O Governo do Maranhão, através da Seplan, pactuou um Contrato de Estruturação de Projeto com o BNDES (nº 23.2.026 3.1. Processo n° 144157/ 2023–SEPLAN), em novembro de 2023. O objeto seria “a prestação de serviços técnicos especializados para a estruturação de projeto visando a universalização dos serviços públicos de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, prestados em 214 (duzentos e quatorze) municípios localizados no Estado do Maranhão’’. Como desdobramento, em março/2024, o BNDES pactuou Contrato de Prestação de Serviços com o Consórcio EY/Manesco/ Encibra/Saneares, liderado pela empresa Ernest & Young Assessoria Empresarial Ltda, para o tal estudo de modelagem.

O contrato prevê uma primeira fase, em andamento, com o objetivo de levantar e gerar informações para elaboração de relatório e para a decisão sobre modelo de negócios. A segunda fase, com diferentes estágios, tem objetivo de formatação do projeto, incluindo o apoio para preparação e execução do processo licitatório para a delegação dos serviços. Falando claramente: decisão sobre Modelo de Negócios significa decisão sobre o meio pelo qual os serviços serão prestados aos usuários – por ente público, através de parceria público privada (PPP) ou até totalmente por empresa privada…

Diante deste fato, o Sindicato dos Urbanitários do Maranhão (STIU-MA) entende que o Governador Carlos Brandão deve algumas explicações ao povo do Maranhão e aos trabalhadores e trabalhadoras do saneamento. Vejamos alguns pontos:

1. O povo do Maranhão tem o direito de saber a real intenção de um contrato que sangrará mais de R$ 16 milhões dos cofres públicos

O Contrato pode custar mais de R$ 16 milhões, sendo uma parcela fixa no valor de 3 milhões e 200 mil reais e uma “parcela adicional variável’’, de acordo com fórmula e tabela previstos no documento, mais ressarcimento do BNDES com a contratação de terceiros no valor de até R$ 9 milhões e 724 mil. E, pasmen, prevê também uma inusitada indenização em caso de insucesso do Projeto, no valor equivalente a 1 milhão e 600 mil reais.

A intenção privatista do Projeto é clara. Dentre os produtos contratados, tem até relatório de ‘roadshow’, que é uma estratégia de marketing na forma de evento itinerante para “vender” os serviços de saneamento por regiões.

Tudo indica que o povo maranhense vai pagar caro para entregar de bandeja os serviços de saneamento à iniciativa privada.

O mínimo que trabalhadores e trabalhadoras do saneamento e toda população merecem é informação honesta e transparente.

O que realmente pretende fazer o Governo do Estado em relação a serviços essenciais  à vida, à saúde e ao desenvolvimento social e econômico do povo do Maranhão?

2. Privatizar os serviços de saneamento é o máximo que os Governos Brandão e Lula podem oferecer ao Maranhão?

A necessidade de ampliar e melhorar os serviços de água e esgoto é real. Saneamento é direito básico da população, por isso é preciso universalizar os serviços. Mas o caminho  é a privatização? Água é direito humano fundamental, responsabilidade do poder público, não pode virar objeto de lucro para alguns.

Não adianta o Governo dizer que o contrato é apenas para fazer um ‘estudo’.  A intenção do contrato firmado com o BNDES é claramente privatista. Ele pode ser acessado na aba do site do Banco intitulada “Transparência/ Desestatização/ Projetos em Andamento”. Um de seus objetos centrais é apontar um “Modelo de Negócios”, onde, por várias vezes, cita-se processos licitatórios e até ‘roadshow’ (evento intinerante de venda).

O Governo do Maranhão, na surdina, prepara o terreno para colocar os serviços de saneamento na prateleira do mercado em vez de  avançar no processo da regionalização do saneamento, com fortalecimento do papel da Caema e do Estado. O governo aprovou a Lei de Regionalização do Saneamento nº 239/2021 e elaborou e aprovou os Regimentos Internos Provisórios das Microrregiões, através do Decreto nº 38.993, de abril de 2024, mas não concretiza o que está no papel.

É estranho que o Estado pague tão caro por um estudo de modelagem, mas alegue não ter dinheiro para investir em saneamento. Com muito menos, teria contratado uma consultoria, proposta pelo StiuMa, para, de forma transparente e dialogada, orientar a reestruturação da Caema e apontar soluções para ampliar e melhorar os serviços prestados à população.

É preciso questionar também o papel do Governo Federal. Primeiro, o Governo  Bolsonaro aprova um Marco Regulatório que inviabiliza as empresas estaduais públicas e praticamente impõe a privatização dos serviços. Depois, no Governo Lula, o BNDES continua cumprindo o papel de instrumento da privatização do saneamento, quando deveria estar cumprindo sua missão maior.

Não é uma grande contradição se dizer promotor do desenvolvimento econômico e social do país privatizando um bem essencial à vida, à saúde e à economia?

Ademais, tem todos os investimentos prometidos para o saneamento através do novo PAC. É justo que o dinheiro beneficie empresas privadas, em vez de fortalecer os serviços públicos que, mesmo com dificuldades, levam água para a população há décadas?

3. Por que o Governo do Estado tem medo de dialogar sobre saneamento com quem entende do setor?

O Governador precisa responder porque pactuou um contrato milionário para fazer ‘estudos sobre saneamento’ mas nunca debateu o tema com a sociedade, com trabalhadores do setor e com especialistas locais.

