Para acessar a pesquisa, entre os indicadores do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) está o da Habitação que incluiu o saneamento ambiental. Para consultar: entre clique nesse link, escola a opção Mapas, em seguida selecione o indicador Habitação e aparecem as opções para serem consultadas:
. % da população em domicílios com água encanada;
. % da população em domicílios com banheiro e água encanada;
. % da população em domicílios com coleta de lixo;
. % da população em domicílios com energia elétrica.
. % da população em domicílios com densidade > 2.
Outro estudo, ranking elaborado pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – ABES, aponta que somente 80 municípios entre todos os avaliados estão na categoria máxima Rumo à universalização. Destes, os de grande porte são apenas 29 municípios, todos nas regiões Sudeste e Sul. Outros 201 estão na categoria Compromisso com a universalização e a maioria está nas categorias Primeiros Passos para a universalização e Empenho para a universalização, somando 1613 municípios (veja aqui).
Em meio a esses dados estarrecedores, o governo Temer ameaça editar uma Medida Provisória para alterar a regulamentação da prestação de serviços de saneamento e abastecimento, modificando a Lei Nacional de Saneamento Ambiental, editada em 2007 e uma importante conquista do país.
As mudanças previstas são para possibilitar a privatização do saneamento no país, com a alteração no processo de assinatura de contratos entre municípios e empresas de água e esgoto.
Uma das críticas é que, com a mudança, as empresas privadas ficariam somente com as regiões mais atrativas, deixando para as públicas os municípios menores –que hoje têm seu serviço custeado por subsídio cruzado, em que a receita gerada nas cidades mais rentáveis compensa o seu déficit.
A conclusão é que, ao contrário do que o governo apregoa, a privatização do saneamento não irá ajudar na universalização do saneamento no país, ao contrário, os municípios mais carentes e longínquos continuaram a não ter a prestação desse serviço essencial para à saúde e qualidade de vida como um todo.
A FNU – Federação Nacional dos Urbanitários -, ao lado de outras entidades, está em luta contta essa proposta de Temer de mudar a Lei Nacional de Saneamento Ambiental.
LEIA O ARTIGO DO PROFESSOR JOACIR RUFINO DE AQUINO:
O desenvolvimento humano que não chega ao campo
O Brasil vivenciou uma mudança bastante positiva no seu quadro social no limiar do século 21. Entre os avanços registrados, merece destaque a inserção do País no ranking das nações de alto desenvolvimento humano.
Contudo, nessa matéria em particular, é preciso tomar cuidado com a média dos números agregados. Isso porque não podemos esquecer que ainda somos a “terra da desigualdade” especialmente quando se compara a situação dos habitantes vivendo no campo e nas cidades dos municípios brasileiros.
O desenvolvimento humano é medido internacionalmente por meio do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que considera três dimensões para aferir a qualidade de vida da população: saúde, educação e renda. O indicador, lançado no começo dos anos 1990, parte do princípio de que o bem-estar das pessoas depende da sua capacidade de ter uma vida longa e saudável, bem como acesso a conhecimento formal e a um padrão de vida decente por meio do acesso a bens e serviços.
No caso específico do Brasil, seguindo a mesma lógica do IDH Global, foi feita uma adaptação para a realidade dos municípios, e foi criado o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM). O IDHM é calculado a partir da média geométrica, com pesos iguais, do IDHM longevidade (expectativa de vida ao nascer), juntamente com o IDHM educação (escolaridade da população adulta + fluxo escolar da população jovem) e o IDHM renda (renda per capita).
Para fins operacionais, o indicador citado trabalha numa escala que varia de zero (0) a um (1), a qual serve de base para classificar as localidades em cinco “faixas” de IDHM. Assim, segundo a metodologia aplicada, se o município ficar situado na faixa entre 0 a 0,499, será considerado como de “muito baixo desenvolvimento humano”; entre 0,500 a 0,599, “baixo desenvolvimento humano”; entre 0,600 a 0,699, “médio desenvolvimento humano”; entre 0,700 a 0,799, “alto desenvolvimento humano”; e, entre 0,800 e 1, “muito alto desenvolvimento humano”.
Observe-se que o IDHM, apesar de seu requinte metodológico, é uma média estatística e apresenta limites. Mas o que pouca gente sabe é que esse problema foi amenizado recentemente por uma inciativa conjunta do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD-Brasil), do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e da Fundação João Pinheiro (FJP). Em 2017, fruto dessa parceria, procedeu-se a desagregação do IDHM de 2000 e 2010 por sexo, cor e situação dos domicílios (rural e urbano).
Os resultados obtidos foram disponibilizados para consulta pública em uma plataforma virtual de fácil operação. Tal procedimento possibilitou, pela primeira vez, verificar algumas especificidades de grupos sociais distintos na sociedade brasileira até então pouco abordadas.
