Temer correu para aprovar a reforma trabalhista e prometeu editar uma MP para ‘corrigir’ nova lei. Agora, com MP quase ‘caducando’, trabalhadores e empresários vão ficar em limbo jurídico
Trabalhadores e empregadores saem perdendo com a sinalização do governo e do Congresso de que a medida provisória (MP 808/17) que complementaria a reforma trabalhista não deverá ser aprovada. Sem essa regulamentação, pontos importantes da reforma ficarão sem definição, resultando em maior incerteza para as duas partes dos contratos de trabalho. Sai pior quem foi contratado depois de novembro, durante a vigência da MP.
Ao que tudo indica, a MP vai “caducar”, isto é, perder validade por não ter sido aprovada pelo Congresso dentro do prazo, que termina no próximo dia 23 de abril.
“Teremos decisões judiciais conflitantes? Com certeza. Demoraremos para ter uniformidade nas decisões? Com certeza”, afirmou Noemia Porto, vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da justiça do Trabalho (Anamatra).
Até mesmo a extensão da validade da reforma trabalhista poderá ser questionada. Sem o esclarecimento proposto pela MP, podem ficar valendo regras da antiga Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), pré-reforma, em temas como regime de jornada de trabalho (no caso de categorias que trabalham 12 horas e folgam 36), ou como deve ser o trabalho intermitente e regras para o funcionário autônomo.
“A ausência de regulação da reforma por meio dessa MP deixa algumas lacunas que essencialmente fragilizam a segurança das relações que foram criadas a partir da reforma e até mesmo antes da reforma. Isso cria um clima de insegurança jurídica bastante grande. O juiz vai se valer de regras que talvez valessem antes, até mesmo antes da reforma, para poder interpretar cada situação colocada a ele”, avalia Fernando Dantas, advogado sócio do escritório Carvalho, Dantas e Palhares Advogados.
Sem a MP prometida pelo governo, que pacificava o entendimento de ao menos oito pontos polêmicos, os trabalhadores que podem ser mais prejudicados são aqueles que iniciaram um novo contrato de trabalho após 14 de novembro do ano passado e portanto sob vigência de dispositivos que ficarão inválidos.
Segundo Noemia, o Congresso terá obrigatoriamente de aprovar um decreto legislativo para explicar como ficam esses casos, que após dia 23 de abril caem em um limbo jurídico. Tal decreto deverá explicar qual regra será válida em cada caso que estava explicado na MP: se vale o que foi tratado na reforma trabalhista, se volta ao que estava previsto na lei original da CLT ou se há ainda outro tratamento novo. Mas mesmo para os contratos de trabalho firmados antes da reforma, ainda há muita incerteza.
Veja os principais pontos alterados pela MP e que agora precisarão ser esclarecidos:
Jornada 12 x 36
A MP determinava que as jornadas do tipo 12 x 36 horas só poderiam ser adotadas por meio de acordo ou convenção coletiva. Com a queda do dispositivo, pode prevalecer o que foi aprovado na reforma, que permitia acordo individual para tal regime.
“É um dispositivo que regula um tema importante, e sua caducidade deixa empregados e patrões à mercê da compreensão do Judiciário acerca da sua viabilidade jurídica”, avalia o advogado Fernando Dantas.
Dano extrapatrimonial
A MP trazia um entendimento mais favorável ao trabalhador no caso de danos a ele. Sem a MP, a regra pode voltar ao que ficou aprovado na reforma, mas também pode prevalecer entendimento anterior, do Código de Processo Civil. Também já há jurisprudência sobre o tema e os juízes poderão definir penas com base em decisões judiciais anteriores.
Na reforma, ficou definida indenização com base no salário contratual. Críticos a esse entendimento alegavam que isso diferenciava trabalhadores mais pobres e mais ricos.
Trabalho autônomo
A reforma trabalhista foi pouco clara sobre os limites para a contratação dos autônomos e sem a MP esses limites voltam a estar ainda mais nebulosos. A MP previa que não poderia haver cláusula de exclusividade para esses trabalhadores e agora esse limite não mais existe. Porém, o advogado avalia que os juízes poderão se basear em decisões anteriores para resolver contenciosos trabalhistas sobre esse tema, já amplamente analisado.
Trabalho intermitente
Esse é um tema que sofre grande prejuízo pela caducidade da MP, por ser inovador e a nova regra imposta pela reforma trabalhista estar desalinhada com os casos que já foram julgados na justiça trabalhista. “Os parâmetros da jurisprudência não se alinham com a regulamentação proposta”, avalia Fernando Dantas.
