O debate sobre o direito à água ultrapassa fronteiras como pudemos ver durante a realização do FAMA – Fórum Alternativo Mundial da Água, março/18, em Brasília.
Nesse contexto, em entrevista ao jornal português – Diário do Minho -, o ativista dos direitos humanos e ambientalista brasileiro João Alfredo Telles Melo* defende maior envolvimento social no debate sobre o uso da água e fala um pouco dessa questão na Europa.
Leia.
Diário do Minho – O que é que os estados têm feito ultimamente para salvaguardar esse recurso?
João Alfredo Telles Melo – A grande questão que se coloca para a humanidade neste século, além das mudanças climáticas (mas, associadas a elas), é a crise hídrica, que pode ser agravada com o aquecimento global.
Uma crise que, como tudo no sistema capitalista globalizado, não atinge as populações da mesma forma, já que, por exemplo, o consumo per capita de alguns países africanos não chega a ser, por vezes, nem dez por cento do que se utiliza nos países mais ricos. Mas, nos próprios países ditos desenvolvidos, essa desigualdade – ou injustiça hídrica – produzida pela disputa do acesso à água também ocorre, seja pela tentativa de apropriação dos mananciais de água para uso das grandes indústrias hidrointensivas, como as centrais termoelétricas e siderúrgicas, ou pelas empresas de agronegócio, seja pela privatização das empresas públicas de água e saneamento, ou ainda pelo rentável negócio do engarrafamento das águas.
DM – Uma disputa enorme…
JA – Temos, de um lado, a compreensão democrática de que o acesso à água tem que ser um direito humano universal e, do outro lado, aqueles que querem transformá-la numa mercadoria, uma “commodity”. Assim, em cada país e, muitas vezes, em cada cidade, essa disputa tem acontecido… Vale a pena referir que, nos últimos anos, alguns processos de privatização das companhias de água municipais têm sido revertidos, como foram os casos de Paris e Berlim.
DM – A Península Ibérica já começa a sentir a escassez de água potável no período de verão, principalmente, nas regiões do sul. A situação é preocupante?
JA – Não deixa de preocupar. Não posso falar muito do caso português, mas, em Espanha, onde estive, mais precisamente em Sevilha (Andaluzia), o debate sobre a questão da água, da seca, da disputa entre os diversos usos dos recursos hídricos é muito forte. Trata-se de uma região em que ocorrem estiagens e a disputa entre os utilizadores desse recurso é muito forte. A boa notícia é que nem os governos, nem a sociedade se têm alheado dessa questão. No curto espaço de tempo em que vivi em Sevilha, tive a oportunidade de participar em três eventos ligados ao tema: uma audiência pública sobre um plano de emergência para a seca, um debate sobre o plano de mitigação e adaptação às alterações climáticas e uma jornada para debater a nova regulamentação para o ciclo urbano da água. Além disso, há um movimento social muito forte, com a participação de ecologistas, sindicalistas e professores que se têm mobilizado em defesa da água como bem comum e direito humano.
Importa mencionar, como integrante desse amplo movimento, a existência de uma entidade, que reúne militantes e docentes da Espanha e de Portugal, que tem promovido debates e propostas importantes nessa perspectiva – a Fundação por uma Nova Cultura da Água (FNCA).
DM – O Governo português aprovou um novo regime de arborização do eucalipto, defendendo as espécies autóctones. O ataque aos lençóis freáticos fica salvaguardado?
JA – Mesmo não acompanhando de perto a situação de Portugal, é de todos conhecido que o cultivo de eucalipto, pela grande quantidade de água requerida para o crescimento e sobrevivência dessas árvores de grande porte, traz um impacto negativo muito grande para a recarga dos aquíferos, secando, assim, os lençóis freáticos. Não é por acaso que as florestas artificiais de eucaliptos são chamadas de “desertos verdes”. É claro que parte da solução passa pela replantação de espécies da vegetação autóctone, para uma reconstrução desses aquíferos. Mas, creio que o debate sobre as alterações climáticas associado à discussão sobre a questão hídrica tem de ser apropriado pelo conjunto da população; não pode ficar só no controlo dos governos e, muito menos, das empresas.
Experiências como a FNCA ou o Fórum Alternativo Mundial da Água – FAMA, que se desenvolveu este ano no Brasil, são importantes porque têm tido o condão de unificar uma série de sujeitos que não estão vinculados aos interesses do grande capital e apresentam propostas e soluções numa dupla perspectiva, que junta o direito humano à água e a sua proteção ambiental. (fonte: Diário do Minho)
* João Alfredo Telles Melo foi deputado estadual no Ceará, Brasil, e deputado federal até 2007; foi consultor da organização Greenpeace e, atualmente, leciona a cadeira de Direito Ambiental na Faculdade 7 de Setembro (Fortaleza-CE)
Água, saneamento e energia são direitos, não mercadorias!
A luta pela implantação de políticas públicas que melhorem a vida de milhões de brasileiros e brasileiras no que se refere à universalização dos serviços de água, saneamento ambiental e energia são marcas da história da FNU – Federação Nacional dos Urbanitários.
Os urbanitários estão engajados na luta pelo direito à água e ao saneamento como bens e serviços que não podem ser mercantilizados, primeiro como cidadãos que defendem seus direitos, e segundo como profissionais que não querem ver o setor que atuam sucateado, obrigando-os a uma prestação de serviços não condizentes com seus padrões de conduta