Quanto à situação de localização dos domicílios, por exemplo, a nova tabulação dos dados desagregados do IDHM permitiu demonstrar que o grau de desenvolvimento humano nas áreas rurais do Brasil ainda é precário e apresenta uma grande distância em relação às áreas urbanas. Com efeito, em 2010, enquanto o IDHM das cidades brasileiras (0,750) ficou situado na faixa de alto desenvolvimento humano, conforme os critérios mencionados anteriormente, o IDHM rural (0,586) não conseguiu ultrapassar a faixa de baixo desenvolvimento humano.
Vale destacar que há variações importantes no amplo território nacional, sendo os melhores resultados apresentados nos municípios dos estados das regiões Sul e Sudeste, muitos deles no patamar de médio desenvolvimento humano, e os piores nas localidades do Norte e Nordeste do País.
Entretanto, em todas as Unidades da Federação (UFs), o IDHM rural é menor do que o IDHM urbano. Apenas para ilustrar, basta dizer que até mesmo o IDHM rural dos municípios de Santa Catarina (0,698), destaque na região Sul, ficou bem atrás da média das cidades do estado (0,789).
No que diz respeito às dimensões que constituem o IDHM rural (saúde/longevidade, educação e renda), a que apresentou o melhor desempenho foi a referente à saúde. É interessante frisar que, em 2010, a expectativa de vida da população vivendo nas áreas rurais brasileiras (71,5 anos) já havia se aproximado da média dos moradores das cidades (74,6 anos).
Desse modo, embora ainda distante do patamar das áreas urbanas, que registraram um nível muito alto de desenvolvimento humano em termos de expectativa de vida (IDHM de 0,826), a população rural apresentou um IDHM longevidade de 0,775, sinalizando uma situação de alto desenvolvimento humano nesse aspecto em particular em todas as regiões do país.
A maior longevidade da população rural tem sido conquistada, principalmente, pelos avanços da saúde pública nos municípios brasileiros e pela melhoria da qualidade de vida dos idosos. Contribui para isso a universalização dos benefícios da Previdência Rural no campo e a extensão dos programas de transferência de renda, como o Programa Bolsa Família.
A renda proveniente dessas políticas assistenciais colabora para garantir a segurança alimentar das famílias e, não raro, possibilita também melhorar a infraestrutura de saneamentos dos domicílios. Além disso, com o recebimento mensal dos benefícios, o público atendido pode comprar parte dos remédios que necessita para tratar de doenças, algo fundamental para uma vida longa e mais saudável.
Todavia, embora os resultados referentes à saúde e longevidade no campo sejam animadores, o mesmo não pode ser dito em relação às outras duas dimensões que formam o IDHM, educação e renda. De fato, no caso do direito humano à educação a situação é preocupante. Em 2010, por exemplo, apenas 26,51% da população rural com 18 anos ou mais tinha concluído o ensino fundamental completo.
Devido a números precários como esse, o IDHM educação das áreas rurais brasileiras ficou na vergonhosa faixa de muito baixo desenvolvimento humano (0,441). Já as cidades, mesmo longe da situação ideal, detinham uma performance intermediária, com um IDHM educação médio de 0,676.
O IDHM educação, como era de se esperar, é mais precário nas áreas rurais dos municípios das regiões Norte e Nordeste do país. Os estados da região Sul, por sua vez, superaram a média nacional, alcançando um IDHM educação superior a 0,500.
Note-se, porém, que mesmo nessa porção do nosso território, onde as áreas rurais são mais dinâmicas e estruturadas, o indicador em foco não conseguiu superar em nenhum estado a faixa de baixo desenvolvimento humano e alcançar um patamar intermediário, ou seja, acima de 0,600.
Logo, se olhássemos para o meio rural do Brasil apenas pela ótica dos seus precários índices educacionais em 2010, estaríamos diante de um vasto espaço subdesenvolvido praticamente sem distinções regionais significativas.
O quadro desolador do acesso a conhecimentos formais nas áreas rurais dos municípios brasileiros reflete um cenário histórico de abandono, acumulando problemas na formação de professores, na infraestrutura das escolas, no transporte dos alunos, nos currículos escolares etc. Não bastassem tais problemas, outra grave questão é o fechamento dos estabelecimentos de ensino no campo, o que vem aumentando ano a ano.
Segundo dados do Ministério da Educação (INEP/MEC), o número de escolas rurais passou de 103.328, em 2003, para 63.049, em 2016, representando uma queda de aproximadamente 40% fruto da desativação de mais de 40 mil unidades no período. Dessa forma, muitas crianças e jovens não conseguem completar seus estudos por causa dos gargalos na oferta da educação pública em suas comunidades de origem.
