A tentativa do governo estadual de privatizar a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa) e sua subsidiária no Norte e Nordeste de Minas Gerais (Copanor) foi rechaçada em audiência pública da Comissão do Trabalho, da Previdência e da Assistência Social da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quinta-feira (28/11/24).
A ausência do presidente da estatal, Guilherme Augusto Duarte de Faria, também foi muito criticada. Deputados que participaram da reunião concordaram em convocar o executivo, para explicar a iniciativa.
A desestatização da Copasa e também da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) é objeto de projeto de lei protocolado na Assembleia, pelo então governador em exercício, Mateus Simões, no último dia 14 de novembro.
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Participantes da audiência pública foram unânimes em apontar que a venda da estatal de saneamento traria grande prejuízo para os mineiros, especialmente os mais pobres e que moram em locais de difícil acesso.
O pesquisador do Instituto René Rachou da Fiocruz, Léo Heller, um dos mais conceituados acadêmicos do mundo, teme que o avanço das privatizações dos serviços sanitários no País, possam trazer consequências nefastas como a interrupção da busca pela universalização do saneamento.
“Hoje, os excluídos estão nas pequenas cidades, zonas rurais e favelas, onde se concentram o maior deficit, que são de baixíssimo interesse econômico para as empresas privadas”, advertiu.
Ele também acredita que há risco de violação do princípio de acessibilidade aos mais vulneráveis como corte de tarifas sociais e suspensão do serviço para aqueles que não conseguirem pagar pelas contas.
Léo Heller adverte, ainda, para a limitação de investimentos em tratamento de esgoto porque o modelo atual também não é atraente para a iniciativa privada, pois não assegura mais remuneração à concessionária.
Outro aspecto ressaltado pelo especialista é a duração dos contratos de concessão, geralmente de 35 anos. Em sua opinião o longo prazo dificulta o rompimento dos acordos e a recompra da empresa.
“Significa que um governo (ao privatizar) está contraindo um problema, um passivo para oito a nove mandatos posteriores a ele”.
O aumento das tarifas, a precarização dos serviços e os prejuízos aos servidores foram salientados por todos que lembraram exemplos no mundo e no Brasil de privatizações que apresentaram esses problemas.
“Grande parte das empresas que foram privatizadas estão sendo reestatizadas em todo o mundo, quase 300 só na área de saneamento”, afirmou o presidente da comissão, deputado Betão (PT), autor do requerimento para a audiência pública.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Estado de Minas Gerais (Sindágua-MG), Eduardo Pereira de Oliveira, citou exemplos de piora dos serviços e majoração das tarifas nas cidades mineiras de Pará de Minas e Ouro Preto.
Citou ainda a capital do Amazonas, Manaus, que recorreu à privatização no ano 2000 e hoje convive com o pior serviço do país. Na cidade, segundo ele, as populações que vivem na periferia não têm mais acesso à água tratada.
Eduardo Oliveira apresentou um Manifesto contra a privatização da Copasa para ser assinado por parlamentares que apoiam a causa.
Os três que estavam na audiência assinaram o documento: Betão, Ricardo Campos (PT) e Bella Gonçalves (Psol).
Dentre as justificativas do manifesto estão evitar precarização do serviço de saneamento, garantir tarifas justas e acessíveis à população e assegurar a água como um bem público.
“Estados que privatizaram já estão entrando em colapso. Não vamos deixar isso acontecer com o povo de Minas Gerais”, posicionou-se o deputado Ricardo Campos ao confirmar o compromisso de tentar impedir a venda das estatais mineiras.
Betão lembrou a falta de luz vivida por paulistas por falta de assistência adequada da Enel, empresa privada que cuida da energia. Para ele não se pode responsabilizar a natureza pelos problemas.
“Ventania sempre tem, o problema é que não tem gente para restabelecer o serviço”, disse ao comentar que na venda de estatais, as novas donas demitem em média 30% dos funcionários, para reduzir os gastos.
Onda privatista preocupa
O diretor de Comunicação do Sindágua, Lucas Gabriel Tonaco Ferreira, reforçou os exemplos malsucedidos em privatização de empresas.
Segundo ele, um estudo feito pelo Transnational Institute, de Amsterdã, com 856 companhias de saneamento, que estão sendo reestatizadas, comprovou que nas mãos da iniciativa privada as contas aumentaram, para aumentar o retorno do “negócio”, a qualidade diminuiu, para reduzir os custos e maximizar os lucros, e os usuários mais vulneráveis ficaram desassistidos.
Ele acusou o governador Romeu Zema de difundir mentiras para desacreditar a empresa e lembrou que ela foi considerada a melhor concessionária do setor no Brasil. “Ele é o terraplanista do saneamento”, ironizou
Coordenador de Comunicação do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (Ondas) e diretor Nacional da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes), Marcos Helano Fernandes Montenegro relatou a preocupação com a onda privatista no Brasil.
Dados da Abcon Sindcon (Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto) apontam que a população brasileira atendida por empresas privadas de saneamento saltou de 30 milhões, em 2016, para 55 milhões no final do ano passado.
Com as recentes vendas de estatais em São Paulo, Piauí e Sergipe, o cálculo é que ultrapassará 85 milhões, mais de 40% da população do País. Para ele, a venda da Copasa é “mais uma tentativa de colocar o serviço de água e esgoto em liquidação, transformá-los em ativos e vendê-los aos amigos”.
Governador é acusado de privatização velada
O projeto Água dos Vales, uma parceria público privada da Copanor, em municípios das regiões Jequitinhonha/Mucuri e Norte de Minas foi apontado como uma forma de iniciar a privatização da subsidiária, burlando a legislação que impede sua venda sem referendo da população. “Desmonte e privatização gradual da empresa”, acusou a deputada Bella Gonçalves.
“A PPP da Copanor é tentativa de privatizar caladamente”, completou o deputado Ricardo Campos. Para contrapor o argumento do governo de que a parceria resolveria problemas da região, o parlamentar disse que cálculos mostram que nos últimos cinco anos, a Copasa gerou lucros em torno de R$ 10 bilhões. “Se quisesse resolver problema falta de água, infraestrutura e valorizar os servidores, bastavam R$ 4 bilhões”, comparou.
fonte: Jornal da Cidade Governador Valadares