Artigo: Lucas Tonaco*
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“Quem inventou a fome são os que comem”
– Maria Carolina de Jesus – Quarto de despejo, 1960.
A referência acima, da obra de Maria Carolina de Jesus é para construção da seguinte alusão: se quem inventou a fome são os que comem, no processo de privatização da SABESP, em São Paulo, vemos que quem inventou a sede, serem os que bebem, sendo este, o maior retrocesso da história mundial em termos de saneamento, arriscando a deixar pessoas com a sede na lógica da mercantilização da água, onde o impacto desse processo não está restrito apenas no plano socioeconômico, mas também no plano jurídico, democrático, patrimonial, cultural, etnico e ambiental.
Sintomas de um processo suspeito: em 2023, a venda de 11 concessões pela Iguá Saneamento, movimentos do IG4 Water, juntamente com o Canada Pension Plan Investment Board (CPPIB), Alberta Investment Management Corporation (AIMCo), articulações de modelagem de private equity, conforme descrito no artigo “BTG, Iguá e Aegea: o que está por trás do mercado da água no Brasil”, e recentemente a expectativa na configuração de abertura de capital da AEGEA, fizeram com que o canibalismo da SABESP fosse desenhado – como eu um tabuleiro de war, assim como na privatização da CEDAE do Rio de Janeiro, os territórios estão sendo definidos entre os players: a alta rentabilidade da capital, é sempre o foco, deixando os investimentos incertos, inviáveis, menos rentáveis, ou quiçá com um payback mais longo, sejam secundarizados ou usados para “equilibrar” as demarcações. Mas, o quê isso representará em termos de retrocesso para além do discurso privatista?
Começando, pelo primeiro item citado – um histórico no mínimo curioso – suponhamos, que para fins metafóricos e fictícios, que havia um suposto país, em que todas (ou pelo menos as principais) as modelagem econômicas de interesse nacional, informações socioeconômicas e de infraestrutura estratégicas estivessem na mão de uma relação triangular interessante: um suposto presidente, um suposto ministro da Economia e um suposto ministro da Infraestrutura – numa suposta eleição, o suposto Ministro da Infraestrutura ganha e muito devido ao apoio do suposto presidente, e que, posteriormente, como governador, promova a privatização da SABESP – posteriormente, amplamente noticiado que o suposto ex-Ministro da Economia, está interessado, ele próprio, em uma sociedade, para a fatia da privatização: a mistura portanto de interesses políticos, pessoais e negócios públicos, escancarada, faria aqui Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Hollanda, reverem as teses mais condensadas do patrimonialismo brasileiros e do limite entre público e privado, não só para afirmar essas teses mas para que possamos entender do que se trata muitas vezes o discurso do “privado” e a quem interessa esse discurso. Não se trata de acusar ninguém de corrupção, mas se trata de apontar controvérsias do processo de privatização em si – é no mínimo, absurdo, que o processo tenha entes que eram responsáveis por prepará-lo, como é no caso das posições do Ministério da Infraestrutura e da Economia em 2020 com o “Marco do Saneamento” (14.026/20) e que agora estejam justificando boa parte dessa privatização com essa mesma lei e que ao mesmo tempo uma dessas pessoas esteja interessado diretamente no negócio. Válido lembrar que entusiastas dessas escolas neoliberais, esquecem que a própria privatização da água no Chile, no período de Pinochet, é um exemplo de qual fracassado e excludente este processo foi, e hoje, há inclusive tendência absoluta de reversão – reproduzo trecho do artigo Patos de Minas, uma privatização suspeita que sintetiza como processos como este de São Paulo vão na contramão do mundo – segundo o Services Project, Corporate Europe Observatory, Transnational Institute e para citarmos em concreto o artigo reproduzido pelo ONDAS (Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento), Remunicipalização de Serviços Públicos: como as cidades e os cidadãos estão escrevendo o futuro dos serviços públicos que evidencia porquê 835 cidades, entre 2000 e 2015 foram municipalizadas, abrangendo 37 países e afetando mais de 100 milhões de pessoas, e é tão escandaloso o quão remunicipalização é um caminho quase natural após a privatização como em entrevista para a BBC sobre a temática Sakoto Kishimoto, coordenadora para políticas públicas alternativas no Instituto Transnacional (TNI), e que sintetiza bem a questão: “em geral, observamos que as cidades estão voltando atrás porque constatam que as privatizações ou parcerias público-privadas (PPPs) acarretam tarifas muito altas, não cumprem promessas feitas inicialmente e operam com falta de transparência, entre uma série de problemas que vimos caso a caso, Autoridades que tomam essa decisão precisam saber que um número significativo de cidades e estados tiveram razões fortes para retornar ao sistema público.Se você for por esse caminho, precisa de uma análise técnica e financeira muito cuidadosa e de um debate profundo antes de tomar a decisão. Porque o caminho de volta é muito mais difícil e oneroso”, alerta, ressaltando que, nos muitos casos que o modelo fracassou, é a população que paga o preço”.
