Na contramão do mundo, Zema quer vender Cemig e Copasa, o que pode prejudicar população mineira
Diante da insistência do governo de Romeu Zema (Novo) em vender a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) e a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), especialistas alertam que experiências de privatização demonstram que a venda do patrimônio público traz consequências negativas para a população.
Entre os impactos, a crescente piora na qualidade dos serviços oferecidos e o aumento das tarifas chamam a atenção, em especial quando se trata de áreas estratégicas, como saneamento, transporte e energia.
No Rio de Janeiro, por exemplo, após a venda da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), o percentual de tratamento de esgoto caiu 7%, entre 2020 e 2021, e cresceu a quantidade de reclamações por falta d’água.
Em Alagoas, Ceará, Rio Grande do Sul e Manaus, a população lida com a diminuição de cobertura de água tratada, altas tarifas e falta de transparência por parte das empresas.
“Não tem nenhuma vantagem e é só prejuízo para a população como um todo. Mas, os mais vulneráveis socialmente e economicamente são mais atingidos”, comenta Lucas Tonaco, do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado de Minas Gerais (Sindágua-MG).
Para observar exemplos negativos, nem é preciso ir muito longe. Em Ouro Preto, município da região Central de Minas Gerais, moradores lutam pela remunicipalização do tratamento e da distribuição de água. Eles relatam que, desde que a empresa privada Saneouro passou a ser responsável pelo serviço, a população convive com cortes de abastecimento e cobranças de tarifas abusivas.
Reestatizações
Ao mesmo tempo, é possível notar que, mundialmente, há uma onda de reestatização de empresas responsáveis por serviços essenciais. É o caso, por exemplo, do setor elétrico francês e de gás alemão, que foram reestatizados em 2022.
Dados da Public Futures, demonstram que 1.601 empresas já foram reestatizadas ao redor do mundo. A maioria delas atuam no fornecimento de água potável e tratamento de esgoto, como a Copasa, que o governo Zema quer privatizar.
Tarifas mais altas
Outro exemplo que merece destaque é o da venda da Companhia Energética de Goiás (Celg) para a italiana Enel, em 2017. Desde então, o estado convive com uma crise no fornecimento de energia elétrica, que causa prejuízo aos consumidores e danos no setor produtivo.
“Temos regiões e cidades que ficaram 72 horas no puro escuro e temos regiões na zona rural que ficaram mais de semanas sem energia elétrica”, aponta João Maria de Oliveira, do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas de Goiás (Stiueg), em entrevista ao Brasil de Fato, em 2019.
No Espírito Santo, com a venda da Espírito Santo Centrais Elétricas S. A. (Escelsa), entre 1995 (quando foi privatizada) e 2015, o reajuste acumulado da tarifa de energia elétrica foi de 751%, enquanto a inflação sofreu um aumento de 343% nesse mesmo período. Ou seja, a tarifa aumentou mais que o dobro que a inflação.
O secretário-geral do Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais (Sindieletro-MG) Jefferson Leandro explica que o objetivo com a venda das estatais é o crescimento do lucro de empresários. Por isso, ele avalia que a privatização da Cemig não trará benefícios para a população.
“O objetivo central da privatização é o aumento do lucro dos acionistas. As formas de aumentar a maximização de lucro é aumentando a tarifa, diminuindo o custo de pessoal e de investimento em custos gerenciais, como manutenção e operação”, enfatiza.
Os moradores da capital mineira conhecem bem essa realidade. Poucos meses após a venda do metrô de Belo Horizonte, o preço da tarifa subiu de R$ 4,50 para R$ 5,30 e os metroviários denunciam que as condições de trabalho pioraram.
“Precarizou todo o atendimento. Por exemplo, dependendo da estação, só tem uma pessoa no bloqueio e outra na bilheteria. Aumentou o preço da passagem, mas não melhorou o sistema”, comenta Alda Lúcia Fernandes dos Santos, da direção do Sindicato dos Metroviários de Minas Gerais (Sindimetro-MG).
Privatização da Cemig e Copasa pode prejudicar desenvolvimento de MG
Atualmente, a Copasa realiza a distribuição e o tratamento de água de 75% dos municípios mineiros e a Cemig faz a produção e distribuição de energia em 90%. Suas privatizações podem impactar seriamente no desenvolvimento mineiro.
A Copasa, por exemplo, oferece tarifas diferentes a cada setor econômico, como estímulo ao desenvolvimento do estado. Um setor que também possui tarifa especial são os equipamentos públicos como escolas, creches e postos de saúde no estado.
As tarifas especiais são possíveis pelo caráter estatal da empresa que, controlada pelo governo mineiro, pode integrar o planejamento estatal para a economia.
Além disso, as duas estatais disponibilizam o cadastro de famílias de baixa renda a programas de descontos na tarifa. As residências podem receber até 40% de desconto na conta de água e até 65% na conta de luz. Com a privatização, a tarifa social também tende a acabar.
A economista e cientista política Maria Rita Pinheiro de Oliveira destaca ainda a instabilidade de uma empresa privatizada quanto aos preços das tarifas, o que pode gerar impactos em empresários, industriais, comerciantes e na população em geral.
“Quando você privatiza e deixa por conta do mercado, os preços começam a ficar muito voláteis. A tarifa pode aumentar consideravelmente e muitas pessoas deixam de ter acesso a esses serviços, o que não pode acontecer. É um direito da população que tem que ser garantido”, afirma Maria Rita.
Empresas dão lucro
No segundo trimestre deste ano, a Cemig obteve lucro líquido de R$ 1,245 bilhão, 25 vezes maior do que no mesmo período do ano passado. Já a Copasa, lucrou R$ 249,3 milhões nesse mesmo período, 38,2% a mais do que o informado no mesmo intervalo de 2022.
Diante do perfil lucrativo das empresas e das diversas experiências negativas de privatização, na avaliação de Lucas Tonaco, do Sindágua-MG, os interesses de Romeu Zema em vender as estatais são fruto de uma concepção ultrapassada sobre os serviços públicos.
“Zema quer vender a Copasa porque ideologicamente é um ultraliberal. Então, ele não enxerga políticas públicas em um prisma mais avançado, ele enxerga como se fosse mercadoria. E aí começam as contradições. Zema diz, por exemplo, que onde foram privatizados os serviços melhorou a eficiência, mas isso não é verdade”, argumenta.
Fonte: Rafaella Dotta e Ana Carolina Vasconcelos – Brasil de Fato