artigo: Ikaro Chaves*
Como ficar inerte não era uma opção, o CNE foi à luta. A primeira coisa a se fazer era tentar unificar, no máximo possível, a categoria e para isso uma postura de abertura e de união por parte dos sindicatos foi essencial, afinal, mesmo os trabalhadores conservadores sabiam que a privatização significaria desemprego quase certo. Não era hora de revanchismo, de buscar mais cizânia entre os trabalhadores, mas sim de esquecer o passado e unir todos, absolutamente todos que fossem contra a privatização.
Unida a tropa, era hora de pensar a estratégia. Tratava-se de uma “guerra” assimétrica e nesses casos não convém bater de frente com o inimigo, portanto a estratégia grevista poderia ser um suicídio, pelo menos naquele momento. Dividimos nossa ação em três vertentes: A política, a jurídica e a mobilização, sendo que essa última tinha o componente interno, da categoria e externo, da sociedade, ou seja, englobava também o aspecto estratégico da comunicação.
Como seria necessária a aprovação do congresso nacional e o judiciário brasileiro vinha se mostrando pouco simpático às demandas trabalhistas e nacionalistas, tínhamos consciência de que a vertente política era a principal e que as outras duas deveriam estar subordinadas a ela. Mas como obter uma vitória em um Congresso mais reacionário da história?
A primeira coisa a fazer era buscar protelar o combate final, ou mesmo evitá-lo. Ou seja, era preciso empurrar para o mais perto possível do período eleitoral a definição do congresso sobre a privatização, pois sabíamos que em meados de 2018 haveria ao menos alguma chance para nós. O governo anunciava que até o fim de 2017 o projeto seria aprovado pelo congresso, e se de fato o cronograma desejado por eles tivesse sido cumprido, provavelmente agora, em maio de 2018, já estaríamos trabalhando em uma Eletrobras privada, ou mesmo demitidos.
Mas até para atrasar o processo era preciso ter alguma força no parlamento. A oposição de esquerda, tradicional aliada, contava, se muito, com uma centena de votos, então era preciso não só assegurar um apoio firme, consistente e articulado dos aliados tradicionais, mas buscar também nas hostes governistas algum apoio. Para isso a política de união de todos contra a privatização aplicada nas nossas bases foi fundamental, pois conseguimos, através de trabalhadores ligados a parlamentares governistas, uma boa interlocução com esse campo. Além do mais, conseguimos mobilizar várias centenas de trabalhadores em diversos atos tanto em Brasília, como nos estados, com destaque para o Rio de Janeiro e Pernambuco em atos memoráveis e que demonstraram aos parlamentares que ali estava uma categoria coesa, aguerrida e mobilizada.
Um discurso tecnicamente bem embasado, da defesa da Eletrobras pública também foi estratégico para mostrar que ali não se tratava disputa entre direita e esquerda, mas sim da defesa da soberania nacional, da modicidade tarifária e da segurança energética do país.
Nossa primeira vitória foi justamente no terreno técnico. O projeto de Temer era tão ruim que ficou absolutamente impossível para eles defende-lo e em cada audiência pública em que comparecíamos, mesmo sentando na mesma mesa com representantes de mais alto escalão do governo no setor elétrico, ficava mais claro que o Brasil não teria nada a ganhar com aquela negociata. Como convencer as pessoas de que aumento de tarifa, perda de soberania e insegurança energética seria algo positivo, principalmente comparando-se com experiências internacionais?
Com um discurso pronto, era hora de buscar aliados e para isso havia duas consignas: Mobilizar os do nosso campo e angariar apoios no campo adversário. Fomos então articular com as centrais sindicais, como movimentos sociais, como o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), com o MST e outros, além disso fomos buscar apoio entre militares e mesmo entre o empresariado, incluindo a própria FIESP. Esse aliás é um caso interessante, pois estava óbvio que não estaríamos juntos no mesmo palanque, mas como eles sabem fazer contas, sabiam que a privatização traria aumento de tarifas e por conta disso, aliás, apenas disso, ficaram firmemente contra o projeto do governo.
Aos poucos as resistências dentro da própria base parlamentar e social do governo foram crescendo, mais e mais vozes dissidentes foram se manifestando, o governo cometeu vários erros durante o processo, dos quais soubemos nos aproveitar, construímos uma competente rede de comunicação na internet, contando com a participação ativa de centenas de trabalhadores eletricitários e dos sites progressistas a ponto de podermos afirmar, baseados em dados, que estamos ganhando a batalha nas redes.
Não há dúvidas de que a correlação de forças já não é mais tão negativa quanto em agosto de 2017, o governo Temer se enfraquece a cada dia, entretanto ainda estamos em tempos de resistência, com a maior liderança popular da história desse país, o ex-presidente Lula, preso político em Curitiba. Nesse momento é preciso unir todas as categorias de trabalhadores de empresas estatais. O esquartejamento da Petrobras, o sucateamento dos bancos públicos, dos correios e outras empresas públicas não deixam dúvida de que o regime golpista, caso saia vitorioso, com qualquer uma de suas candidaturas presidenciais, avançará de forma impetuosa contra todas as estatais e o que resta do estado brasileiro. Se um governo sem um voto sequer conseguiu retroagir o Brasil vinte anos em apenas dois, o que poderá fazer um governo dessas mesmas forças políticas legitimadas pelo voto popular?
As batalhas decisivas se aproximam, tanto em relação à privatização da Eletrobras, no congresso nacional, quanto em relação ao pleito de outubro, onde será decidido o futuro do país para o próximo período. Uma vitória na batalha da Eletrobras fará o polo nacionalista e progressista da nação acumular forças, mas de forma alguma essa vitória está garantida, a privatização da Eletrobras desperta interesses bilionários, dentro e fora das fronteiras brasileiras. É hora de unir os trabalhadores das empresas estatais em ações conjuntas, uma greve patriótica, envolvendo eletricitários, petroleiros e outras categorias pode ser o início dessa nova fase da resistência popular. Se a unidade é a bandeira da esperança, o cimento da unidade é a luta concreta.
*Ikaro Chaves, engenheiro e dirigente sindical do STIU-DF
Artigo publicado originalmente no site Stiu-DF