Ainda sobre o processo de suspeições, é notório que no Estado de São Paulo, o maior escândalo de corrupção no saneamento e que inclusive um destes ENTES estejam na verdade envolvidos diretamente no interesse do negócio da privatização da SABESP, reproduzo aqui matéria amplamente explicitada pela mídia á época: “Operação Sevandija – nome este em alusão a vermes e parasitas – a operação, deflagrado pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo, fez com que a justiça chegasse a bloquear valores da AEGEA, por suspeita de pagamentos de propina e fraude em licitação de obras do Departamento de Água e Esgoto (Daerp) de Ribeirão Preto (SP), onde vários executivos foram condenados e também várias prisões na operação. O Gaeco e a Polícia Federal concluíram que a Aegea desviou pelo menos R$ 18 milhões e 330 mil dos cofres públicos. A força-tarefa solicitou e a 4ª Vara Criminal de Ribeirão Preto determinou o bloqueio da quantia de R$ 18.330.548,87 do grupo Aegea S.A., detentor de 99% das cotas sociais da Aegea LTDA. A Aegea S.A. entrou com pedido de levantamento do bloqueio, mas o pedido foi negado. O bloqueio determinado pela Justiça da Aegea S.A. é o maior já obtido pela Operação Sevandija em termos individuais. Os valores deverão ser, ao final da ação penal, reintegrados ao patrimônio do município de Ribeirão Preto. O Gaeco de Ribeirão Preto propôs a venda antecipada (alienação cautelar) de veículos, bens móveis e animais apreendidos e bloqueados pela Operação Sevandija. O intuito é evitar que, com o passar do tempo, o patrimônio se desvalorize. Nas três fases da operação, foram apreendidos diversos veículos e bens móveis de valor. Entre eles estão 180 cabeças de gado, uma máquina de ordenha mecânica digital, tanques carretas e um trator. Veículos de luxo como um Mercedes-Benz CLA, um Volvo XC60 blindado, uma moto BMW, dois Porsche Cayenne e quatro caminhonetes Toyota/Hilux também sofreram confisco. Só os veículos foram avaliados em cerca de R$ 2 milhões. A Operação Sevandija é um exemplo importante da atuação do Gaeco e da Polícia Federal no combate à corrupção e em como pode chegar a executivos e negócios mal explicados ou obscuros que lesão ao povo de maneira nociva e neste caso com algo essencialmente importante: água. A atuação da Aegea muitas vezes tem sido um problema para a população brasileira. A empresa tem sido responsável pelo aumento dos preços da água e do esgoto, pela redução da qualidade do serviço”. Não estou aqui acusando empresa alguma de corrupção, aliás, isso é uma questão para o inquérito, e independente de qualquer coisa, ressalto mais uma vez, como vemos, saneamento público ser caso de polícia na mistura entre negócios privados e políticas públicas, foi sim alvo de investigação por parte do Ministério Público e da Polícia Federal. Houve operação e houve indícios, cabendo a reflexão: tanto interesse em privatizar um bem como a água requer melhor análise do interesse em transformar em mercadoria um bem essencial, feito por entes que muitas vezes estritamente pensam no lucro.
