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Até chegar à torneira de cada residência, o percurso da água pode passar pela contaminação por agrotóxico, por interesses econômicos de hidrelétricas privadas, ou por esgoto sem tratamento. Estes e outros fatores colocam em risco o acesso à água como um direito, e geram estimativas de problemas hídricos para dois terços da população do mundo em 2025, segundo relatório da Organização das Nações Unidas (ONU).

Para defender o acesso à água como um direito, entidades e movimentos sociais do Brasil preparam o Fórum Alternativo Mundial da Água (FAMA), previsto para ocorrer em paralelo ao 8º Fórum Mundial da Água, em março de 2018. O evento oficial reunirá governo e grandes empresas privadas do ramo, com uma programação voltada à lógica mercantilizada de exploração dos recursos hídricos.

No Paraná, o Comitê de mobilização do FAMA foi lançado no mês de outubro, em Maringá. A audiência pública “Água é um direito, não mercadoria”, realizada dia 29 de novembro, na Assembleia Legislativa do Paraná, está entre as ações de formação e preparação do Comitê acerca do tema.

Edson Aparecido da Silva, integrante da Federação Nacional dos Urbanitários e do Comitê Nacional do FAMA, explica que o Fórum pretende ser espaço para debater a questão da água nas mais variadas faces. “A gente não quer o palco do FAMA seja um muro de lamentações e um palco de diagnósticos, mas que gere a continuidade dos comitês e de ações conjuntas”, apontou Silva, que participou da audiência na Alep.

Água privatizada

“O controle da água é necessário para a soberania dos povos. Se não lutarmos por isso, a Coca-cola, Danone, Pepsi, Nestlé dominaram tudo”, alertou Joseanair Hermes, assessora da Cáritas do Paraná, durante a audiência pública. A Cáritas é uma das entidades componentes do Comitê do Fama do Paraná.

Marcio Killer, integrante da Central Única dos Trabalhadores (CUT), chamou atenção para a tendência aos oligopólios privados. “Hoje nós vivemos a política dos quatro ou cinco, quando quatro ou cinco controlam as comunicações, quatro ou cinco corporações controlam os bancos, e o mesmo acontece com o direito de controle sobre a água”.

“O controle da água é necessário para a soberania dos povos. Se não lutarmos por isso, a Coca-cola, Danone, Pepsi, Nestlé dominam tudo” – Joseanair Hermes, da Cáritas Paraná

A privatização dos recursos hídricos faz parte das medidas antipopulares impostas pelo governo golpista de Michel Temer (PMDB), e adotada por governos estaduais. Estão na mira especialmente a Eletrobras e empresas estaduais de saneamento. “Privatizar a água prejudica principalmente a população mais pobre e os pequenos agricultores. As pessoas que não podem pagar pelo acesso elas ficam excluídas, assim como ocorre com outras mercadorias”, avaliou Joseanair Hermes.

Roberto Baggio, integrante da coordenação estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), caracterizou o tema como central e fundante do desenvolvimento nacional, e reafirmou a necessidade de que os recursos hídricos estejam sob controle público estatal. “Imaginem se o futuro nosso vir a ser um grande mercado privado, onde tudo vai ser vendido. O que vemos em escala internacional é que as grandes empresas transnacionais querem fazer o rateio dos recursos naturais. Imaginem o nível de apropriação, de geração de riqueza para mais privadas, nas mãos de transnacionais”.

“O que vemos em escala internacional é que as grandes empresas transnacionais querem fazer o rateio dos recursos naturais” – Roberto Baggio, do MST

A possibilidade de ter altos níveis de lucrar a partir da exploração de hidrelétricas atrai para o Brasil empresas privada internacional. É o que conta Daiane Machado, integrante da coordenação paranaense do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). De acordo com a militante, o estado tem o segundo maior parque de geração de energia no Brasil, responsável por 11% de produção de energia. No entanto, a tarifa paga pelos paranaenses é a segunda maior do país, atrás apenas de Minas Gerais, onde opera a Cemig.

Empresas francesas, chinesas, e inglesas estão no mercado da geração de energia no estado. “A gente consome cerca de 50% do que é gerado, o restante vai para fora do estado. Pra quem esse desenvolvimento está servido?”, questiona Daiane Machado.

“A gente consome cerca de 50% do que é gerado, o restante vai para fora do estado. Pra quem esse desenvolvimento está servido?” – Daiane Machado

Dimas Floriani, professor da Universidade Federal do Paraná, garantiu haver uma disputa de ordem econômica e geopolítica em torno do domínio da água. “Talvez, daqui 50 anos, o foco das disputas internacionais vai deixar de ser por petróleo para ser pela água”. Ele chama a atenção para uma contradição: “Quase 30% da água doce do mundo estão na América Latina, porém, mais de 27% da população latino-americana e caribe não têm acesso à água potável e saneamento”.

Muita árvore e pouca água em Imbaú

O caso do município de Imbaú foi apresentado durante a audiência pública como exemplo dos efeitos negativos do agronegócio sobre a água. Em meados de 2004, o recurso natural que antes era abundante passou a ficar escasso em nascentes e rios. Moradores de 13 comunidades rurais do município começaram a sofrer a falta d’água.

Em 2011, uma pesquisa realizada por professores e estudantes do Instituto Federal do Paraná (IFPR) confirmou o que a população já sentia: o nível de água dos rios da região estava diminuindo. A pesquisa apontou que a redução da água estava relacionada ao monocultivo de eucalipto e pinus sobre os veios d’água, promovido em larga escala pela empresa Klabin. Conforme o estudo, cerca de 40% do território do município estava coberto pela produção industrial de árvores.

“Os primeiros cinco poços, cavados ainda em 2004, tinham entre 30 a 50 metros. O 14º poço, perfurado em 2016, só encontrou água a 350 metros de profundidade, em uma região próxima a um rio” – Maristela Pelissaro, vereadora de Imbaú

Os poços artesianos foram a alternativa encontrada pelo poder público local para sanar o problema. Mas a situação se agravou com o passar os anos, conforme relatou Maristela Pelissaro, professora vereadora do município pelo Partido dos Trabalhadores: “Os primeiros cinco poços, cavados ainda em 2004, tinham entre 30 a 50 metros. O 14º poço, perfurado em 2016, só encontrou água a 350 metros de profundidade, em uma região próxima a um rio”.

A dificuldade no acesso a água levou parte da população rural, que era maioria dos 13 mil habitantes de Imbaú, a migrar para a área urbana. Com isso, houve o aumento na demanda pelo fornecimento de água via Sanepar. Sem vazão suficiente nos rios e com aumento da demanda por água na cidade, a Sanepar também utiliza um poço artesiano para abastecer a população.

“A fome e a sede, quando batem na nossa porta, fazem a gente se espernear, queira ou não queira. Foi o que aconteceu com o nosso município” – Ariolino Alves Moraes, morador do assentamento Guaranaba, de Imbaú

Diante da torneira seca e dos prejuízos na lavoura e na criação de animais, os moradores decidiram criar o Movimento dos Atingidos pelo Deserto Verde, para reivindicar soluções para o problema. Ariolino Alves Moraes, conhecido como Chocolate, morador do assentamento Guaranaba e integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), relembrou o que a população local viveu: “A fome e a sede, quando batem na nossa porta, fazem a gente se espernear, queira ou não queira. Foi o que aconteceu com o nosso município”. (fonte: Franciele Petry Schramm)