O fato concreto é que os baixos indicadores educacionais no campo, entre outras implicações, afetam a capacidade da população rural de gerar renda a partir de seu próprio trabalho, seja em atividades agropecuárias, seja em atividades não agrícolas ligadas à indústria ou ao setor de comércio e serviços.
Os resultados são rendimentos muitos inferiores aos obtidos nas cidades. Basta dizer que, em 2010, a renda domiciliar per capita média da população urbana (R$ 882,64) era quase três vezes maior do que a da população rural, estimada em R$ 312,74. Muito em função disso, o IDHM renda alcançou apenas o nível baixo de 0,589 nas áreas rurais, ante o patamar alto de 0,756 obtido pela população urbana.
Além do déficit educacional, a literatura especializada no tema mostra que vários fatores concorrem para explicar a baixa capacidade das famílias rurais de gerar níveis mais elevados de renda. A maioria deles está associada a dificuldades de acesso a terras para produzir, à concentração fundiária, à escassez de assistência técnica, crédito rural e a deficiência dos canais de comercialização para escoar a produção.
Outras questões referem-se aos limites das políticas públicas adotadas no país no sentido de agregar valor à produção e diversificar as fontes de renda das famílias rurais, afetando principalmente o segmento mais jovem que tende a migrar do campo em busca de empregos e ocupações de maior remuneração nas cidades.
Os dados do IDHM desagregados revelam, então, um cenário inquietante. Mesmo diante dos avanços acumulados, é forçoso admitir que os níveis de bem-estar das pessoas nas áreas rurais do Brasil ainda estão muito aquém do mínimo exigido em uma sociedade democrática.
Como foi demonstrado, a maioria da população do campo, embora esteja vivendo mais e melhor, é privada das capacidades e oportunidades para escolher a vida que desejaria ter, prerrogativas essenciais para se alcançar o verdadeiro desenvolvimento humano, como bem ensinou o economista indiano Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1998.
As evidências apresentadas, ao tornar possível ir além da simples média do IDHM, ensejam também uma reflexão sobre o nosso passado, os riscos do presente e os desafios para futuro do campo brasileiro. Nesse sentido, cabe mencionar que a situação de desigualdades retratada é um problema estrutural que vem de longa data e não pode ser atribuída a um governo específico.
O modelo econômico adotado pelo Estado brasileiro desde os anos 1930, baseado no fomento à indústria e na urbanização, relegou ao rural o papel de um mero fornecedor de alimentos e de matérias-primas para as cidades em expansão e para o comércio exterior, em detrimento das exigências de promoção do desenvolvimento humano neste espaço.
Essa constatação básica remete o centro de nossas atenções para atual conjuntura brasileira. Apesar da precariedade dos indicadores verificados nas áreas rurais, é pertinente lembrar que os resultados encontrados seriam bem piores se não fosse a adoção de um amplo conjunto de políticas públicas desenvolvimentistas nas últimas décadas, a exemplo dos investimentos em saúde e em educação, do aumento progressivo do valor do salário mínimo acima da inflação, da expansão da Previdência Rural e do Programa Bolsa Família, afora outras ações de inclusão produtiva (reforma agrária, crédito subsidiado, assistência técnica, mercados institucionais etc.).
Isso significa que o desmonte e os cortes agudos no orçamento das referidas iniciativas governamentais, decorrentes do ajuste neoliberal verificado no presente, representa uma séria ameaça para as conquistas já alcançadas e pode piorar as assimetrias de desenvolvimento humano entre as áreas rurais e urbanas, ampliando as chances de reativar a “bomba migratória” em direção às cidades, o que representa uma grave ameaça para a estabilidade social no contexto de crise urbana e alto desemprego enfrentado nas regiões metropolitanas e nas principais capitais distribuídas na faixa litorânea do país.
Portanto, para fazer frente aos desafios que estão postos, o Brasil precisa urgentemente de uma nova política de desenvolvimento rural. Tal política não pode se resumir em fornecer incentivos e infraestrutura para fomentar as engrenagens da “espetacular máquina de produção de riqueza” em que se transformou a agropecuária nacional, como defendem alguns analistas encantados com as grandes mudanças tecnológicas verificadas no campo.
O avanço do IDHM e a redução do abismo social entre as áreas rurais e urbanas exige uma estratégia focalizada na melhoria das condições de vida das pessoas que são a verdadeira riqueza de nossa nação. Afinal, o meio rural não é apenas o local onde se situam lavouras e fazendas, familiares ou do agronegócio exportador, mas o espaço de vida de um vasto contingente populacional que necessita de oportunidades para estudar, trabalhar, ter acesso à cultura e ao lazer, além de outros aspectos ligados ao exercício pleno da cidadania.
Artigo: Joacir Rufino de Aquino é economista, professor e pesquisador da UERN
Publicado originalmente em Carta Capital