O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, deu a senha: “Vamos aproveitar que todos estão falando de pandemia e vamos passar a boiada”. E assim se fez. Enquanto o país assiste ao maior morticínio de sua história, com mais de 340 mil brasileiros mortos em pouco mais de um ano, a prioridade do governo é acabar com o que resta de direitos sociais, de soberania nacional e fazer negociatas com o patrimônio público.
Um desses “bois” de que fala o tal ministro é a Eletrobras. Um “boi” gordo, cujo espólio representará ganhos altíssimos para um setor financeiro monopolista e parasitário, preocupado apenas em sugar o máximo da já exaurida sociedade brasileira, entregue à peste, à fome e ao desespero pelo governo mais vil da história da república. Pra isso Bolsonaro editou, em fevereiro desse ano, a Medida Provisória 1.031, que prevê a privatização da Eletrobras.
Essa não é a primeira tentativa de Bolsonaro de privatizar a Eletrobras. Ainda em 2019 enviou um projeto de lei nesse sentido e em março de 2020, logo após a OMS (Organização Mundial da Saúde) decretar a Pandemia Global da COVID-19, outro ministro que vive fora da realidade, Paulo Guedes, elencou uma série de medidas prioritárias para combater a pandemia, dentre elas estava, por incrível que pareça, privatizar a Eletrobras.
Evidentemente que nem o então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, nem ninguém com juízo naquele parlamento levou a sério a esdrúxula proposta.
Com o advento da pandemia do novo corona vírus, o parlamento brasileiro decidiu aprovar, no início do ano passado um rito sumário para a tramitação de Medidas Provisórias (MP). As MPs já são, por definição, sumárias e estão reservadas a temas que por sua urgência e relevância não possam aguardar o processo normal de tramitação dos Projetos de Lei no congresso nacional. Ou seja, a constituição já previu um mecanismo que reduz o papel do parlamento e o debate público em prol da celeridade, mas apenas para assuntos Urgentes e Relevantes. No entanto, tendo em vista a situação de calamidade pública advinda da pandemia, o parlamento decidiu que haveria um rito ainda mais sumário para a tramitação de Medidas Provisórias relacionadas ao combate e à mitigação dos efeitos da própria pandemia.
Pelo rito ordinário das MPs há a necessidade da criação de uma comissão mista especial, destinada a ouvir a sociedade e buscar subsídios de especialistas, para que assim o relator possa construir seu relatório, entregar à apreciação dos parlamentares membros da comissão especial e depois enviá-lo à deliberação do plenário. Pelo rito sumário o relator ouve quem quer, quando quer, como quer, elabora seu relatório e o envia diretamente ao plenário. Ou seja, não há debate, nem contraditório, mas apenas a opinião do relator indicado pelo presidente da Câmara dos Deputados e é com base nisso que o plenário decidirá.
Não há outo nome, se não torpeza, para caracterizar a prática de se utilizar da maior calamidade pública da história do país para fazer uma negociata como a privatização da Eletrobras.
Em que a privatização da maior empresa de energia elétrica contribuirá para a superação da pandemia? Nem mesmo para a superação da terrível crise econômica que atinge o país a privatização contribuirá, muito pelo contrário. É fato que a privatização aumentará a conta de luz dos brasileiros, justamente no momento de maior vulnerabilidade econômica. Assim como é fato que entregar o controle de uma empresa responsável por 1/3 da geração de energia elétrica do país, 45% do sistema de transmissão e 52% da água armazenada em nossos reservatórios significará abrir mão de toda nossa soberania energética.
Será que a tragédia do apagão no Amapá, quando a população de todo um estado viveu semanas de caos por conta da irresponsabilidade de uma empresa privada, não serviu de lição para nossos representantes no parlamento? Querem que tragédias semelhantes aconteçam por todo país?
Enquanto milhões de brasileiros choram a perda se seus entes queridos, enquanto dezenas de milhões vivem na desesperança do desemprego ou mesmo no desespero da fome que atinge a escala de tragédia humanitária, o governo federal e sua bancada no congresso nacional, ao invés de prover algum tipo de socorro às famílias, dedica-se freneticamente a roubar-lhes o patrimônio e o futuro.
Ikaro Chaves – Diretor da Associação de Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (AESEL)
Victor Costa – Diretor da Associação dos Empregados de Furnas (ASEF)