A postura cada vez mais autoritária do Governo Brandão (e sua visível aliança com os setores do empresariado) mantém as portas fechadas para o bom debate e passa por cima até de protocolos e acordo. O Governo não leva o assunto ao Conselho Estadual das Cidades; exclui a Secretaria das Cidades – onde está alocada a política estadual de saneamento, deixando a gestão e fiscalização do tal contrato para a Seplan, conforme Portaria nº 28, de março de 2024; exclui os serviços autônomos de água e esgoto (SAAEs) mesmo que eles sejam responsáveis pelo saneamento em mais de 70 municípios citados no Projeto; e  desrespeita cláusula do Acordo Coletivo de Trabalho pactuado entre Caema e Sindicato dos Urbanitários que determina que o StiuMa, enquanto representante dos trabalhadores, ‘‘será convidado a participar quando da elaboração de estudos sobre Modelagem dos Serviços de Saneamento Básico no Maranhão, contratados pelo Governo do Estado’’.

O que se vê é um contrato milionário sendo executado à revelia das representações do povo do Maranhão, dos trabalhadores e trabalhadoras do saneamento, dos gestores e gestoras municipais e dos/as especialistas locais do saneamento.

4. O Governador assumirá as consequências de uma privatização para a população do Estado? Vossa Excelência conta ou nós contamos?

O Sindicato dos Urbanitários tem alertado sobre as graves consequências da privatização dos serviços de água e esgoto. Muita gente pensa que o serviço melhora quando privatiza. Isso não é verdade. Não tem dado certo em várias cidades do mundo. A gente conta o que realmente acontece:

– O Estado alega que não tem dinheiro para investir, por isso precisa da iniciativa privada. Paralelamente, a Empresa Pública de Saneamento é sucateada e desmoralizada por uma má gestão, para criar ambiente favorável à privatização, que, quase sempre, é feita de forma duvidosa, beneficiando certos grupos econômicos.

– As consequências logo aparecem: a tarifa aumenta, a prestação de serviços não melhora, os investimentos prometidos não aparecem, trabalhadores do setor são demitidos, só pra começo de conversa.

–  A empresa privada continua pegando dinheiro público do próprio BNDES como mostra a privatização do setor elétrico. Levantamento do Instituto Ilumina mostra que, após privatizadas, as empresas de energia continuaram a receber recursos do Estado por meio de empréstimos do BNDES. ‘‘A receita total das vendas das estatais no período de 1995 a 2021 foi de aproximadamente 580 bilhões de reais, em valores de 2021. Já os empréstimos concedidos pelo BNDES a essas empresas, em igual período, foi de 4,5 trilhões de reais, em valores atualizados’’. O montante obtido pelo Tesouro com as privatizações é sete vezes menor do que o valor emprestado para empresas já privatizadas. As privatizações representam um dano patrimonial irreparável ao povo brasileiro.

– No saneamento, quando a fonte seca, a empresa privada admite que não consegue universalizar, abandona áreas menos rentáveis e fica só com o ‘filé’ (capitais e áreas mais rentáveis) e o poder público tem que reassumir os demais municípios, normalmente áreas rurais e as que concentram populações em si-tuações mais vulneráveis.

– Não é à toa que, entre os anos 2000 e 2020, 312 cidades em 36 países reestatizaram serviços de água e esgoto porque, privados, pioraram e ficaram mais caros. Entre elas, Paris (França), Berlim (Alemanha) e Buenos Aires (Argentina).

– No Brasil, Manaus (Amazonas), depois de 20 anos de serviços privatizados, está entre as dez piores cidades em coleta de esgoto, mas a empresa privada que comprou os serviços cresceu 51%  na sua  receita líquida só em 2019.

– Em Tocantins, o saneamento foi privatizado no fim dos anos 90. Levantamento do IBGE, depois de anos de privatização, apontou que 70% dos tocantinenses vivem sem os serviços de saneamento básico. Nos anos 2010, o Governo teve que criar uma nova autarquia para reassumir mais da metade dos municípios. A empresa privada segue responsável por 47 cidades mais rentáveis, incluindo Palmas.

– No Maranhão, os exemplos de privatização de empresas de saneamento e energia resultaram em tarifas bem mais altas e serviços que nunca melhoraram de forma significativa, além de cortes, muitas vezes, abusivos.

Quem ganha com a privatização é sempre a empresa privada. Não é à toa que a Equatorial já demonstrou interesse nos serviços de saneamento no Maranhão. Segundo o diretor de Relações Institucionais da Equatorial Maranhão, José Jorge, em entrevista no programa Abrindo o Verbo, de 11/07/2024, a empresa tem o ‘‘maior apetite’’ de participar do leilão. E quem conhece a Equatorial sabe que a empresa é uma máquina de fazer lucro, sem dó nem piedade de trabalhadores e consumidores.

5. O rumo é outro

Os desafios no abastecimento de água e no esgotamento sanitário no nosso Estado são reais e precisam ser enfrentados, mas a privatização não é o caminho. Todos os grandes investimentos em saneamento no  Brasil foram feitos pelas companhias estaduais públicas. Quase toda estrutura de saneamento existente no Maranhão é trabalho da Caema, mesmo a parte que hoje é operada por empresas privadas como a BRK.

Não se pode enfrentar os problemas do saneamento sem a Companhia de Saneamento Estadual pública que, apesar de todas as dificuldades, protagonizou todos os investimentos e projetos mais importantes de saneamento do Maranhão, sendo responsável pelo abastecimento de quase 60% da população do Estado.

Não se pode também prescindir da participação da sociedade através de suas organizações sociais, inclusive do Sindicato dos Urbanitários do Maranhão. Trabalhadores,  sociedade e especialistas do setor podem e devem contribuir. Mais que isso, têm o direito à informação e ao debate.

O Governo do Estado e o Governo Federal, através do BNDES, vão continuar seguindo na contramão da estrada para solução efetiva dos problemas do saneamento?