A reforma previu a existência do trabalho intermitente, aquele em que se pode contratar e pagar o trabalhador por hora. Mas não definiu seus limites, benefícios e excepcionalidades, como casos de auxílio-doença, que a MP tratava. Será necessário ter uma legislação nova sobre o tema.
Comissão de empregados
A MP determinava que as comissões – para representar funcionários dentro de empresas com mais de 200 empregados – não substituem o papel dos sindicatos de defender direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria. Esse ponto é menos problemático e pode ser decidido por orientação jurisprudencial, formada por súmulas do Tribunal Superior do Trabalho com base em decisões judiciais anteriores.
Insalubridade de gestantes e lactantes
Outro ponto que fica bastante prejudicado sem a MP. “Esse é um tema sensível e que não encontra na jurisprudência existente regulação especial. A caducidade da MP impacta esse tema”, avalia o advogado trabalhista.
Na reforma, mulheres grávidas ou que estão amamentando ficam afastadas da função insalubre automaticamente. Pela MP, abria-se a possibilidade de mulheres que atuam em locais com insalubridade de grau mínimo ou médio de apresentar atestados médicos para retornarem ao trabalho.
Remuneração previdenciária
A MP previa que empregados que no somatório de um ou mais empregos não recebam o valor de um salário mínimo ao mês poderão recolher a diferença entre a remuneração recebida e o salário mínimo diretamente à Previdência. Nesses casos, sem a MP, os juízes poderão se valer do que foi julgado em casos anteriores.
Governo joga culpa nos senadores e desagrada até aliados; entenda a polêmica
A MP 808 foi editada em 14 de novembro do ano passado, e o prazo para sua aprovação na Câmara e no Senado termina dia 23 de abril – ele já foi prorrogado uma vez. Representantes do governo na Câmara admitem que a medida não será aprovada e afirmam que não há uma alternativa sendo pensada.
“A MP foi para o saco”, afirmou um deputado da base do presidente Michel Temer ao ser questionado sobre o tema.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pressionou os deputados da comissão mista criada para analisar o texto e na semana passada formalizou em ofício que se relatório não fosse aprovado até 3 de abril, o que não aconteceu, o texto não seria pautado para o Plenário. A matéria ainda teria de tramitar no Senado depois disso, tudo antes do dia 23 de abril.
No governo, a postura é dar de ombros sobre o fim do prazo e dizer que o acordo feito com os senadores para aprovar a reforma trabalhista foi mantido, já que o presidente da República editou a MP. A culpa pela queda da MP teria sido dos senadores.
Representantes do Palácio do Planalto no Congresso alegam que o prazo acabou porque a oposição não aceitou acordo sobre quem seria o relator da medida, já que queriam um “sindicalista”, segundo deputado da base de Temer.
O processo de criação da MP foi complexo e costurado em acordo entre o governo no Senado e a oposição. O primeiro relator do texto, senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), propôs alterações no texto que veio da Câmara, que não foram feitos para que a tramitação fosse apressada sob a promessa de que seriam vetados e uma MP corrigiria as lacunas.
Em um Congresso já tomado pelas eleições, há pouca mobilização para reverter o processo, danoso para trabalhadores e empresários. “Não tratamos ainda do quer vamos fazer. A mensagem que fica é de um governo que não tem palavra. Vamos ver como vamos buscar uma reparação sobre isso”, afirmou o líder do PT na Câmara, Paulo Pimenta (RS).
Uma resposta definitiva sobre o tema, para assegurar direitos ao trabalhador e reduzir riscos dos empresários deve ficar apenas para o ano que vem. O senador Paulo Paim (PT-RS) afirmou que vai apresentar uma sugestão da criação de um estatuto do trabalhador, que retome pontos da CLT alterados na reforma, mas com modernizações.
Paim afirma que poderá iniciar o processo de tramitação do projeto já em maio, mas que a discussão do projeto deverá transcorrer durante as eleições e ficar para o próximo governo.
“Tenho tradição na casa de aprovar estatutos. Quem fez essa lambança e criou esse imbróglio foram eles. Eles vão ter de responder . Esses meses ainda vão ficar nesse vazio. Quase um precipício para empresário e trabalhador. Os empresários ficarão tateando, sem se jogar, com medo dos riscos”, disse Paim. (fonte: Gazeta do Povo)