um jogo de empurra entre as prefeituras e as empresas de energia. O que de fato, segundo ele, precisa ser feito é que haja um projeto de modelo do setor elétrico nacional que atenda a sociedade brasileira e não a interesses de terceiros.
“Nós temos um Congresso Nacional e um STF privatistas que aceitam rebaixar indicadores de segurança e eficiência para atender as empresas interessadas no setor elétrico brasileiro e como a Aneel não fiscaliza como deveria, o resultado é esse que todos estão vendo”, afirma Vergara.
Quem fiscaliza a Enel
A fiscalização dos serviços prestados pela distribuidora da energia é feita pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), autarquia vinculada ao ministério de Minas e Energia. A atual direção da Aneel foi indicada por Bolsonaro e tem mandato até 2027.
Desde 2018 a Aneel aplicou cerca de R$ 320 milhões em multas à concessionária Enel –considerando os apagões anteriores que ocorreram em São Paulo, um em março deste ano e outro em novembro passado.
O presidente Lula considerou grave a falha na fiscalização da Aneel e solicitou a abertura de uma auditoria completa sobre o trabalho da agência no apagão em São Paulo. O objetivo é verificar o processo de fiscalização e as respostas –ou falta delas– por parte da Enel. O governo também determinou que a Enel “assegure” o ressarcimento aos moradores que tiveram prejuízos e restabeleça a energia elétrica em até três dias.
Cronograma da privatização e desmonte
A Eletropaulo foi arrematada em leilão no dia 15 de abril de 1998 pelo consórcio Lightgás, sendo dividido da seguinte forma: AES Corporation (11,46%), Houston Industries Energy (11,46%), Électricité de France (EDF) (11,46%) e Companhia Siderúrgica Nacional (7,32%).
Em 2001, após a venda das ações da Houston Industries e da CSN para a AES Corporation, a Eletropaulo passou a ser chamada de AES Eletropaulo e permaneceu assim até 2018, quando foi feito um novo leilão para o controle da empresa e o lance vencedor foi o da Enel.
A capital paulista sofreu o primeiro grande apagão no mês de novembro do ano passado quando a empresa italiana já tinha demitido boa parte dos seus trabalhadores.
Em 2022 eram 17.475 trabalhadores, sendo 13.034 terceirizados e 4.441 próprios. No terceiro trimestre de 2023, a Enel São Paulo reduziu este número para 15.366 trabalhadores, sendo 11.503 terceirizados e 3.863 próprios. No seu balanço consolidado de 2023, a empresa reportou 15.721 trabalhadores. Como comparação, em 2020 eram quase 27 mil – uma redução de quase 11 mil trabalhadores.
No Brasil, a Enel São Paulo também reduziu os investimentos. Em 2023, eles somaram R$ 1,6 bilhão e recuaram 16,1% na comparação com 2022. Depois do primeiro apagão em São Paulo que deixou milhares sem energia por vários dias, a empresa prometeu investimentos de cerca de R$ 6,2 bilhões até 2026 em São Paulo, um aumento de 43% em relação à média anual dos últimos seis anos, para intensificar manutenções preventivas e modernizar a rede elétrica. Ela também se comprometeu a contratar 1,2 mil trabalhadores até março de 2025. Esses dados foram publicados pelo jornal O Estado de São Paulo e UOL.
A Enel
Fundada em 1962, a Enel nasceu como uma estatal com o objetivo de unificar os serviços de geração, transmissão e distribuição de eletricidade da Itália. A empresa se transformou numa das maiores do mundo – está presente em 29 países – e o governo italiano tinha, por meio do Ministério de Economia e Finanças, 23,6% de participação na holding até o fim do ano passado.
A empresa também passou por um processo de privatização na Itália e no ano passado, a maior parte do capital da Enel estava distribuída entre os investidores institucionais (58,6%) e os de varejo possuíam 17,6%.
No Brasil, além de distribuir energia para 24 municípios, incluindo a capital de São Paulo, para 8 milhões de unidades, a Enel está presente nos estados do Rio de Janeiro e Ceará.
Fonte: Portal CUT