O Jornal do Brasil tem feito uma série de registros sobre a privatização da Eletrobras. Em seu editorial de 4 de maio é desmontada a tese do governo Temer da necessidade de privatizar os sistema Eletrobras por falta de recursos do país no setor e aponta como único interesse a transferência desse patrimônio público, de forma vil, para o mercado privado.

Já em uma reportagem publicada, neste domingo(6/5), há denúncia de que movimentos na privatização despertam suspeitas de que venda estaria mais para uma doação. “Uma pechincha (se não houver grande disputa com chineses) estimada em R$ 12/15 bilhões.”

Leia a seguir o editorial e a reportagem:

EDITORIAL – Eletrobras: crime de lesa-pátria

O governo Temer, sob a falsa tese de que o Estado brasileiro não possui recursos para investir no sistema elétrico, quer privatizar o sistema Eletrobras, a fim de que capitais privados aloquem os recursos necessários e, assim, atendam à necessidade de aumento de geração de energia no país. Tese absolutamente falsa.

Em primeiro lugar, se o Estado brasileiro carece de recursos para investir em todos os setores essenciais, encontram-se facilmente os motivos na transferência de recursos públicos para a banca privada, representados por centenas de bilhões de reais nos últimos 20 anos, que poderiam ter sido investidos em nossa incipiente infraestrutura. Eis um dos principais motivos do subdesenvolvimento e baixo crescimento econômico no Brasil. Vale dizer, transferência de recursos públicos patrocinada pelos governos Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Nenhum dos três governos enfrentou o poder do oligopólio formado pelas três famílias que dominam o crédito no Brasil.

O que deseja o governo Temer, ao delegar ao ministro Moreira Franco as negociações para a privatização desse patrimônio público que representa o sistema Eletrobras? Simplesmente transferir, de forma vil, o monopólio de um setor estratégico em qualquer país que se diga independente. Não temos conhecimento de que em países europeus a geração de energia esteja nas mãos de empresas privadas. Ao contrário. Na Itália – e vamos parar apenas neste exemplo –, a Enel, que é estatal, neste momento disputa com outras empresas a compra da Eletropaulo. Em outras palavras, privatizar é tão bom, que uma estatal italiana disputa a aquisição de uma empresa brasileira…

A rigor, não somos contra a generalização da privatização. O que não podemos concordar é que um governo com forte rejeição da opinião pública, no caso de Temer, já em seus estertores, tenha a audácia de propor a venda do mais valorizado ativo do Estado brasileiro, sem consultar a sociedade e, mais grave, alienando, reiteramos, o controle da empresa por preço absolutamente vil, o que já configura a ilegalidade da operação. Recentemente, viu-se no mercado a venda de uma universidade privada pelo valor de cerca de R$ 5 bilhões, o mesmo preço sugerido pelo ministro Moreira Franco para a venda da Eletrobras. Será que a companhia vale o preço de uma escola privada?

A tese do governo Temer de que privatizar a Eletrobras é fundamental para a recuperação e capacidade de novos investimentos da empresa, não traduz a realidade, pois não faltam capitais no mundo para investir em geração de energia. Falta, no caso brasileiro, credibilidade a esse governo para buscar os investidores, que hoje, na verdade, querem distância de nosso país, em decorrência da corrupção e da falta de garantia jurídica. Repetimos: não faltam fontes de financiamento. Falta credibilidade.

