No Rio de Janeiro, três anos depois da privatização, governo assina termo de conciliação com concessionária privada para compensar erros do edital. Em Sergipe, o alerta foi dado pelo Sindisan antes do leilão de privatização dos serviços de saneamento básico no estado
| Por George W. Silva
“Eu vejo o futuro repetir o passado”. O trecho da canção “O tempo não para”, do saudoso músico carioca Cazuza, cai como uma luva para ilustrar o que está por vir para a população sergipana como consequência da privatização parcial dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário do estado de Sergipe, cujo leilão foi vencido pela Iguá Saneamento, em 4 de setembro deste ano. A tirar pelo que estão vivendo os conterrâneos de Cazuza com a Águas do Rio, que ganhou a concessão da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), privatizada em 2021, veremos por aqui, num futuro breve, “um museu de grandes novidades”.
Notícias que circulam na imprensa sulista (leia uma delas aqui) relatam que o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), assinou um termo de conciliação com a concessionária Águas do Rio que prevê aumento nas tarifas de água e esgoto nos próximos dois anos para compensar falhas no edital de concessão da Cedae. Além do aumento tarifário, estão entre as medidas temporárias estabelecidas no termo a ampliação do número de consumidores cobrados pelo serviço de saneamento e a suspensão de metas de ampliação da cobertura de abastecimento e coleta de esgoto até a conclusão de estudos sobre os erros apontados no edital.
O acordo foi intermediado pela Agenersa, agência reguladora do setor no Rio de Janeiro, para evitar que a Águas do Rio buscasse a suspensão do pagamento de uma parcela de R$ 3,8 bilhões prevista no contrato de concessão. A empresa privada alega divergências nos dados apresentados no edital da privatização, afirmando, por exemplo, que a cobertura inicial de coleta de esgoto em várias localidades é muito inferior ao informado no edital.
Nota Técnica
Em 17 de maio deste ano, cerca de três meses antes do leilão de concessão que privatizou parte dos serviços da Companhia de Saneamento de Sergipe (DESO) e 100% dos SAAEs de Carmópolis, Estância e São Cristóvão, o Sindisan realizou uma coletiva à imprensa para apresentar a Nota Técnica (confira aqui) do Observatório dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS), elaborada pelo engenheiro Adauto Santos do Espírito Santo e revisada pelo também engenheiro Marcos Helano Fernandes Montenegro e referendada por 13 professores doutores da área do saneamento (leia a carta aqui). A NT apontou graves erros no Plano Microrregional de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário de Sergipe, documento que fundamentou todo o processo de concessão executado pelo governo sergipano com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Erros semelhantes aos detectados agora pela Águas do Rio constavam no Edital de Concorrência Pública Internacional nº 01/2024 para a Concessão da Prestação Regionalizada dos Serviços Públicos de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário da Microrregião de Água e Esgoto de Sergipe, e foram denunciados na Nota Técnica, alguns porque terem sido simplesmente copiados e colados do edital do Rio de Janeiro, a ponto de citar cidades daquele estado como se fossem sergipanas, além de graves erros de digitação, de mensuração da rede, de estimativas de crescimento populacional e de consumo, e de subestimações em relação aos custos operacionais e com despesas de investimentos. “Isso fatalmente levará a futuros pedidos de elevação da tarifa pela concessionária privada e de sucateamento progressivo dos ativos vinculados à prestação dos serviços durante os 35 anos de concessão previstos para Sergipe”, alertavam os autores da Nota Técnica na coletiva.
‘Pedra cantada’
Essa ‘pedra cantada’ pelos engenheiros Adauto Santos e Marcos Helano deveria causar alguma preocupação no governador de Sergipe Fábio Mitidieri, que deveria, se levasse a sério o interesse da população, acatar a suspensão do edital de concessão solicitada pelo Sindisan para correção dos erros. Mas de olho na sua reeleição e no dinheiro fácil que entraria com a venda da concessão (o martelo foi batido por 4,5 bilhões de reais), Mitidieri levou adiante o seu projeto privatista mesmo com os erros gritantes do edital.
O sindicato, então, provocou o Tribunal de Contas de Sergipe (leia aqui), o Ministério Público de Contas de Sergipe (leia aqui) e o Ministério Público do Estado de Sergipe (leia aqui) para que analisassem as questões levantadas na Nota Técnica e tomassem providências para preservar os interesses do Estado e da população sergipana, suspendendo o leilão de concessão. Mas, todo o processo da concessão seguiu adiante, de forma atropelada.
“Infelizmente, apesar dessas movimentações por parte do sindicato, o leilão foi adiante e agora o que nós apontamos lá atrás, que os usuários dos serviços é que pagarão caro nas tarifas os erros constantes no edital de concessão, começam a se mostrar reais mesmo antes da assinatura do contrato, considerando a experiência da privatização do saneamento do Rio de Janeiro com a Águas do Rio”, aponta Aécio Ferreira, secretário-geral do Sindisan.
“O que está acontecendo lá vai acontecer aqui também. A Iguá Saneamento vai pedir, mais adiante, reequilíbrio econômico-financeiro do contrato como compensação pelos erros existentes no edital de concessão daqui. Será o futuro repetindo o passado, e não precisa ter bola de cristal para saber disso. E quem pagará essa conta? A população sergipana, não será o governador ou os que defenderam essa privatização”, lamenta o sindicalista.
Nota: Ascom SINDISAN