No que cerne ao imbróglio jurídico e socioeconômico muita água tenha que correr por baixo dessa ponte – para além do processo envolvendo o questionamento das URAEs no STF e o impacto na privatização da SABESP, este processo de privatização deve sim envolver as esferas municipais, estadual e federal, afinal se trata de POPULAÇÕES de São Paulo e não de clientes, e quando se trata de processos relacionados a exclusão social e até étnica promovidos, reproduzo aqui trecho do artigo “mulheres negras: principais vítimas da falta de saneamento” para dar síntese a esse processo de quebra de relações hidrossociais e exclusão: “um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), publicado em 2020, mostrou que as mulheres negras e solteiras são as que mais sofrem com a falta de saneamento básico. Segundo o estudo, 40% das mulheres negras não têm acesso à coleta de esgoto, contra 35% dos homens brancos. Esses dados mostram que a falta de saneamento básico é um problema que atinge de forma desproporcional as populações mais vulneráveis, como negros, mulheres e pobres. Se levarmos adiante, a ausência do saneamento básico é um fator de risco para a saúde pública, evidentemente causando doenças como diarreia, cólera, hepatite A e leptospirose que levam até à morte – o controle dos corpos e sua definição existencial, ou seja, entre vida ou morte, é inclusive temática de Achille Mbembe, na necropolítica: “a expressão máxima da soberania reside em grande parte no poder e na capacidade de ditar quem pode viver e quem deve morrer. Matar ou deixar viver constitui assim os limites da soberania, os seus principais atributos. Ser soberano é exercer o controle sobre a mortalidade e definir a vida como a implantação e manifestação de poder” – portanto, a principal vítima em potencial de apagamento e silenciamento até da existência evidentemente conforme as próprias estatísticas, são as mulheres negras .Ainda sobre a expressividade dos números, outro estudo, publicado pelo Ministério Público Federal (MPF) em 2023, mostrou que comunidades quilombolas no estado de Sergipe também sofrem com a falta de saneamento básico. O estudo mostrou que 80% das comunidades quilombolas não tinham acesso à água tratada e 70% não tinham acesso à coleta de esgoto. Esses dados mostram que a falta de saneamento básico é um problema que afeta de forma grave as populações indígenas e quilombolas, que já enfrentam outros desafios, como a discriminação e a pobreza. A falta de saneamento básico também é um problema grave nas favelas. Um estudo da Mares, publicado em 2022, mostrou que as favelas têm um índice de saneamento básico 30% menor do que as áreas urbanas não faveladas. O estudo mostrou que apenas 30% das favelas tinham acesso à coleta de esgoto e apenas 50% tinham acesso à água tratada. Esses dados mostram que a falta de saneamento básico é um problema que afeta de forma significativa as populações das favelas, que já enfrentam outros desafios, como a violência e a falta de oportunidades”. Válido lembrar que é essencial que óbvio seja dito: é necessária atenção a desagregação que este processo de privatização da SABESP pode ocasionar em populações vulneráveis, inclusive o fornecimento de água, pela SABESP, à comunidade indígena Pico do Jaraguá já foi alvo inclusive de questionamento do próprio Ministério Público Federal.
Na questão econômica, é inevitável que se diga: sobra evidências de como este processo, irá aumentar as contas de água, precarizar o serviço e fará com que o povo pague esta conta, segue a reprodução de artigo compilado de meta-estudos sobre processos de privatização no saneamento:
“A falácia das contas mais baratas – ao contrário do dito, a verdade é também ao contrário: as contas podem ficar mais caras e há vários indícios de que a privatização faz isso, começando por artigo de acadêmicos da UFMG, Luis Ferreira, Juliana Braga, Artur Valadão, “O reajuste tarifário em benefício próprio e prejuízo da população: o caso de Pará de Minas – MG”⁷, mesmo que inicialmente as contas possam cumprir um requisito do edital, de “serem mais baratas” o que ocorre depois são aumentos sucessivos e sem precedentes, conforme os próprios gráficos abaixo ilustram:
Fonte: Águas de Pará de Minas, 2021. ARSAE, 2021
Conforme o artigo, e nele os gráficos acima apresentados, a APM – “Águas de Pará de Minas”, empresa privada e a COPASA, comparadas, houve inicialmente uma diminuição muito momentânea, específica e pontual, mas os preços na verdade aumentaram depois, estimativamente em pico em até 15% de aumento. E mais – as contas nas camadas vulneráveis são explicitamente mais altas, chegando a serem até o dobro – em Patos de Minas, são cerca de 3500 famílias que são aptas a política localizada de tarifa social, portanto, em termos de analógicos o argumento apresentado de que “as contas serão mais baratas” não encontram eco conforme o caso analisado.Não bastasse, após a privatização em Pará de Minas, o que ocorreu também foi a diminuição da qualidade da água, conforme vários artigos jornalísticos relatando tal fato, onde em um deles em entrevista ao jornal “O Tempo”⁹, determinada moradora relata que “a água fica com a cor estranha durante três dias, depois volta a ter cor clara, depois fica mais três dias com a cor escura ou leitosa“.