O que está por trás da operação que sugere uma verdadeira doação do patrimônio público, ninguém sabe. Aliás: sabemos, sim. São os enormes interesses de poderosos grupos estrangeiros aliados a banqueiros brasileiros que desejam, tão somente, ocupar o monopólio de geração de energia no Brasil. Nada mais que isso. Privatizada, os novos donos nada farão, nada vão investir. Vão, simplesmente, energizar seus capitais ao impor tarifas exorbitantes ao consumidor. Temer e Moreira já não estarão no poder e ninguém mais se lembrará desse operação que estão engendrando contra os interesses, mais uma vez, do povo brasileiro.  Saberão o Congresso e a Justiça impedir esse ato que se configura em crime de lesa-pátria? A conferir. (fonte: Jornal do Brasil)

 

REPORTAGEM: Polêmica sobre a Eletrobras

Movimentos na privatização despertam suspeitas de que venda estaria mais para uma doação

Os brasileiros tomam sustos quando a estiagem esvazia os reservatórios das usinas hidrelétricas da Eletrobras, responsável pela geração de 36% da energia do país. Para poupar água e evitar risco de racionamento, são acionadas termelétricas a gás ou a combustíveis, o que onera as tarifas de luz e força. Em 2015, as contas de luz subiram 54% no país. Este ano, os clientes da Light já tiveram reajuste de 10% e os da Enel (interior do RJ e região dos Lagos), de 21%.

De certa forma, a polêmica privatização da Eletrobras virou uma aposta dos interessados em substituir a União (53,9% das ações ON) no comando da segunda estatal brasileira de que o ‘reservatório’ vai encher e gerar muitos lucros. A metáfora vale como uma explicação sobre o que está em jogo, além de gigantescas disputas judiciais sobre o valor real do ativo e do passivo da estatal.

Crime de lesa-pátria especial 

O patrimônio líquido da Eletrobras vale cerca de R$ 45 bilhões (42,7 bilhões em dezembro de 2017). Os ativos da companhia, que controla a Eletronorte, a Chesf, no Nordeste, Furnas, no Sudeste, a Eletrosul e ainda metade da usina binacional de Itaipu e a Eletronuclear, que gere as usinas nucleares de Angra dos Reis e a fábrica de enriquecimento de urânio de Resende (antiga Nuclen), são avaliados por R$ 75 bilhões.

O modelo de privatização da Eletrobras, que o JORNAL DO BRASIL classificou esta semana em editorial como “Crime de lesa-pátria”, foge aos modelos anteriores de privatização, no qual após avaliação técnica, há um leilão pelo controle do capital com direito a voto. Foi assim na privatização das siderúrgicas, nos governos Collor e Itamar Franco, e na venda do sistema Telebrás, no governo FHC. A palavra privatização sumiu do vocabulário no governo Lula, substituída por leilões de concessões de estradas, ferrovias, portos e aeroportos para grupos privados, também sob Dilma.

O aumento de capital da Petrobras, em 2010, após a descoberta do pré-sal, em 2007, foi feito com chamada do público (brasileiro e internacional), mas a União integralizou parte do capital, para manter o controle. Na Eletrobras, sem avaliação, a União (53,9% das ações com direito a voto – ON) e de 15,5% das preferenciais (PN), pretende ‘pedir mesa’ e esperar as apostas de quem quiser ficar com o controle da estatal.

Uma pechincha (se não houver grande disputa com chineses) estimada em R$ 12/15 bilhões. Quase uma doação. Pela Lei das S.A., um investidor ou grupo de investidores pode deter o controle de empresa de capital aberto com pouco mais de 17% das ações com direito a voto (ON). Hoje, o maior investidor em papéis ON da Eletrobras é o Banco Máxima, do bilionário paulista João José (Juca) Abdala, com cerca 7%. Aparentemente, o único interesse de Juca Abdala é ter mais influência no Conselho de Administração.

Entre os acionistas PN, a maior posição (cerca de 5,5%) é da 3G-Radar, criada pelos fundadores da 3G-Capital, empresa de investimento que reúne os três brasileiros mais ricos da lista da Revista Forbes: Jorge Paulo Lemann, Marcel Hermann Telles e Carlos Alberto (Beto) Sicupira, controladores da Ambev/Inbev, da Kraft-Heinz, Lojas Americanas e Burger King. Conhecidos por ‘mãos de tesoura’, pelos duros cortes de custos nas empresas que assumem o controle, o trio mira, há tempos, a Eletrobras. Na assembleia de 27 de abril o representante do 3G-Radar discordou do não pagamento de dividendos (3º ano de prejuízo) e criticou o superfaturamento em obras de hidrelétricas das quais a estatal é sócia, como Belo Monte (PA), Jirau e Santo Antônio (AC), Angra 3 e outras, em mais de R$ 140 bilhões. Nas mãos do trio haveria economia extra de R$ 50 bilhões na Eletrobras. Mas não é só isso que motiva o trio de bilionários surgidos do mercado financeiro. (fonte: Jornal do Brasil)

