Evento em São Paulo discute problemas e soluções para as carências das grandes concentrações urbanas brasileiras
Discutir as contradições urbanas, a democratização e o protagonismo das cidades no debate político do país são os objetivos do Fórum Nacional: por um projeto para as cidades do Brasil, que começou nesta terça-feira (22), em São Paulo. Durante três dias, pesquisadores, líderes de movimentos sociais, ONGs, entidades profissionais e estudantes de diversas áreas do conhecimento irão debruçar sobre os problemas que afligem as grandes cidades brasileiros
A mesa de abertura já deu o tom do tamanho do desafio colocado. O economista João Pedro Stédile, da coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), destacou que 86% da população brasileira vive nas cidades, o que justifica a priorização do território urbano no centro dos debates.
Stédile ponderou que, desde 2008, a crise do sistema capitalista tem atingido as estruturas da sociedade, com repercussões graves nos centros urbanos. “O capitalismo não consegue mais resolver os problemas das pessoas”, afirmou o líder do MST, lembrando que, em outras épocas, o modelo até conseguiu desenvolver a economia, criar emprego e renda, embora de modo desigual, mas agora nem isso ocorre mais.
Para Stédile, as contradições e os problemas urbanos devem ser vistos a partir da ótica da crise política que atinge o Brasil, com o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff e a recente prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ao contexto político, ele acrescentou a delicada situação do meio ambiente, inclusive a disputa pela água. “Está havendo racionamento de água em Manaus, cidade banhada por dois dos maiores rios do mundo. Estamos vivendo uma crise gravíssima”, alertou.
Segundo o líder do MST, a tarefa histórica atual é discutir um novo projeto de cidade e de país, unindo conhecimento científico e tecnológico, com organização e militância política popular. Novos paradigmas que, avalia, a própria esquerda nunca esteve acostumada a refletir.
“Estamos numa crise que vai levar a uma mudança. Não basta mais chegar ao governo e distribuir renda. É preciso mudar as estruturas”, afirmou, enfatizando a necessidade de enfrentar o capital financeiro, os lucros exorbitantes dos bancos e das empresas transnacionais. “São novos paradigmas. Vai levar tempo? Vai, mas não tem outro jeito.”
Longo prazo
Presidente da Fundação Perseu Abramo e um dos elaboradores do programa de governo do PT para a eleição presidencial, Marcio Pochmann comparou a atual crise política e econômica – e consequentemente a crise das cidades – com outros períodos históricos do Brasil, como a luta pela abolição da escravatura e as eleições de 1930. Tal como no passado, ele acredita que agora é preciso ter uma perspectiva de longo prazo, que vá além do imediatismo eleitoral.
De acordo com Pochmann, a “transformação profunda” a ser feita é sair de uma sociedade industrial para uma sociedade de serviços. Como exemplo, o professor e economista disse que 22% da força de trabalho de São Paulo está nos shoppings centers da cidade. “Temos um descolamento desta nova sociedade que avança.”
Sobre o plano de governo do PT para as eleições, Pochmann disse que o partido, após longo período de diálogo com setores da sociedade, planeja apresentar medidas de caráter emergencial para os primeiros dias de um futuro governo; outras ações que façam uma transição dos desmandos cometidos pelo governo de Michel Temer; e por fim um programa de mudança estrutural do país.
Falando em nome do Projeto Brasil Nação, a jornalista Eleonora Lucena destacou a defesa do espaço público, a mobilidade e a função social da propriedade como temas que precisam ser encarados em um novo projeto de cidade. Ao mesmo tempo, afirmou ser preciso retomar a democracia no país, abalada nos últimos anos. “A recuperação da democracia no Brasil passa pela liberdade de Lula e sua participação nas eleições”, disse.
Para ela, o governo de Temer, “antinacional, antipopular e ilegítimo”, tem desde o início posto em prática uma pauta muito bem definida: destruir a democracia; destruir as bases do desenvolvimento do país construídas ao longo do século 20; e ir contra a sociedade com uma série de medidas regressivas em todas as áreas, causando o aumento da mortalidade na infância, a desnutrição e a volta do uso de lenha para cozinhar, em contraposição as benesses para o rentismo. “Um quadro que só acelera o fosso social no país”, afirmou Eleonora Lucena.
Mercado interno e periferia
Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), Laura Carvalho defendeu que as carências das cidades devem ser o alvo do desenvolvimento econômico. Para ela, é preciso retomar o mercado interno como foco do desenvolvimento econômico, tal como feito em alguns momentos do governo do ex-presidente Lula, particularmente em 2005 e 2006.
Para ela, entretanto, é preciso pensar qual o modelo de indústria produtiva se quer para o século 21. “Acredito que não faça mais sentido ter a indústria automobilística como motor da economia nacional”, afirmou, reconhecendo que a ideia pode ser polêmica para alguns, mas está em sintonia com vários problemas ambientais e de mobilidade causados nas cidades pelo uso excessivo de automóveis.
“O investimento público deve ser direcionado para os setores carentes da cidade, que por sua vez também envolvem outros setores econômicos”, explicou a economista, que está auxiliando o plano de governo do pré-candidato à Presidência da República Guilherme Boulos (Psol). “Quem está pensando em cidade, em meio ambiente, tem que pensar numa estrutura produtiva nova para o século 21.”
Laura Carvalho criticou a política econômica adotada no primeiro mandato da ex-presidenta Dilma Rousseff – erros inclusive já reconhecidos por Dilma –, que privilegiou os subsídios fiscais para diversos setores da indústria na crença de que isto faria os empresários voltarem a investir. “Mas na prática estes subsídios foram embolsados. Não podemos repetir esse erro”, afirmou. Para ela, é fundamental voltar a implementar um modelo econômico que redistribua a renda, principalmente para a base da pirâmide social. “É muito importante que se discuta sempre quais são os investimentos necessários para a melhoria da situação urbana.”
Última a participar da mesa de abertura do Fórum Nacional: por um projeto para as cidades do Brasil, a arquiteta e urbanista Ermínia Maricato enfatizou que a urbanização das favelas foi uma luta de décadas até começar a ser feita no primeiro Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), na gestão Lula, porém depois perdeu continuidade.
Segundo a urbanista, o alto preço dos imóveis e dos alugueis, em comparação com o custo de vida geral, foi uma das principais razões das manifestações realizadas por todo o país em junho de 2013. “Nós que lutamos pela função social da propriedade fomos derrotadas. Os movimentos sociais ficaram encastelados nos partidos, ficou muito cômodo”, analisou.
Ela assinala que a maioria da população trabalhadora nunca teve condições econômicas para adquirir a casa própria, ao mesmo tempo em que também não foi atendida por políticas públicas, combinação que resultou na situação de “calamidade” da moradia urbana nas periferias das cidades brasileiras. “As periferias fervem, a esquerda é que se afastou”, afirmou Ermínia, dando a dimensão dos desafios urbanos no Brasil. (fonte: Rede Brasil Atual)
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