artigo – Patrus Ananias*
Toda vez que se discute privatização no Brasil, beneficiários e propagandistas de vantagens desse negócio apelam à promessa enganosa de que o dinheiro público poupado e acumulado, graças à venda de empresas estatais, será investido na educação, na saúde e na segurança pública. Essa mentira volta a ser largamente repetida agora, como um dos argumentos para a privatização da Eletrobras, de Furnas, do setor elétrico inteiro. E é repetida pelas mesmas forças que, no fim de 2016, congelaram pelos próximos 20 anos os investimentos públicos em educação, saúde e segurança, entre outros setores.
Ninguém se deixe enganar: essas forças não querem melhorar nenhum serviço público, mas entregar ao setor privado os serviços essenciais para o povo brasileiro.
Um dos representantes do PT na Comissão Especial da Câmara que trata da desestatização da Eletrobras reclamou que a privatização seja discutida na perspectiva do interesse público nacional. É a perspectiva que considero fundamental – e é, claro, a que os entreguistas se recusam a debater.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é um homem de extrema direita, racista, fascista, provocador, que governa seu país publicando mensagens em redes sociais. Mas ele defende os interesses dos Estados Unidos. O que me assusta no Brasil é que alguns líderes não demonstram ter essa percepção e parecem acreditar que os estrangeiros investem aqui porque são bonzinhos. Não são. É certo que, para promover o desenvolvimento, temos que conviver, às vezes, com o dinheiro de investidores estrangeiros. Mas isso tem que ocorrer sob regras – e sem ilusões. Os estrangeiros vêm para ganhar dinheiro e sairão daqui quando ir embora convier aos interesses deles.
Eu defendo que exista um espaço para o setor privado, a livre iniciativa, a economia de mercado. Mas penso que a economia de mercado e a livre iniciativa tem que estar, senão subordinadas, pelo menos adequadas às exigências superiores do direito à vida, do bem comum, do interesse público, do projeto nacional que nós queremos. Assim, temos que distinguir até onde vai o setor privado e onde entra o interesse público. Precisamos definir com clareza o que é do Estado – o que é fundamental ao desenvolvimento do país e ao bem estar do povo – e aquilo que pode estar nas mãos do setor privado, que visa o lucro.
Energia elétrica não pode ser uma mercadoria, porque é um bem essencial à vida. Não considero razoável submetermos aos interesses do setor privado, à sua ambição por lucros, o abastecimento de luz elétrica para as pessoas, as famílias, as comunidades, as casas, as ruas, as escolas, os hospitais, os postos de saúde, as cidades, as áreas rurais, a indústria, a agropecuária…
Eu nasci mais ou menos junto com a Cemig – a Centrais Elétricas de Minas Gerais. Cresci na roça, sem água encanada e sem luz elétrica, nos anos 1950, quando o então governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek, iniciava a implantação da Cemig. Muitos anos depois, tive a oportunidade de fazer uma longa viagem aérea pelo estado e pude contemplar a noite iluminada de Minas Gerais. Luz nas cidades, nas fazendas, nos distritos, nas pequenas comunidades. Não teríamos feito isso em Minas Gerais sem a Cemig, apenas com a iniciativa privada buscando lucro.
Nos governos do presidente Lula e da presidente Dilma, com certeza não teríamos o programa Luz para Todos, que iluminou o Brasil, se o sistema elétrico estivesse privatizado. O setor privado não levaria eletricidade a milhões de pessoas nos mais distantes rincões da nossa pátria. Não abriria mão de seus lucros para investir num projeto de Nação. Até porque o Brasil continua sendo uma espécie de paraíso do capitalismo selvagem. Agora mesmo, em vez de avançarmos para disciplinar o capitalismo, inclusive submetendo a posse e o uso da terra às superiores exigências do interesse público e do bem comum, estamos privatizando as águas juntamente com o setor elétrico. Quem detiver o controle das hidrelétricas terá o controle dos nossos rios, inclusive das nascentes.
Serão passos gravíssimos da escalada dos golpistas – um processo enlouquecido de desmonte dos direitos sociais e de entrega do patrimônio e da soberania do Brasil. Processo em que se mobilizam forças políticas e econômicas antipopulares e antipatrióticas para atender interesses do grande capital internacional e interesses de nações poderosas, às quais não serve a emancipação plena do Brasil e da sua gente.
*Patrus Ananias – Ex-ministro do Desenvolvimento Social e do Desenvolvimento Agrário, é deputado federal pelo PT-MG
Artigo publicado originalmente em Brasil 247