Artigo: Lucas Tonaco*
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A tragédia climática atual no Rio Grande do Sul envolve também essencialmente o seguinte debate: o papel do Estado na vida das pessoas, literalmente, inclusive muitas vezes traçando os mesmos limites dessas vidas, sendo nos resgates, sendo na previsibilidade, providências de infraestrutura adequada frente às tragédias ou sendo em evitar as tragédias cotidianas.

Não precisa de dizer o óbvio – que nestas horas, em que é preciso de esforços contra cenários devastadores e de guerra, diminuir o Estado ou diminuir o controle de políticas públicas e infraestrutura estatal, é diminuir também – o mais uma vez óbvio – a rede de proteção social. Defesa Civil, Bombeiros, Polícia Militar, SAMU, e principalmente energia e água, bens dos quais são essenciais e mais escassos nessas horas, dependem essencialmente do Estado. Para fins de analogia e metáfora, já pensou, por acaso, em um Corpo de Bombeiros privado? Um corpo de médicos socorristas de plantão para tragédias como essa privados? Só haveria literalmente socorro, se houvesse dinheiro, pois isso seria tratado meramente como mercadoria, e essa ideia é tão inimaginável e antiética, que de fato, ninguém em sã consciência jamais apoiaria absurdos como tal. Então, porquê, socialmente aceitar bens tão essenciais e tão também vitais como água e energia fora do controle do Estado?

Tragédias outras à parte, no fim das contas, a CORSAN (Companhia Riograndense de Saneamento) foi leiloada por R$ 4,151 bilhões, quando vale 7 bilhões – processo extremamente problemático que o SINDIÁGUA-RS fez dezenas de questionamentos sérios com relação a esse processo em diversas instituições sérias como o MPRS, TJRS, TCU, TRT e TST, gravíssimos sobre a tal caixa preta da CORSAN foi inclusive quase alvo de uma determina CPI. O SINDIÁGUA-RS mediante a gravidade da situação chegou a ser denunciada em Genebra, na Suíça,  pela  ISP – Internacional de Serviços Públicos, a federação sindical global (ISP), que reúne mais de 700 sindicatos, abrangendo mais de 30 milhões de trabalhadores em 154 países, assinando uma carta em oposição à privatização da CORSAN, carta essa enviada à ONU, a OIT, a chefes de Estado, ministros e diversos políticos ao redor do planeta. O aumento nas contas, o desmonte de uma infraestrutura que poderia ser emergencial, a qualidade na prestação dos serviços e também por óbvio, a diminuição dos salários e demissões, seriam fruto da privatização.

O que a privatização da CORSAN têm a ver com a falta de água atual após a tragédia climática?  Para se ter ideia do impacto da privatização, 2.200 trabalhadores (cerca de 40%) da CORSAN saíram ou foram demitidos da empresa que era pública, onde inclusive houve uma sistemática diminuição de salários, de técnicos, de know how, ou seja – a capacidade da empresa responder de imediato, e com soluções técnicas qualificadas foi potencialmente diminuída. No dia 05 de maio de 2024, inclusive houve o anúncio de que a COPASA (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) enviaria força técnica composta com quase duas dezenas de trabalhadores, isso em conversa amplamente divulgada de Romeu Zema, um notório favorável às privatizações com Eduardo Leite, que privatizou a CORSAN. A tragédia também se passa por isso: dois sujeitos que são a favor da diminuição do Estado e das privatizações, precisarem de uma empresa mista, pública em sua maioria, que é a  COPASA para sanar problemas e ajudar na CORSAN, que privatizada promoveu demissões e salários baixos, problemas estes que aumentam a saída de falta de trabalhadores. Casos de empresas privadas que têm deixa os consumidores na mão são notáveis mesmos sem catástrofes: Ouro Preto privatizada a água, as contas dobraram o preço, a ENEL, em São Paulo, com contas água e faltas de energia frequentes, ou mesmo a CEDAE privatizada e a falta da água e preços absurdos no Rio de Janeiro. São dezenas de casos no Brasil e centenas no mundo, onde comprovam os fracassos das privatizações dos serviços essenciais.

A conclusão, é que a saída para problemas graves, difíceis, que precisam de previsibilidade e políticas públicas, como é no caso das crises climáticas, é preciso de mais Estado nos serviços essenciais: seja com regulamentação e fiscalização ambiental mais rígida, de mais investimentos em infraestrutura e de mais reforço de um estado e não para privatizações e diminuição do controle do Estado em setores tão essenciais como água e energia, isso parece ser tão óbvio, que segundo o TNI (Transnacional Institute), entre 2000 e 2017, 884 serviços foram reestatizados no mundo, sendo 83% deles de 2009 em diante, isso ocorreu em 37 países e afetando mais de 100 milhões de pessoas – dos EUA até Moçambique, da Índia até Alemanha, houve reestatizações ao redor do mundo inteiro nos serviços de água e energia, porque no final das contas, as pessoas sabem quando têm a experiência, serviços essenciais como água e energia, devem ter controle estatal, preços baixos e investimento pesado em tecnologia, ciência e recursos humanos, afinal, precisam lidar com segurança hídrica, planejamento, controle energético, catástrofes, escassez e tudo aquilo que inclui o óbvio: um estado deve ser forte, para proteger pessoas, para incluir as pessoas, para fornecer as pessoas aquilo que elas mais precisam, quando mais precisam, que é saúde, educação, segurança, energia e água. Privatizar é ir na contramão do mundo.

Lucas Tonaco – secretário de Comunicação da FNU, dirigente do Sindágua-MG, acadêmico em Antropologia Social e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)