Lucas Tonaco*
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Após acordos que resultaram em cifras bilionárias devido ao maior crime ambiental do Brasil, a COPASA, em comunicado a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) uma “Proposta da Administração – Assembleia Geral Extraordinária AGE”:

Ampliação do Sistema Rio Manso – Lote 1, mediante licitação presencial na modalidade de contratação semi-integrada, com critério de julgamento pelo maior desconto, no valor de até R$543,0 milhões, pelo prazo de 24 meses de contrato. Conforme Fatos Relevantes divulgados em 14.07.2021 e 28.02.2023, em decorrência do rompimento da barragem de Córrego do Feijão em Brumadinho ocorrida em 2019, foi firmado, judicialmente, Acordo entre o Estado de Minas Gerais e a empresa Vale S.A, e para as obras relacionadas à resiliência hídrica das Bacias do Paraopeba e do Rio das Velhas foi destinado o montante de R$2,05 bilhões (valor histórico)

 Questões interessantes, e que são bem mais interessantes do que só a reparação, como por que não foi discutida essa entrada em participação do Estado na própria COPASA, é a primeira.


Em um cálculo breve, e sem adentrar nos detalhes dos procedimentos de engenharia financeira ou tributários, se os R$ 2,05 bilhões recebidos da Vale fossem utilizados para aumentar a participação do Estado de Minas Gerais na COPASA, a participação estatal subiria para aproximadamente 58,77% das ações totais da empresa. ​E por que isso seria interessante? Primeiro devido ao controle de difusão do dano pois a reparação apenas no ecossistema localizado vai bem além do que apenas um ponto, e quando se trata de danos ambientais, devido a complexidade de avaliação das variáveis e na interferência do prolongamento do impacto no tempo e no espaço, a reparação não seria tão cartesiana a ponto de ser precificada. afinal, 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos da mineração na bacia do rio Paraopeba, percorrendo mais de 300 km, 18 municípios e atingindo 944 mil pessoas. onde mais de 600 mil pessoas tiveram o abastecimento de água afetado em 8 municípios que dependem diretamente do rio Paraopeba, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, inclusive. A filosofia de que uma (ou algumas obras) pontuais vão lidar com o impacto deste problema, é deixar de compreender que mais problemas poderão inclusive decorrer da etiologia advinda desse desastre – problemas estes que vão desde de insegurança hídrica decorridas ao longo destes anos e que poderão sim influenciar na dinâmica de uma recuperação status quo ante bellum e que a propósito, nunca poderá ser possível. Saúde de populações, variações hídricas, dinâmica de estruturas que até então estavam projetadas a longo prazo e outras centenas de variáveis jamais poderão voltar a serem o que eram, portanto, apenas o estado de Minas Gerais – ente maior e maior controlador da COPASA poderia sim ter o controle para lidar com as devidas estratégias – nessa e nas gestões vindouras – sobre como lidar com este problema, é uma filosofia básica nos Estados “modernos”, a máxima hegeliana de que o Para Hegel, o Estado é a realização da vontade ética absoluta, portanto, neste sentido a gramática das reparações, as idealizações dos projetos e a centralidade nesse planejamento, de maneira mais inteligente e soberana ao que se propõe a uma vontade ética popular, é a entrada dessa participação que cabe a COPASA no reforço do que o patrimônio representa, e nessa representação os valores entrando como participação maior do estado, e consequentemente, dos valores não indenizando ou reparando um ponto o outro, mas sim a COPASA como principal gestora se tratando dessa reparação em questões hídricas e socioambientais correlacionáveis. Uma empresa pública (mista) deve ser sobretudo atenta como a dinâmica societária deve visar não uma perspectiva apenas da engenharia financeira, tributária, de reparações ou de “investimento”, ela deve portanto representar a proteção da vontade popular máxima e a vontade de proteger o cidadão inclusive contra o(s) risco(s) daquilo que seja nocivo à coletividade – outrora este o conceito de “direitos difusos” – principalmente quando se trata de um mundo interoperável em seus sistemas e isso fica cada vez mais evidente quando se trata dessas questões socioambientais.

A tendência do controle privado de serviços essenciais, como saneamento, é garantir que o interesse privado — o lucro — esteja à frente do bem-estar da população, mesmo quando este coloca a coletividade em risco e quer mesmo assim direcionar ou tendenciar como se fará ou como se faz determinada reparação. Quando falamos de água, falamos de um direito humano básico, que não pode, em hipótese alguma, ser tratado como mercadoria ou mero produto ou variável em operação na engenharia financeira moderna.O que os governos parecem esquecer — ou preferem ignorar — é que serviços essenciais, como o abastecimento de água e saneamento, devem ser públicos por uma questão de justiça social. O direcionamento privado de reparações significa que, quando o lucro estiver em jogo, o mais pobre será o primeiro a sofrer, afinal, privatizar é tirar do controle público de algo que deveria servir a todos igualmente, transformando em produto aquilo que deveria ser direito, inclusive neste caso, um direito difuso.

Qualquer filosofia que tenha como premissa ontológica a ignorância etiológica, terá portanto de ser uma filosofia no mínimo contraditória ou ilógica, quando se aplica isso a filosofia de Estado, parece ser uma dinâmica onde o Estado não apenas não aprende com os erros, mas sim, insiste neles – insistir na metafísica absurda de que um fenômeno, como o crime de Brumadinho pode ser localizado ou precificado por baixo em suas reparações é ignorar a complexidade dos problemas gravíssimos dos quais poderemos enfrentar no futuro, não reforçar o principal ente (Estado) que terá (e teve) de lidar com estes problemas, é deixar cada vez mais o Estado sofrendo as consequências de uma gramática perversa.

Citando Davi Kopenawa, o dinheiro não nos protege, não enche o estômago, não faz nossa alegria (A Queda do Céu, 2015), certamente o dinheiro de “reparações” não tratará 272 mortos a volta a vida, não suprirá a dor das famílias, e as comunidades atingidas, certamente também não protegerá o Estado do absurdo ao qual o mesmo estimula a participar: não protegerá de outra tragédia se este mesmo Estado não se proteger do próprio desmando e problemas que este mesmo controle privado do dinheiro  causar.

Lucas Tonaco – secretário de Comunicação da FNU, dirigente do Sindágua-MG, acadêmico em Antropologia Social e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)