Lucas Tonaco*
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Após as denúncias realizadas pelo SINDÁGUA-MG – Questionamentos para a Consulta Pública do processo licitatório da minuta de edital do Saneamento Básico em Ipatinga/MG sobre o processo de licitação (privatização) do saneamento em Ipatinga, Minas Gerais, o município suspendeu o processo, conforme publicado no Diário Oficial do Município de Ipatinga, no dia 18 de Setembro de 2024:


Fonte:  Diário Oficial do Município de Ipatinga, publicado no Jornal dos Vales

Uma nota também foi veiculada no Jornal dos Vales, sintetizando a situação e apontando a necessidade urgente de suspensão do processo.

As denúncias podem ser acessadas em diversos artigos, dentre eles Questionamentos para a Consulta Pública do processo licitatório da minuta de edital do Saneamento Básico em Ipatinga/MG e O desastre da privatização da água em Ipatinga: aumentará as contas e poderá deixar muita gente com sede. Os questionamentos foram anexados em tempo hábil e regular na Prefeitura Municipal – além de outros foros – e o SINDÁGUA-MG também participou da Audiência Pública realizada sobre o processo, apontando as falhas com fundamentação técnica, jurídica, econômicas e sociais, as denúncias também fundamentam peça com o mesmo objetivo no Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), proposto pelo mandato da vereadora Cida Lima (PT), ressaltando a relevância da atuação de uma parlamentar que sempre se dedicou ao saneamento básico e a questão da água em Ipatinga e a devida fiscalização dos atos do executivo.

É importante lembrar que a defesa contra privatização da água é uma defesa que se posiciona de modo fundamentado com casos empíricos, estudos científicos, apontamentos de ordem sociotécnica e é essencial que os sindicatos se atentem contra este processo para proteção da sociedade, principalmente daqueles mais vulneráveis, contra desigualdades sociais, econômicas, de gênero e raça na qual o processo de privatização vorazmente atinge. Defender o saneamento público é defender também empregos, qualificação e sobretudo teses humanitárias, afinal, água é direito, não é mercadoria, segue a nota:

NOTA SOBRE A PRIVATIZAÇÃO DO SANEAMENTO EM IPATINGA/MG

O processo com edital visando licitar o serviço de saneamento que segue em Ipatinga visa, na verdade, privatizar o serviço, pois a COPASA (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), atual prestadora, não é uma empresa totalmente privada, é uma empresa mista, sendo 50,03% do Estado de Minas Gerais, portanto, do povo mineiro.

Há profundas implicações advindas disso. Uma empresa totalmente privada teria como premissa a busca incessante pelo absurdo lucro, pois a finalidade de toda e qualquer empresa é exatamente isso, o lucro.

Historicamente, no mundo inteiro, onde transformar prestação de saneamento em lucro, falhou, falha e falhará.  Existem centenas de estudos acadêmicos, científicos e de organizações do mundo inteiro que comprovam isso, como o Transnational Institute (TNI) e o Corporate Europe Observatory (CEO), conclusivo de que a ausência de transparência em processos de privatização tende a favorecer interesses privados, muitas vezes à custa da qualidade do serviço e do bem-estar social. Tais estudos demonstram cidades onde o saneamento foi remunicipalizado (835 cidades em 37 países entre 2000 e 2015).  Ou seja, Ipatinga está na contramão do mundo.

No Brasil, a privatização do saneamento chegou a dobrar o preço das contas em médio prazo, como no caso de Ouro Preto e Pará de Minas, afetando principalmente a população mais pobres. Também é o caso de Manaus, em cidades do Tocantins, Alagoas e do Rio de Janeiro, onde, além de contas mais altas, há interrupções e queda na qualidade do serviço. No caso da privatização do Rio Grande do Sul, recentemente devido a falta de know-how da empresa privada que assumiu (AEGEA), foi necessário pedir socorro à COPASA para fornecer água ao povo gaúcho. Não é preciso, portanto, que Ipatinga erre, mas que Ipatinga aprenda com erros de outros municípios.

É crucial entender que uma empresa totalmente privada é um risco sem precedentes para a população de Ipatinga  e há indícios suficientes que o processo será extremamente problemático, moroso e judicializado, pois populações vulneráveis e rurais estão correndo um sério risco, inclusive da descontinuidade do serviço com a devida qualidade, haverá aumento das tarifas de água, sem que houvesse pareceres sequer do Conselho Municipal de Controle Social de Saneamento Básico (COMSAB) após o edital final. Existem questões tão absurdas que chegam a ser chocantes, como o fator do edital considerar, para flexibilizar e atrair número máximo possível de empresas privadas, que Ipatinga têm apenas 110.000 habitantes, desprezando a realidade de ter atualmente o dobro, ou seja, 220.000 habitantes. Esta é uma irregularidade entre outras dezenas de questões já enviadas para prefeitura desde a publicação da minuta, onde o SINDÁGUA-MG questionou formalmente, por escrito, 33 pontos, seríssimos, não recebendo nenhuma  resposta do Executivo.

É muito importante ressaltar que após as privatizações ocorrerem, seu efeito não é imediato. Apenas após cerca de quatro anos as contas começam a aumentar dispendiosamente, criando nos primeiros anos uma sensação de preços mais baixos da tarifa e de maior qualidade na prestação de serviços, mas que no longo prazo, é altamente prejudicial o processo.

A qualidade na prestação de serviço atualmente, tanto quanto reajustes reais para tarifas mais baixas, têm um caminho: a negociação política de vereadores e prefeito junto com o governador de Minas Gerais e a direção da COPASA. Este foi o caminho tomado por prefeitos que notoriamente preferiam, em primeiro momento, como o de Ipatinga, a iniciativa privada, mas, que após refletirem sobre o caminho que estavam tomando para suas carreiras políticas e para a população, optaram por esse meio. Afinal, evidentemente é o meio em que há vantagens para a sociedade como um todo, principalmente para as populações economicamente mais pobres, como foi o caso de Patos de Minas e Divinópolis, ambos municípios mineiros com o porte semelhante a Ipatinga. As controversas são várias no processo. Não houve a devida discussão com a comunidade como um todo, onde mesmo a audiência pública que foi inclusive gravada, demonstra a contrariedade da população com o processo, com a grande maioria dos presentes se manifestou não ser a favor dessa privatização. Haverá também demissões de centenas de pessoas, o que vai afetar a economia e a sociedade de Ipatinga.

Por último, e não menos importante, é emergente que o processo de privatização vigente seja interrompido, pois evidentemente irá prejudicar a prestação de serviços de saneamento em Ipatinga, como já dito: aumento de contas, precarizando e diminuindo drasticamente a prestação do serviço. O processo realizado de maneira perversa diz ser um processo concorrencial, mas as evidências e os casos recentes demonstram que após a lei 14.026/20, foi criado um oligopólio de saneamento entre Grupo Águas do Brasil, AEGEA, Iguá Saneamento e BRK Ambiental. Caso qualquer uma dessas empresas com histórico complicado no setor ganhe o edital, certamente teremos a judicialização e processos que poderão se arrastar por anos, levando esforços da administração pública e patrimônio do erário de maneira com que a prestação do saneamento seja secundarizada.

Lucas Tonaco – secretário de Comunicação da FNU, dirigente do Sindágua-MG, acadêmico em Antropologia Social e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)