Ainda sobre outros indícios da verdade sobre privatizações e o aumento de contas, um artigo publicado¹⁰ no Le Monde Diplomatique Brasil, pela cientista política, graduada pela Hunter College, em NY e Mestre em Gestão de Desenvolvimento, formada pela The London School of Economics and Political Science (LSE), “a população pagava uma taxa de água de aproximadamente R$ 27 por mês. Após a privatização, 10m³ de água, para a tarifa residencial, passaram a corresponder a R$ 79,88: um reajuste perto de 200%” e ainda versa sobre a qualidade da empresa privada, “Após a privatização, um estudo constatou a violação do padrão de potabilidade da água (qualidade microbiológica), o que poderia causar doenças relacionadas à contaminação hídrica. Devido ao fato, a concessionária foi multada em mais de 2 milhões de reais”. Ainda sobre Ouro Preto, segundo artigo¹¹ publicado pelo grupo Manuelzão, da UFMG, “após crise marcada por contas estratosféricas e uma enxurrada de reclamações a respeito do serviço prestado, negociação para conter o caos instaurado avança”, o caos literalmente é comprovado também em vários outros artigos, tais como “Privatização do saneamento em Ouro Preto causa revolta em moradores” publicado pelo Brasil de Fato, e “Ouro Preto enfrenta multinacional por direito à água”, publicado pelo UOL.O clamor pelo tema em Ouro Preto, pós privatização da água é tanto que a “remunicipalização do saneamento em Ouro Preto é defendida diante de tarifas abusivas e serviço ruim”, conforme artigo¹⁴ publicado na própria Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O absoluto descalabro de transformar a água em mercadoria – que é o objetivo de qualquer privatização – chega a tanto que em 2024, a prefeitura de Ouro Preto subsidia tarifa residencial de água após revisão da estrutura tarifária¹⁵, sendo assim quem acabou pagando a conta de um processo caótico, que diminui a qualidade e aumentou as tarifas de água foi objetivamente o próprio povo e isso ocorre pelo óbvio: a intenção de qualquer iniciativa privada empresarial sempre será o lucro como máxima e premissa.
Um outro exemplo evidenciado em vários artigos do fracasso das privatizações, é Manaus, “Águas de Manaus’ produz cidadãos de segunda classe”, “Para os cidadãos de 1ª classe, a concessionária dispõe todos os serviços. É uma classe pouco numerosa, que vive nos melhores bairros da cidade. Esse grupo tem rendimento suficiente para arcar com o pagamento das tarifas, por mais espoliativas que elas sejam. Essa classe tem o privilégio de usufruir até dos serviços de esgotamento sanitário. De acordo com os dados do Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS 2021), somente 25% de Manaus ostenta essa regalia”. Outrora, o artigo publicado no ONDAS, “As contradições da privatização do saneamento em Manaus”, com autoria de Sandoval Alves Rocha, constata que a precarização absurda do saneamento de Manaus produzida pela privatização chegam a descumprir várias premissas.Já no Rio de Janeiro, a privatização da CEDAE, “Privatização do saneamento no RJ elevou tarifa e não cumpriu promessa de universalização, gerando um choque de realidade, que promoveu demissões, fez um caos social e novamente aumentou as tarifas, conforme em artigo da Rede Brasil Atual¹⁹. No Rio de Janeiro, uma reportagem da CBN, também apurou que donos de bares e restaurantes denunciam aumento de até 800% na conta de água.No Mato Grosso, a privatização foi analisada em um artigo publicado no ONDAS por Lázaro de Godoy Neto, “Águas Guariroba: lucro bilionário, tarifa mais cara do País e executivos com salários milionários”²¹, o resultado mais uma vez foi: aumento das tarifas, gerando a tarifa mais cara do país, lucros altíssimos e salários de executivos com valores milionários.Em Alagoas, a privatização teve resultados tão ruins, que foi um grave equivoco, em artigo²² publicado pela Agência Senado, o “senador Rodrigo Cunha (PSDB-AL) agradeceu a diligência externa promovida pela Comissão de Fiscalização e Controle (CTFC) em Alagoas e a presença de membros do colegiado. Para o senador, “o governo do estado recebeu os recursos, na conta do estado, e se apropriou desses recursos, fazendo a destinação de uma forma equivocada. Também ouvimos os populares. Alagoas escolheu um modelo de outorga completamente inadequado à nossa realidade, pois se preferiu o maior preço e se ignorou a menor tarifa.Ocorre que logo em seguida houve aumento da tarifa, seguido da piora da prestação do serviço”.De acordo pesquisadores e com o think tank PSIRU — que é financiado pela Public Services International, as privatizações representam regressos, onde por exemplo, os usuários pobres de água em Paraná, voltaram a beber água da chuva e outras fontes contaminadas como resultado dos aumentos tarifários da subsidiária da Vivendi.Além dos problemas sociais e da ampla desigualdade gerada pelos processos de privatização há o problema da concentração de renda que este processo gera, afinal ele concentra na mão de poucos executivos os lucros, conforme Marcos Montenegro menciona no artigo “Como operam os barões do saneamento básico?”:
“No mesmo diapasão a diretora geral da Oxfam França, Cécile Duflot, ex-ministra da Habitação afirmou : “Limitar os salários dos patrões é agora um imperativo social e democrático”. Segundo a Oxfam, o salário médio dos CEOs das 100 maiores multinacionais france” . O diretor executivo interino da Oxfam Internacional, Amitabh Behar, declarou na mesma data:“Enquanto os dirigentes das empresas estão nos dizendo que precisamos manter os salários baixos, eles estão fazendo a si mesmos e a seus acionistas pagamentos vultosos. A maioria das pessoas está trabalhando mais por menos e não consegue acompanhar o custo de vida. Anos de austeridade e ataques aos sindicatos aumentaram o fosso entre os mais ricos e o resto de nós. Em um dia destinado a celebrar a classe trabalhadora, essa desigualdade gritante é chocante e infelizmente não surpreende”.
