Nesta página você pode ler dois artigos interessantes sobre os conflitos de água no mundo. A perspectiva da escassez hídrica, que deve afetar dois terços do mundo até 2050, cria as condições ideais para um século marcado por conflitos em torno da água. Neste contexto, entram as grandes corporações multinacionais interessadas nessas águas e na sua mercantilização.

Leia primeiro: As regiões mais ameaçadas por conflitos de água no mundo
Na sequência: Escassez de água potável levará, invariavelmente, que países entre em conflito

AS REGIÕES MAIS AMEAÇADAS POR CONFLITOS DE ÁGUA NO MUNDO

“Rivalidade” vem do latim rivalis, ou “aquele que usa o mesmo rio que o outro”. Na raiz da antiga palavra espelham-se os conflitos do presente, onde países, comunidades ou províncias disputam as águas que compartilham. Com a perspectiva da escassez hídrica afetar dois terços do mundo até 2050, criam-se as condições ideais para um século marcado por conflitos em torno da água.

Uma nova análise encomendada pelas Nações Unidas revela que mais de 1.400 novas barragens ou projetos de desvio de água são planejados ou já estão em construção no mundo, sendo que muitos estão em rios que atravessam várias nações. Como em um condomínio residencial, o uso conjunto dessas reservas hídricas tem o poder de acentuar tensões e aumentar divergências.

Para identificar áreas ao redor do mundo mais ameaçadas por conflitos “hidro-políticos”, o Programa de Avaliação das Águas Transfronteiriças da ONU realizou um abrangente estudo das bacias hidrográficas levando em conta fatores sociais, econômicos, políticos e ambientais. Os resultados do estudo acabam de ser publicados na revista Global Environment Change.

A análise sugere que os riscos de conflito devem aumentar nos próximos 15 a 30 anos em quatro regiões principais: Oriente Médio, Ásia Central, a bacia Ganges-Brahmaputra-Meghna e as bacias Orange e Limpopo no sul da África.

Além disso, o rio Nilo na África, grande parte do sul da Ásia, dos Balcãs no sudeste da Europa e do norte da América do Sul também são áreas onde novas barragens estão em construção e os países vizinhos enfrentam demanda crescente pelo recurso.

Se dois países concordaram com o fluxo e distribuição de água, geralmente não há conflito, segundo Eric Sproles, hidrologista da Universidade Estadual de Oregon, nos EUA, e coautor do estudo. “Tal é o caso da bacia do rio Columbia entre os Estados Unidos e o Canadá, cujo tratado é reconhecido como um dos acordos mais resilientes e avançados do mundo”.

Porém, segundo ele, esse não é o caso de muitos outros sistemas fluviais, onde, além da variabilidade ambiental e da falta de tratados, uma variedade de outros fatores entra em jogo, como instabilidade política e econômica e conflitos armados.

A Ásia tem o maior número de barragens propostas ou em construção em bacias transfronteiriças do que qualquer outro continente, com 807 projetos ao todo, seguida pela América do Sul, 354; Europa, 148; África, 99; e América do Norte, 8.

Mas é a África que tem um nível mais alto de tensão hidro-política, dizem os pesquisadores. O rio Nilo, por exemplo, é uma das áreas mais controversas do globo. A Etiópia está construindo várias barragens sobre os afluentes do Nilo em suas terras altas, que desviarão a água dos países a jusante, incluindo o Egito.

Para agravar o cenário, o conflito sobre a água não se restringe ao consumo humano. Segundo a pesquisa, existe uma ameaça global à biodiversidade em muitos dos sistemas fluviais do mundo e o risco de extinção das espécies vai de moderado a muito alto em 70% da área das bacias hidrográficas transfronteiriças.

Apesar das crescentes ameaças às águas transfronteiriças, há mais casos de gestão compartilhada amigável deste recurso do que conflitiva pelo mundo. Em vez de ser alvo de disputa, a água pode ser a chave para a cooperação. O desafio é garantir que o caminho da boa vizinha prevaleça sobre o da rivalidade. (fonte: Exame)

Clique aqui para ler o estudo.

ESCASSEZ DE ÁGUA POTÁVEL LEVARÁ, INVARIAVELMENTE, QUE PAÍSES ENTRE EM CONFLITO


Relembre três conflitos famosos que tiveram a disputa por recursos hídricos como um dos seus principais componentes. Confira também os “pontos quentes” do mapa mundial que poderão vivenciar guerras pela água no futuro

A água cria instabilidade de maneiras surpreendentes e mesmo que, até o momento, as guerras modernas ainda não tenham sido travadas pela água em si, o elemento foi um fato decisivo em muitas delas, afirma Brahma Chellaney, autor de Water, Peace and War: Confronting the Global Water Crisis

Como exemplo, Chellaney cita que a água foi uma das fagulhas que incendiou, ironicamente, a Primavera Árabe – uma vez que a crise que elevou o preço dos alimentos alguns anos antes foi causada pela escassez de água potável. Outro caso é exemplificado numa espécie de “teoria do caos”: a falta de terras com recurso hídricos fez a empresa Daewoo, da Coreia do Sul, impulsionar a queda do presidente da distante ilha de Madagascar, na África, em 2009.