Aposta de ganhos na correção

Economistas que estudam a Eletrobras e já participaram do seu Conselho de Administração, como Manuel Jeremias, consideram que a correção monetária dos ativos imobilizados da estatal e dos passivos referentes aos empréstimos compulsórios tomados pelo governo nas décadas de 1960 a 1980 pode ser o divisor de águas entre atuais prejuízos (contestados pela 3G) e grandes lucros dos novos donos.

O governo e o presidente da estatal, Wilson Ferreira, estimam que os passivos com as Obrigações da Eletrobras (origem dos empréstimos compulsórios) seria de R$ 15 bilhões. O mercado estima o dobro. Corrigindo os expurgos dos rendimentos vis-à-vis a inflação do IPCA nos planos Cruzado i e II, Bresser, Verão, Collor I e II, como está sendo agora reconhecido pelo STF nas cadernetas de poupança, se a questão não for pacificada antes da transferência do controle, pode sobrar para a União no futuro.

Mas a correção aplicada ao passivo, por questão isonômica, teria de ser aplicada ao ativo. E aí, os valores saltariam exponencialmente. Os cálculos estimam que o valor do ativo (usinas, estações e linhas de transmissão), hoje de R$ 75/80 bilhões, passaria de R$ 200 bilhões com a correção integral. E como a tarifa é calculada em 3% do ativo…

O trio bilionário surgido, na corretora Garantia, sabia fazer apostas de arbitragem de juros fixos contra a correção monetária futura de títulos públicos federais e estaduais negociados no open market dos anos 60, 70 e 80. Já no Banco Garantia amealhou assim os primeiros bilhões, partindo nos anos 80 para a compra de empresas no setor real (Lojas Americanas e Brahma). O trio envelheceu, se afastou das mesas de operações quando vendeu o Garantia para o Crédit Suisse, no fim dos anos 90, mas não perdeu o faro para grandes tacadas.

Chamam a atenção alguns movimentos estranhos da direção da Eletrobras, que contratou, sem licitação, empresa de RP, por quase R$ 2 milhões mensais, e aprova anúncio depreciativo contra patrimônio a ser vendido pela União. O acerto ,com a Petrobras, de R$ 17/20 bilhões em dívidas das distribuidoras da Eletrobras (a serem privatizadas junto com quase 170 Sociedades de Propósito Específico, antes da empresa holding) também pode influir no balanço trimestral da estatal do petróleo, a ser divulgado dia 8, e no da Eletrobras (dia 16). Já o perdão de quase R$ 2 bilhões em dívida da Eletropaulo (surgida antes de sua cisão em quatro empresas), pode afetar sua disputa pela Enel e Neoenergia.

Despesas vieram da ampliação do Conselho de Administração e da criação do Comitê de Auditoria (três vagas remuneradas com 60% dos ganhos médios do CA). O novo formato facilitaria uma futura privatização que extraia ganhos também da remuneração dos representantes dos controladores.

Diante desta doação privada, há quem defenda, como Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do BNDES, que a Eletrobras seja objeto de “democratização do capital”. Suas ações (assim como as do BB, CEF e demais estatais) seriam doadas à Previdência, FGTS, PIS e Pasep. Seriam dos trabalhadores, sustentariam os fundos com dividendos e evitariam o apagão das contas públicas, oriundo do INSS e dos juros abusivos. (fonte: Jornal do Brasil)