Ainda sobre a privatização da SABESP e o rombo na democracia e cidadania, cita-se pesquisa da Quaest, em abril de 2024, apontando que 52% dos paulistas com 16 anos ou mais são contra privatização da Sabesp, e 36% são a favor, com margem amostral segura de 1.656 eleitores com 16 anos ou mais entre os dias 4 e 7 de abril e foi encomendado pela Genial Investimentos, portanto, privatização contrária ao interesse popular, e até mesmo objeto do Controle Social na Lei Nacional de Saneamento Básico (LNSB), nº 11.445, de 2007 ou mesmo na Lei nº 14.026 de 2020. A demonstração do desinteresse social em privatizar, ao mesmo tempo em que a população evita privatizações não é mero acaso. Estudos de prospecção com base em metodologias de análise de ferramentas de busca, como o Trends do Google, demonstram conforme abaixo, que o interesse e as buscas nos últimos 5 anos por ENEL em São Paulo foi bem superior a SABESP.
O caso ENEL é só mais um que reflete a questão da má qualidade da prestação dos serviços, exemplos emblemáticos mais recentes são BRK Ambiental e Equatorial, que lideram em reclamações do consumidor ao Procon Maceió. Os fatores narrados expõem, portanto, o escândalo incomensurável de colocar em risco uma empresa que foi criada em 1973, para implementar o Plano Nacional de Saneamento (PLANASA) e que por mais problemas com relação às crises hídricas, econômicas e sociais, conseguiu promover durante 51 anos saneamento nos mais diversos territórios do estado mais populoso do Brasil, marcado por desigualdades, falta de acessos e problemas de gestão de políticas públicas, garantido que 28 milhões de pessoas, 62% da população paulista, não passe sede e não tenham doenças devido ao tratamento de esgotamento sanitário, promovendo igualdade, saúde e cidadania através de um modelo de gestão descentralizado e que consegue encarar os desafios e metas para universalização do saneamento até 2033.
Ocorre, também, que infelizmente o próprio movimento de privatização seja nele mesmo algo lucrativo: rumores com a precificação são a ponta do iceberg da financeirização da água e seus impactos na SABESP.
Só nos últimos 5 anos e fortemente após os indícios de avanços de privatização, os papéis valorizaram demais, e isso não têm necessariamente a ver com saneamento, promoção de melhorias ou necessariamente investimentos – têm mesmo haver com a necessidade de virtualização cada vez mais dos lastros econômicos, especulação e tendência a direcionamento dos negócios conforme demandas de acionistas: salários miseráveis, investimento apenas em áreas rentáveis, tratar seres humanos apenas no prisma de clientes e necessidade de cortes cada vez maiores para retirada de lucros, dividendos e JCPs, é o modelo agressivo do qual as privatizações no saneamento são estabelecidos.
A conclusão que chegamos depois de muitas evidências do retrocesso que será a privatização da SABESP, é que água não deve ser mercadoria, seres humanos não são meros clientes e que não passar sede não é apenas um direito mas sim um dever humanitário, e que no final das contas, cabe a nós denuncismo contra retrocessos como este, como em analogia a Millôr, aos quais fazem com que tenhamos um longo passado pela frente.
* Lucas Tonaco – secretário de Comunicação da FNU, dirigente do Sindágua-MG, acadêmico em Antropologia Social e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)