Confira abaixo três dos conflitos mais famosos que tiveram a água como grande “incendiário”:

  1. Bolívia: até mesmo a chuva

Em 2000, na cidade de Cochabamba, ocorreu a privatização da água e do já precário sistema de abastecimento e redes de esgoto, que ficou a cargo da Aguas del Tunari, um consórcio criado com capitais estrangeiros. Da noite para o dia, a população com cerca de 700 mil habitantes aumentou as tarifas em até 300% sem que houvesse sequer melhora nos serviços ou ampliação da área de cobertura para as zonas mais pobres.

Quando, de uma hora para a outra, a água, que assim como o ar deveria ser considerado um bem comum, se transformou em uma mercadoria cara ou simplesmente inacessível para a pobre população, as pessoas foram proibidas inclusive de coletar a água da chuva, não tendo outra escolha a não ser irem para as ruas protestarem. Após dias de conflito das forças armadas bolivianas lutando contra os próprios bolivianos em nome dos lucros de uma empresa estrangeira, um jovem de 17 anos morreu com um tiro de sniper do exército boliviano. O presidente Hugo Banzer cedeu à pressão popular e anulou o contrato de concessão, retornando à prefeitura de Cochabamba o controle da água e a infame lei 2029, que previa a privatização de toda a água da Bolívia, caiu.

  1. China e Tibete: água é controle

Em uma reportagem sobre os problemas de escassez de água, a revista The Economist apontou que palavra chinesa para “política” (zhenghzi) tem um de seus caracteres similar a uma imagem parecida com gotas de água próximas a uma plataforma ou barragem. A sugestão do parágrafo inicial do texto, de que para os chineses a política e o controle de água são equivalentes, é justificável: como Maquiavel e da Vinci almejaram em Florença 500 anos atrás, a China tem em suas mãos o destino da população de seus vizinhos, pois os principais rios da Ásia (Mekong e Ganges) nascem na terra de Dalai Lama.

Esse é um dos maiores motivos pelo qual o exército chinês entrou e se instalou no Tibete há mais de 50 anos. Não foi exatamente por morrer de amores pelos monges budistas da região, mas sim por esta se tratar de um ponto estratégico geograficamente. Myanmar, Tailândia, Laos, Camboja, Vietnã, Bangladesh e, principalmente, Índia, são todos países que dependem dos rios que descem as geleiras do Himalaia e desafogam suas águas no Oceano Índico.

  1. Oriente Médio: a guerra dos seis dias que dura 50 anos

Quando a Síria anunciou seu plano de obstruir um dos afluentes do Rio Jordão e desviá-lo para irrigar suas plantações, foi dado o primeiro passo para os seis dias de junho de 1967 que colocariam Israel contra a Síria, Egito e Jordânia, naquilo que ficou conhecido como a Guerra dos Seis Dias.

No momento em que o último tiro foi dado, o Egito tinha a Faixa de Gaza e o deserto do Sinai; a Síria ficou sem as colinas de Golã – onde nasce o Jordão, vital para o abastecimento de água em Israel; e a Jordânia, que só entrou na guerra na última hora, perdendo tudo o que anexara em 1948. Israel ocupou a Cisjordânia e Jerusalém Oriental e foi o grande vencedor da guerra-relâmpago.

E o futuro?

Cada vez mais estudos apontam que a escassez de água potável levará, invariavelmente, que países entrem em conflito – diplomático ou armado – por regiões abundantes de recursos hídricos. (com informações da Revista Forum)

Veja no mapa os “pontos quentes” que poderão vivenciar guerras pela água no futuro.

 

FAMA 2018 – Fórum Alternativo Mundial da Água

O FAMA 2018 – Fórum Alternativo Mundial da Água – irá debater questões relativas à água no Brasil e no mundo, principalmente no que se refere à privatização e mercantilização desse recurso.

O FAMA será realizado em Brasília, entre os dias 17 e 22 de março. Para participar e saber mais, acesse: www.fama2018.org / Facebook: @FAMA2018 .

A Federação Nacional dos Urbanitários – FNU -, que apoia e integra a coordenação nacional do FAMA 2018, subscreve o Manifesto do Fórum Alternativo Mundial da Água por entender que “água deve estar a serviço dos povos de forma soberana, com distribuição da riqueza e sob controle social legítimo, popular, democrático, comunitário, isento de conflitos de interesses econômicos, garantindo assim justiça e paz para a humanidade”.

Afinal, água é direito, não mercadoria.